O PapodeHomem está no Mapa do Jornalismo Independente da web, feito pela Pública

Mas em tempos de absoluta transformação na área, o que é jornalismo mesmo?

Na última semana, a Pública lançou em seu site algo que podemos chamar de um indicador dos rumos da produção de conteúdo no Brasil: um mapa do nosso jornalismo independente, cheio de projetos fruto de trabalho colaborativo na rede e que não estivessem ligados à grandes grupos empresariais de mídia e agentes políticos.

Entre quase setenta projetos de relevância que estão ganhando força nas redes, o PapodeHomem está lá. Junto conosco figuram outros como Repórter Brasil, Fluxo, Nexo, Risca Faca, Lado M, Aos Fatos, Farol Jornalismo, Revista Capitolina, Jornalistas Livres, Think Olga, Democratize, entre muitos outros que vale a pena conhecer.

A informação está organizada de modo expansível, e dentro do próprio mapa dá pra saber mais sobre cada projeto clicando sobre seu logo. Em tempos de ruínas para a oligarquia midiática, chamam atenção dois pontos específicos sobre o espraiamento do formato digital de jornalismo independente: o quanto ele está voltado para a defesa dos direitos humanos e a variedade de assuntos que aborda, sempre lançando olhares narrativos que contextualizam os fatos no tempo e espaço sociais.

O jornalismo se deu conta de que não precisava se resumir à descrição de fatos e que, embora esse ainda seja um modelo válido de hardnews que muito provavelmente se manterá vivo pelas agências de notícias, um monte de outras coisas também são jornalismo.

Mas o que o PapodeHomem faz é jornalismo?

Essa foi a minha primeira pergunta ao receber o e-mail comemorativo do Guilherme na caixa de entrada. A conversa se estendeu por telefone e achamos que valia a discussão num artigo que abrisse possibilidades ao invés de fechar perguntas.

Pra pensar em respostas é preciso pensar em mais uma pergunta-chave: o que é jornalismo?

Jonathan Stray, articulista do Nieman Lab, tentou definir:

“Eu não acho que possa dizer o que é a essência do jornalismo. Mas acho que tenho uma boa ideia do que os jornalistas realmente fazem. É um monte de coisas, todas valiosas, nenhuma delas restrita às definições tradicionais. Jornalistas vão à cena da notícia e escrevem, narram ou fotografam o que está acontecendo. Fazem investigações por meses e publicam reportagens muito poderosas. Fazem perguntas cruciais às autoridades. Leem os registros oficiais e trazem à luz fatos obscursos mas relevantes. Tudo isso é muito tradicional, um trabalho de jornalismo ao qual estamos acostumados.

Mas jornalistas fazem muitas outras coisas também. Usam seus poderosos canais de comunicaçõa para chamar atenção para questões que eles mesmos ainda não haviam reportado. Fazem curadoria e filtram o barulho da internet. Reúnem diversos artigos interessantes em um só lugar. Explicam assuntos extremamente complicados. Eles escrevem ao vivo, retuitam a revolução. E mesmo na era da internet, há valor em ser nada mais do que um confiável condutor para a informação. Só apontar uma câmera para os fatos — e mantendo-a ligada não importa o que aconteça — é um ato jornalístico importante.

E há mais. Jornalistas verificam fatos e esclarecem as coisas quando políticos jogam e mudam seus argumentos. Eles cultivam um ambiente para debate público ou moderam tal ambiente. E ainda que o jornalismo das revistas possa ser bem diferente do resto, ainda o chamamos de jornalismo. Enquanto isso, profissionais dos tradicionais jornais escrevem um grande número de artigos interpretativos, uma fração muito maior do que o desejado. O estereotipado “o que está acontecendo?” modo de reportar notícias está se tornando menos comum desde a última década, e 40% das reportagens de capa agora são analíticas ou interpretativas, segundo pesquisas. E, claro, há os jornalistas de dados, que trabalham com o grande aumento de disponibilidade e valor das informações e estatísticas geradas no mundo.”

Reportar fatos e produzir notícias primárias são atividades que definitivamente se encaixam no conceito de jornalismo, mas a coisa fica mais difícil de definir quando pensamos em tanta produção de conteúdo que surge agora pelos novos formatos.

O espaço da opinião esteve sempre garantido, mesmo no jornalismo clássico, pelos gêneros de editorial, comentário, coluna, crônica, resenha e charge. Que opinião também pode ser jornalismo, portanto, já sabemos há um tempo.

Mas não estamos ainda acostumados a aceitar como jornalismo a produção de conteúdo que reúne notícias primárias nessas narrativas que fazem recortes bem diferentes de uma mesma realidade, tornando os limites entre os gêneros jornalísticos cada vez mais tênues.

