Desde que vim para São Paulo, meu coração bate descompassado. Há quatro anos ele segue a regência absurda das buzinas frenéticas, dos motores de ônibus, do zunido das motocicletas que passam a mil.
Alguma coisa acontece no meu coração. Talvez seja o começo de alguma doença cardiovascular agravada pela quantidade de fumaça que enche meus pulmões todos os dias. São Paulo é isto: um lindo labirinto feito de concreto e fumaça. O monóxido de carbono é quase palpável. Se fosse mulher, ela te seduziria com seu charme e seus vícios para, no fim, acabar com tua vida – literalmente, pois ela te mataria aos poucos. De câncer.
É um lugar apaixonante e tóxico. Ou melhor: é um lugar cheio de pessoas apaixonantes e tóxicas.
No momento em que bato estas teclas, o congestionamento beira os 80 quilômetros – é um dia comum, até que bom. Aposto que, enquanto escrevo "aposto que", algum motorista grita com um pedestre e perde a cabeça. Um motoqueiro dá um pezada em algum retrovisor. Um mendigo xinga o transeunte sovina. O cara de gravata olha a bunda da moça de saia.
Não tem como não amar o caos institucionalizado de São Paulo. Mas há momentos em que, para não enlouquecer, temos que parar.
Ficar suspenso.
Fazer silêncio.
Quietude
Aqui, sob este céu cinza de poluição, é fácil a gente se confundir com a massa. O silêncio, o olhar para dentro, é uma forma de enxergar nossa identidade. É uma forma do indivíduo não se perder no meio de tanta gente. Quem mora em grandes cidades têm urgência de uma paz particular.Nem que seja por 10 minutos.
Ou segundos.
É o que propõem Marcel Maineri e a namorada, Julie Bazacas. O casal criou o Projeto Pare que, por meio de intervenções em placas de Pare no trânsito de Porto Alegre, convidam motoristas e pedestres à reflexão. O imperativo "Pare" ganha novos significados, como estes:
Segundo o Tumblr do projeto,
Vivemos numa época de intenso movimento. Voltados sempre para fora e cada vez com mais pressa, ninguém tem tempo de olhar para dentro ou mesmo a sua volta. Tudo passa despercebido, todo dia o caminho é igual; os pensamentos, os mesmos.
Marcel comenta que a ideia do projeto nasceu da maneira mais lógica: "Num engarrafamento." Parados no congestionamento por mais de 10 minutos, ele e a namorada avistaram uma placa de Pare – "uma placa que naquele momento não servia pra nada, afinal, estava todo mundo parado" – e começaram a brincar: "Pare e chore, pois você não vai sair daqui tão cedo."
Esta brincadeira acabou série. "Foi com esse insight que resolvemos inverter a lógica e fazer disso uma mensagem positiva para a sociedade e para o trânsito", comenta Marcel. A ideia surgiu em 13 de agosto e hoje, 15 dias depois, já conquistou não apenas porto-alegrenses. Até o momento da escrita deste texto, 2.420 pessoas haviam curtido Tumblr na rede social. Isso mostra que, em Porto Alegre, São Paulo e em outras metrópoles, compartilhamos da mesma necessidade.
Onde estão as intervenções
As placas de Pare com intervenções estão nos movimentados bairros de Moinhos, Cidade Baixa e Bonfim. "A ideia é puramente artística e em nenhum momento tivemos a intenção de depredar ou prejudicar a sinalização do trânsito. Nos responsabilizamos pela retirada dos adesivos após quatro semanas", diz Marcel.
O PdH pede que a equipe do projeto repense este prazo. E se nunca tirarem os adesivos? E se o convite para um cotidiano menos opressivo permanecesse grudado nas placas de Pare indeterminadamente?
Além disso, o PdH convida os leitores a fazerem o mesmo. Confeccionem adesivos e colem em placas de Pare da sua região. Façam uma foto e mandem para a gente pelo e-mail contato@papodehomem.com.br. Postaremos todas aqui regularmente.
E, por hoje, pare por 10 minutos.
publicado em 28 de Agosto de 2011, 05:08