Pare de falar que não entende nada de arte

Compreender o significado de uma peça não implica necessariamente em entender o período ou mesmo a técnica utilizada pelo artista

Dias atrás tentei me lembrar quando comecei a gostar de arte. Quem sabe no amor platônico por alguma professora do ensino médio ou em alguma leitura na faculdade. Realmente não me recordo.

O fato é que posso dizer com sinceridade que aprecio arte. E quando digo arte digo expressões artísticas em geral. A do quadro que ninguém entende. Da maluca que fica sentada na frente das pessoas por horas. Ou aquela que te faz pensar: que loucura pagar US$ 180 milhões em uma porção de rabiscos. Sem mencionar as que nem podem ser compradas.

"Guernica", 1937. Pablo Picasso. Sempre um bom jeito de começar.

Talvez ao olhar uma escultura, naquele museu bacana que todos indicaram, ela pareça uma grande bobagem – como sua namorada ouvindo sobre seu 'fantástico' gol de voleio na terça-feira passada. Talvez aquele quadro que expressa uma atrocidade de guerra pareça sem sentido de perto – e você veja mais sentido passar as mesmas horas no Instagram. Sem perceber, você tenta se conectar com a obra com a mesma empolgação que seus pais quando eram convidados a ver seu novo salto na piscina: "Lindo meu amor. Agora vamos almoçar!"

Ninguém mais quer passar alguns minutos em frente a uma tela com borrões de vermelho e laranja. Estamos leiloando nossa atenção a um alto custo.

Vou ficar aqui 5 minutos porque todo mundo fala desse artista, mas quero mesmo é ir na lojinha de presentes.

Busque uma sensação de infância que te deixe incrivelmente feliz ou a saudade de determinado lugar. Vale o embrulho no estômago do primeiro encontro, a ansiedade pela festa de aniversário de seis anos ou aquela casa na árvore que seu avô fez pra você nos fundos da casa dele. Dessa vez, não me conte o que pensou. Faça desses sentimentos um objeto, um desenho, um filme(!), de modo que outras pessoas possam sentir a mesma coisa que você sentiu. Isso é saga de um artista.

Registrar um instante de emoção humana em um quadro, escultura, música ou o que quer que você entenda como arte, deve ser digno de admiração e respeito. Mas estamos tão ocupados tentando provar pro mundo e pra nós mesmos como somos fortes e resolvidos, que esquecemos simples emoções. No final das contas, a vida acaba sendo um grande filme com cenas esporádicas de felicidade, enquanto nós, os protagonistas, passamos por várias roubadas e desilusões. Artistas tentam se conectar com esses momentos. Bons ou ruins, pessoais ou coletivos.

"A Persistência da Memória", 1931. Salvador Dali. Salvador de todos nós.

Por onde começar?

Para auxiliá-lo pensei em algumas dicas que vão te fazer, pelo menos, encarar arte de um modo diferente.

Em primeiro lugar, você não precisa necessariamente saber o período ou mesmo a técnica empregada pelo artista, apenas abra sua mente para essa conversa. É como conhecer uma nova pessoa: é possível que ela tenha coisas interessantes a dizer. E em seguida, tenha paciência. Esperar que todo artista seja um Michelangelo é o mesmo que esperar encontrar a Beyonce no Tinder. E eu preciso te avisar, amigão: não vai rolar.

"A Noite Estrelada", 1889. Vincent Van Gogh. Eternas desculpas pelo atraso, Vincentão.

Nem todas as obras de arte são brilhantes. Eu mesmo conheço algumas instalações e performances bem estranhas, mas você também não é espetacular em todos os momentos da vida e nem por isso é um fracasso como ser humano. A dica é começar procurando por artistas que tenham visões de mundo parecidas com as suas, ou obras que tenham algum viés social/político com o qual você se identifica.

Vou compartilhar uma experiência minha com Notívagos, do Edward Hopper. O quadro em questão é de um artista americano daquela época de 1940/1950. Entre guerras, grande depressão, instabilidade política e econômica, o mundo estava à beira do colapso. Inspirado nisso, Hopper aborda a vida em sociedade da época onde apesar de viver em grandes cidades, rodeada de pessoas, as pessoas compartilhavam um sentimento de solidão contemporânea.

Isso te lembra algo? Pois é.

"Notívagos", 1942. Edward Hopper.

Vamos fazer uma experiência. Abra essa imagem numa aba do seu navegador. Tente ver a imagem sem interferências. Pause um pouco o novo CD indie que você baixou e tente entrar nessa cena. Se concentre. Tente sentir o ambiente, as pessoas.

No quadro, podemos ver três indivíduos sentados num café, provavelmente de madrugada. Mesmo ao lado um do outro, os membros do casal parecem distantes. Com a cabeça em outro lugar. O homem de costas no plano da frente parece nem ao menos notar os demais, cabeça abaixada, pensativo. Se permitindo mergulhar um pouco mais fundo, em pouco tempo, é como se você estivesse ali, sentado junto àquelas pessoas, tomando um café às 3 da manhã perdido nos seus próprios problemas, indiferente ao mundo, e o mesmo mundo, lotado de pessoas, indiferente a você.

Talvez essa imagem não tenha atingido você como ela atinge a mim. Ou talvez o exercício não tenha funcionado no ambiente em que você se encontra agora. Mas nesse caso, sugiro fortemente que você tente com algo do seu gosto ou numa outra oportunidade. É muito difícil diminuir o ruído do cotidiano e voltar toda nossa atenção para uma tarefa. Mas aos poucos você pega o jeito.

De qualquer maneira, da próxima vez que estiver frente à peça de um artista, saiba que ele está conversando com você. De alguma forma ele tentou aprisionar naquela obra uma sensação. Como se capturasse uma borboleta e colocasse num pote de vidro. Mas talvez ele não tenha conseguido atingir você ou você tenha se permitido comunicar com ele. E tudo bem. Existe uma imensidão de outras obras para serem apreciadas.

Nesses casos é importante entender que a expressão artística não se resume apenas ao formato que eu ou você gostamos. Alguns artistas precisam ir mais longe, falar mais alto. Do outro lado, são tempos difíceis de se desligar do mundo e ouvir com atenção o que alguém tem pra nos dizer. Como todo novo hábito, leva tempo e demanda paciência. No final, será possível notar que tudo se trata de um belíssimo diálogo e você só precisa estar disposto a escutar. Então, por favor, se dê uma chance e pare de falar que não entende nada de arte.


publicado em 26 de Julho de 2016, 17:56
Edgar

Edgar Ramos

Especialista em Design, sócio diretor da Shapeweb e professor de publicidade é palmeirense não praticante e de vez em quando arrisca alguns esportes ao ar livre. Pode ser encontrado no Facebook.


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