Pelo direito de não ter bunda

Dizem que todo homem gosta de bunda. E de peitões, cintura fina e boca fechada.

"Eu pagaria para ver essa bunda"

Como mulher, nada me irrita mais do que essa robotização do corpo feminino, a tentativa de unificar todas nós em uma única cópia feminina do robô do filme O Homem Bicentenário. Com a diferença que quando ela começar a ter sentimentos e vontade de ter coração, chegou a hora de desligá-la.

Eu posso ser um monte de coisas que as notícias dizem que eu sou, mas qual a probabilidade de não o ser, quando as tentativas de acertar são tantas? Coisa alguma ninguém pode ser.

Quando se trata de discutir a sociedade, nenhum assunto dá mais pano pra manga do que as mulheres. Entre os homens, na mesa do bar, e entre nós mulheres também. Acredite você ou não, aquela gostosa do peitão também pensa sobre a nossa situação e nossa imagem perante a sociedade. Por necessidade ou por vontade própria, variam os motivos. E ela não está sozinha.

Desculpe decepcioná-los, mas o assunto em uma roda de mulheres deixou de ser somente vocês, meus caros. A variedade de temas da nossa cartela de conversas agora é maior.

Heidegger afirmou que o homem está se tornando “pobre de pensamento”. Bem, eu, como mulher de pouco peito e bunda, penso um pouco mais. Digo, me sobra mais tempo, uma vez que essa minha variante biológica desperta menos atenção e atrai com menor intensidade a imensa quantidade de hormônios que os homens possuem nas suas duas cabeças – isso quando ele não possui somente uma, a anatomicamente posicionada no centro de seu corpo, assim como Brasília no centro do país, semelhantes inclusive quanto ao efeito, já que sexo e poder são extremamente hipnotizantes e agentes condutores das ações masculinas.

Além de ouvir menos vezes o gratificante reconhecimento masculino expressado pela palavra “gostosa”, que pode ser maravilhoso de ouvir no momento apropriado, entre quatro paredes, eu também consigo algum tempo para reparar e questionar os comportamentos. Apesar de nordestina – leia-se matuta e cabeça fechada na teoria –, na prática eu sou uma pessoa aberta às diferenças, e me sinto intrigada porque ando no sentido contrário, afastada do movimento bundalizador.

Por onde anda a atitude?

Esteticamente, posso querer melhorar, mas tenho medo de virar meio ao invés de fim. Mas, afinal, quando é que esses padrões vão deixar de ser tudo? Talvez quando as mulheres tiverem perto de acabar.

Este século XXI é mesmo o fim do mundo. Pode não ser o fim do planeta Terra como os maias previram para 2012, mas a nossa geração presencia uma realidade diferente de tudo o que nossos livros podem nos contar.  We all want to be young,  don't we? Tudo bem, então, que as pessoas estejam meio perdidas e divididas entre os diversos caminhos que podem tomar. Nós podemos ser praticamente o que quisermos, temos o direito de escolha e a possibilidade real dela, diante de nossas limitações, claro (que são todas materiais, se é que você me entende, porque dentro da nossa cabeça tudo funciona meio como The Sims e cada um cria o que quiser).

Tudo bem que diversas lutas tenham finalmente valido a pena e que nossos mortos possam parar de se mexer no tumulo (quando não são insultados ou chamados à vida, porque nem eles são de ferro). Tudo bem! Alô, sociedade, a liberdade de pensamento chegou! Hora da festa! Cadê as luzes, o grito de surpresa, os sorrisos de comemoração, os drinques coloridos? Mas aí alguém grita: “Não comecem a festa! Tá faltando a atitude chegar!”

Lingerie que promete aumentar a bunda. Mas para quê? E para quem?

Back to the butt

Mas que raiva eu sinto dessa extrema insistência, dessa materialização do que não pode ser objetivado, de tentar transformar o vento em ventania. Aqui eu volto à bunda. Porque enquanto eu vejo a festa pronta, todas as variantes e as diferenças entre as pessoas, toda a chance que agora finalmente é real de fazer escolhas, as mulheres continuam sendo despersonalizadas, julgadas, reprimidas e materializadas. Os sutiãs ainda deveriam estar ardendo em meio ao fogo, porque muitos ainda não entenderam. Não, eu não sou feminista. Se você quiser me classificar, que seja como diferentista – causa nova, palavra nova. Em meio a lingerie feminina, que adicionem cuecas. Talvez assim.

Este protesto não é de mulheres ou homens, e apesar de mulheres gostarem de sexo tanto quanto os homens (o que não deveria ser novidade), também não se trata de sexo. Nem de homossexualidade, ou corrupção, nem dos protestos na Inglaterra, nem da Copa de 2014 e os estádios inacabados, nem do terremoto escala 5.8 em Nova York. Trata-se de cortar a faixa e inaugurar a porta de entrada para um lugar onde bundas grandes e pequenas têm, ambas, o seu lugar ao sol.

Nota do editor:Este é o primeiro texto de Camila Borges que o PdH tem a honra de publicar. Assim como Camila, você também pode ser um dos nossos novos autores. Saiba mais sobre escrever para o PapodeHomem acessando nossas diretrizes.


publicado em 11 de Setembro de 2011, 09:29
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Camilla Borges

Sonhadora e observadora desde pequena, viciada em café e doces, gosta de conversar tomando vinho e de ouvir barulho das ondas. Insiste em acreditar nas pessoas e está escrevendo seu primeiro livro, enquanto fala quando quer em Quando sorrisos sinceros... Sonha viajar pelo mundo e ser presidente.


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