PEC 215: o maior retrocesso recente à defesa dos índios

Essa semana foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados em Brasília a PEC 215, uma proposta de emenda constitucional que transfere para o Congresso Nacional a exclusividade na demarcação de terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação. A seguir, mostro um pouco do que na minha visão significa um dos maiores retrocessos, caso essa proposta seja realmente aprovada, para a defesa dos direitos dos índios, afro-descendentes e do meio-ambiente.

Quando eu comecei a escrever esse texto pensei em fazer uma linha histórica, juntar milhares de informações sobre a questão indígena no Brasil, ressaltando o massacre desse povo e o desaparecimento de várias etnias desde a chegada dos portugueses. Segundo o censo de 2010, dos 4 a 10 milhões que existiam naquela época restaram apenas os 817 mil atuais. Do mesmo modo, pensei em ressaltar as comunidades de quilombolas que surgiram como uma forma de resistência à escravidão e a importância disso para a constituição de nosso povo.

YouTube | E a história se repete

Mas me pareceu que qualquer contextualização histórica seria artificial e tiraria o foco do que realmente interessa nesse assunto. A questão principal que surge com a aprovação da PEC 215 diz respeito a um processo que se mantém há séculos no Brasil: a legitimação dos interesses econômicos de uma pequena parcela da elite brasileira em detrimento de minorias historicamente desfavorecidas.

Ao transferir do Executivo para o Legislativo (Congresso) a competência na demarcação das terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação surgem dois problemas imediatos. O primeiro é que as instituições responsáveis por estudos e propostas de demarcações de terras indígenas, comunidades quilombolas e unidades de conservação, respectivamente Funai, Fundação Cultural Palmares e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), perdem força. O segundo é que, pelo menos em teoria, a constituição de 1988 estabelece que a decisão sobre essas questões seja do Executivo justamente como uma forma de evitar que interesses locais e regionais possam prevalecer e influenciar nessas decisões, e isso foi alterado.

Mais grave ainda é que esse texto da PEC, feito em 2000 pelo deputado Amir Sá do PPB (atual PP) de Roraima, prevê que os parlamentares poderiam ratificar ou não todas as terras indígenas já previamente demarcadas. Ou seja, em teoria os congressistas poderiam acabar com as terras indígenas do país. Felizmente o atual relatório aprovado pela CCJ, do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), retira a parte relacionada à ratificação de demarcações já homologadas.

Claramente a aprovação da PEC 215 é uma vitória da bancada ruralista. Na prática, isso significa que a decisão de criar ou não uma área indígena ou unidade de conservação vai estar sujeita a essa bancada. A velha história dos interesses pessoais de alguns prevalecerem sobre os interesses das minorias.

Às vezes ficamos apenas assistindo fatos como esse acontecerem, muito embora eles influenciem diretamente e em grande escala nossa vida e a de todo mundo ao nosso redor, a curto e longo prazo. Acredito que sempre é possível fazer algo. Que seja para mostrar que não concordamos com o que está sendo proposto.

Se depois de ler e se informar, você for contra a PEC 215, pode assinar esse abaixo assinado aqui. Se você for a favor, perfeito, esse é um direito seu também. Em ambos os casos passe lá nos comentários para que possamos seguir essa discussão.


publicado em 24 de Março de 2012, 11:16
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Arildo Dias

Biólogo por formação e aspirante a escritor. Alguém que já utilizou uma única definição para se descrever e agora prefere dispensar tal necessidade. Mora em Campinas - SP.


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