Nota do editor: Esse post, publicado originalmente aqui, é uma homenagem ao aniversário de sete décadas de Sir Paul.
Não existe nada mais bonito que um estádio de futebol.
Meu pai não é intelectual, filosofo, cientista ou antropólogo cultural. Não conhece as pirâmides do Egito ou a visão da Torre Eiffel. Jamais esteve na Tailândia, Holanda, Itália ou na Lua. Mas observe a força dessa afirmação. "Nada é mais bonito que um estádio de futebol". Isso, até hoje, soa como um dos maiores aprendizados da minha infância.
Ouvi na primeira vez que entrei num estádio de futebol — 10 de agosto de 1994, estádio Olímpico, Grêmio x Ceará . Meu pai, já com os olhos vermelhos e por meio de uma voz rouca que evitava o engasgo, afirmou que aquela era a visão mais bonita do mundo.
Eu acreditei. E, a partir daquela noite, entendi que o futebol era mais importante que qualquer outra coisa. Virei um torcedor. Não um torcedor fanático, mas um torcedor apaixonado. Tive — e ainda tenho — algumas manias. Não gosto de camisetas de cor vermelha. E acreditem: mesmo sendo necessário para minha profissão, até hoje não sei como foram os gols da final da Taça Libertadores de 2010. Até hoje.
Tudo isso graças ao gol do Nildo Bigode naquele jogo. A vitoria, o título e o reflexo filosófico do meu pai. Virei um gremista.
Seis de setembro de 2010. Depois de um longo período longe dos gramados, lá estava eu de novo no Estádio Olímpico. E mais uma vez o adversário, vejam vocês, era o Ceará. A enorme diferença dessa vez foi que eu previa uma traição no domingo. Entrei no Olimpico rezando, pedindo perdão a São Portaluppi e aos apóstolos Baltazar Maria de Morais Júnior e Andre Catimba. Senti olhares maliciosos de irmãos gremistas de todos os lados. Do quadro social, passando pela loja até o xis pré-jogo pude ouvir sussurros de desaprovação. Estava escrito na minha testa.
Meu destino, em 7 de novembro de 2010, era outro. O Gigante da Beira Rio.
O show de Paul McCartney, com quase três horas de duração, é uma viagem recheada de naftalina, lembranças e homenagens. Se a música é a grande revolução cultural do século XX, o surgimento dos Beatles foi o estopim para o primeiro manifesto. E foi assim que o público de mais de 50 mil pessoas recebeu Paul McCartney no domingo em Porto Alegre. O senhor de 68 anos apresentou, além do talento nato em cinco instrumentos, uma forma impecável no palco. A produção proporcionou ainda um som intacto, limpo, sem qualquer motivo de reclamações. E dois enormes telões mostravam com precisão todas as rugas do Sir.
A abertura com a pop Jet levou os fãs até 1974, ano de lançamento do álbum Band on the Run. Ainda no primeiro quarto de show Paul relembrou os Beatles com All My Loving. Na sequencia as luzes diminuíram e Paul enquadrou-se no piano para tocar baladas que marcaram sua carreira solo, como Nineteen Hundred and Eighty-Fiv e My Love. Uma das mais esperadas da noite, a belíssima The Long and Winding Road, foi dedicada aos namorados.
O show seguiu com uma sequencia de músicas da década passada e clássicos manjados e deliciosos, como And I Love Her, Dance Tonight, Blackbird, Mrs Vandelbilte e Dance Tonigh. Houve ainda dois tempo para duas homenagens. A primeira para John Lennon com Here Today, canção que Paul compôs para John após a morte do vocalista. Depois foi a vez de George Harrison ser relembrando em fotos projetadas e com a obra primaSomething. A música ganhou um arranjo poderoso inspirado na regravação de Elvis Presley.
Antes do primeiro bis Paul voltou a pianos e trouxe uma trinca poderosa: Let It Be,Live and Let Die e Hey Jude. Inclusive, Live and Let Die ganhou todos os efeitos que fizeram essa apresentação famosa. Fogos surgiram dentro, ao lado e sobre o palco para acenderem ainda mais o público e aquela noite com uma única estrela em Porto Alegre.
A volta teve dois momentos. No primeiro: Daytripper, Lady Madonna e Get Back. No segundo, que passou incrivelmente rápido, três das músicas mais tocadas da historia:Yesterday, Helter Skelter e Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band. A primeira, sem duvida, a mais conhecia de Paul. A segunda, para muitos, a mais pegada dos Beatles. E a terceira um verdadeiro marco da música, cheia de mensagens e segredos revelados nas entrelinhas.
A turnê Up and Coming Tour é, eu diria, uma homenagem de Paul McCartney a Paul MacCartney por tudo o que ele viveu nas ultimas décadas. Ele convida os admiradores de sua musica e oferece um tipo de reverencia. Reverencia essa que vem por meio de acordes que fazem, ao mesmo tempo, sorrir e chorar. Com música, você tem domínio. Com domínio, você tem poder. E nada melhor que ver o poder — e a palheta — desta tal música estar na mão esquerda daquele senhor.
Entrei no Beira Rio às 19h. Nunca havia pisado na arquibancada do estádio, o que dizer do gramado? Quando vou embarcar em aviões não gosto de olhar para os lados. Fico de cabeça baixa olhando a ponta dos meus pés até chegar a hora de procurar minha poltrona. Isso se deve ao medo de olhar para um canto e ver um parafuso enferrujado ou uma parede descascada. Na entrada do Beira Rio aconteceu exatamente isso. Fixei no chão e segui.
Na passarela que dividia a arquibancada do gramado senti o cheiro da grama. Aquilo foi me deixando apreensivo. Não gostaria de estar ali e muito menos tentar adivinhar minha reação ao levantar o queixo.
Cinco, seis passos a frente olhei para frente, onde estava o palco. Olhei em volta, onde o público já se acomodava em busca do melhor lugar. O estádio vermelho estava lotado. Pareciam todo me olhar. E rir. Riam muito. Eu era o árbitro de futebol entrado no gramado. Senti vergonha. Mas também cedi ao bom senso. A visão de um estádio lotado é inesquecível. As pessoas estavam em êxtase. Era como se fosse um jogo ganho, onde todos estavam convictos de uma goleada do time da casa. O campo de futebol, mais uma vez, era a coisa mais bonita entre todas as coisas mais bonitas do mundo. Eu tinha que admitir isso, mas não queria – e ainda não quero.
Faltavam pouco mais de três passos para pisar no gramado. Parei por um segundo, o suficiente para alguém que vinha atrás empurrar e me jogar para o piso natural. "Campeão de Tudo", dizia um letreiro. Pisei no gramado. Pisei no Beira Rio. Pisei no gramado do Internacional. E, involuntariamente, pisei com o pé esquerdo.
Pisei com o pé esquerdo no Beira Rio e assisti o show de Paul McCartney. Ou assisti o show de Paul McCartney e ainda pisei com o pé esquerdo no Beira Rio?
Não sei. Mas gosto de lembrar que pisei com o pé esquerdo no Beira Rio.
TOP 3 Paul Macca
Uma música para a sua gatinha Linda.
Uma música pra você dizer que está apaixonado.
E uma música para vocês dançarem juntos.
publicado em 19 de Junho de 2012, 08:10