Paternidades Negras | Primeiro relatório sobre paternidades focado na perspectiva racial do Brasil

O Instituto Promundo disponibiliza o documento e há muito o que aprender com ele.

Em novembro de 2021 foi lançado o primeiro relatório sobre paternidades negras pelo Instituto Promundo. O fato de ser exclusivamente sobre pais negros é o principal objetivo dentro de uma sociedade que coloca como norma a masculinidade branca e, por sua vez a paternidade branca como a ideal. 

Esse relatório é um esforço em colocar a paternidade negra na superfície do debate social e como um movimento politico de resistência de pais negros que existem, resistem e por isso suas existências são singulares dentro de uma sociedade plural. 

A paternidade negra é potência.

Ser um homem negro em uma sociedade racista impacta diretamente na experiência de vivência e paternidade e é por esse é outros vários motivos que esse relatório sempre foi necessário e agora finalmente existe.

Humberto Baltar  criador da pagina Pais Pretos no Instagram, é responsável por dois capítulos: "Paternidades negras e educação" e "Paternidades negras e quilombos atuais". Nesses dois capítulos faz constatações que já mostram a importância do relatório para a nossa sociedade. 

No primeiro, Paternidades negras e educação (página 109) Humberto aborda o apagamento da pessoa negra na escola, onde ela não se vê nos livros, nem na história, nem no conhecimento ali presente, que em sua maioria é de produção europeia. Afinal, nada marca mais um aluno negro do que descobrir que o Egito era uma sociedade de pessoas negras, e não de pessoas brancas. 

Humberto, Thainá e o filho Apolo.

O apagamento também segue no discurso dos professores, em insistir na ideia de que pessoas negras são descendentes de escravos, e apaga toda a história do continente africano nesse processo, além de desmotivar e violentar epistemologicamente esse jovem. Humberto lembra a frase célebre de Sílvio de Almeida:

"A escola é um braço do racismo estrutural."

No outro artigo de sua autoria, Paternidades negras e quilombos virtuais (página 181), ele trata sobre o atual aquilombamento dos pais pretos dentro de uma sociedade que não escuta ou considera a fala negra. Em grupos de masculinidades é constante a queixa dos homens negros de não serem ouvidos quando trazem atravessamentos de suas vivências, isso leva a constituição de locais, mesmo que virtuais, onde esses homens negros possam ser ouvidos e trocar experiências. 

Funciona porque existe acolhimento e escuta entre pessoas negras por partilharem as mesmas vivências, o que traz consigo a empatia. Isso impacta diretamente na constituição desses novos pais negros que estão procurando formas de serem pais e maridos mais presentes e saudáveis.

Foto de encontro presencial (2019) do coletivo Pais Pretos Presentes, que Humberto idealizou junto com a esposa Thainá.

Há um capitulo que me marcou profundamente: Paternidades negras em pauta - desafios e perspectivas, onde o capitulo abre com o dado mais alarmante, mas necessário de ser repetido a exaustão: Segundo o Mapa da Violência de 2017 a cada 23 minutos uma criança negra fica sem pai ou a cada 23 minutos um homem jovem negro não se tornará pai. A partir disso, como pensar uma paternidade quando você não sabe se vai voltar para casa? 

E se esse homem sobrevive para paternar, ele se depara com o desafio de ser pai e ter que ensinar os filhos a conviver com o racismo, ou seja, precisa criar um repertório de paternidade muito maior que uma pessoa branca, isso aplica um peso a mais a existência negra, o fardo do racismo.

O Relatório de paternidades negras é uma consequência do aquilombamento digital que a pandemia causou, mas que aproximou homens negros a construírem uma rede de apoio paterna e trazer ao debate a questão das paternidades negras, agregando cada vez mais pais negros a encontrarem acolhimento e, se desenvolverem também não só no campo da criação saudável e melhor relação familiar, novas estratégias de lidar com os efeitos do racismo e também em suas carreiras. 

O relatório vem como uma ligação entre esses pais com a maioria da população negra e para todos, ao lerem esse conteúdo, também se engajem na educação anti racista de seus filhos. É um disparador de inspiração, mais uma semente na recuperação da narrativa preta, do empoderamento e da paternidade negra como possibilidade plena.

Para ler o relatório, clique na imagem 

Clique na imagem para acessar o relatório.

 


publicado em 25 de Novembro de 2021, 18:35
Joao marques jpg

João Marques

Escritor, pesquisador da psicologia das masculinidades e questões raciais.


Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.

Sugestões de leitura