Parece que o escancaramento de que a máxima da imparcialidade absoluta não passa de uma falácia tem incomodado demais, especialmente porque ela incorre numa quebra necessária dos formatos aos quais estamos acostumados hoje – o de esconder interesses sob uma proposta de factualidade pura.

Se não estão comprometidas com anunciantes grandes demais para que sejam denunciados se necessário, as empresas jornalísticas têm também seus posicionamentos, assim como os trabalhadores que nela atuam – e, ao contrário do que poderíamos pensar, não há problema intrínseco aí.

O PapodeHomem está nesse encaixe, nos limites do encontro entre as duas pontas. Ao mesmo tempo em que nos arriscamos no mundo das reportagens nesse ano que passou – sempre deixando claro qual era nosso posicionamento quanto à sua narrativa – com a Expedição Rio Doce. Neste projeto, Nina Neves e Ismael dos Anjos fizeram uma cobertura matadora da situação das cidades mineiras afetadas pelo desmoronamento das barragens das atividades mineradoras.

O que mais fazemos por aqui, no entanto, é construir em cima do que já existe, compartilhando olhares de diferentes autores sobre os fatos primários emprestados do hardnews.

Acender fagulhas é função do trabalho jornalístico, e nossa caixa de comentários está cheia de quem concorde ou discorde veementemente do que nossos autores dizem. Todos aprimoram suas capacidades argumentativas e recebem a chance de repensar suas conclusões, inclusive nós mesmos, que voltamos atrás por vezes.

O jornalismo pode e deve servir ao exercício do debate. E isso se faz aqui.

Se quem escreve se posiciona cada vez mais, como manter o jornalismo honesto?

Dizer que não há problema intrínseco no fato de um veículo jornalístico se posicionar no tempo e espaço não significa legitimar mentiras ou histórias contadas pela metade. Por outro lado, a pretensão de imparcialidade também não é nem um pouco honesta.

Pra que esse modelo funcione, é preciso que todas as partes atuem de forma mais lúcida. Assumir uma posição enquanto autor, assumir sua narrativa, é pré-requisito para uma comunicação mais franca. Se eu sei de onde você está vindo, consigo compreender o que fala sobre o mundo e também os porquês de você dizer o que diz de determinada forma.

Essa responsabilidade também se dá por parte do leitor, que pode e deve colocar em ação o crivo avaliador que todos temos para absorver o conteúdo de forma holística – o que está dito e o que fica nas entrelinhas, que não deixa de ser parte da construção textual e, com certeza, da angulação selecionada.

A partir daí, escolher se abrir para outras narrativas que não a sua pode ser uma jornada bem mais rica do que consumir fatos crus. A discordância pode afinar argumentos, fazer repensar e aprimorar nossa capacidade de comunicar-se e entender o outro, de ser o outro, de empatia.

A informação continua sendo válida e o compromisso do hardnews em abordar lados contrários também, assim como para apuração rigorosa de fatos que não podem ser preteridos. Mas as nuances de posição estão ao longo de todo o texto, desde a escolha das fontes até a de palavras, num processo inevitável de construção textual. Negar isso sob o véu da suposta imparcialidade só pode ser desonesto.

Por isso, tudo o que quero de cada um dos veículos desses novos formatos digitais é que me digam a que vieram e me deem a chance de analisar o conteúdo que me oferecem sob meus próprios critérios, numa proposta mais dialética do que é jornalismo.

O quanto esse jornalismo é comprometido e como se paga?

Pode ser bastante angustiante clicar sobre os veículos indicados no mapa do jornalismo independente na web. As empresas jornalísticas estão demitindo a rodo, seu modelo está falhando e seus investimentos estão sendo realocados, mas, ao mesmo tempo, a massa do jornalismo independente ainda não se paga.

Muitas dessas inciativas estão sendo sustentadas pelos próprios bolsos de seus criadores, por iniciativas de financiamento coletivo ou a famigerada publicidade.

Mas isso não é um problema?

Difícil responder.

No Brasil, não temos o hábito de pagar pelo conteúdo que consumimos. Arrisco dizer que essa prática tenha se intensificado consideravelmente depois da popularização da internet e não a julgo totalmente inadequada. Tudo tem suas razões de ser.

Pra começar, nos é penoso desembolsar grana pelo que não é palpável. Além disso, o jornalismo online foi gratuito por tempo demais até querer fechar-se de forma brusca para assinaturas a preços inacessíveis. Parece que falta uma visão do todo: difícil achar alguém que, hoje, delimita suas leituras a uma marca jornalística. Queremos ler diversidades.

Já existem modelos totalmente financiados por assinaturas, como é o caso do holandês De Correspondent, que já tem mais de 40 mil assinantes. Mas, hoje, nossa leitura não é mais composta de uma só fonte, e não dá pra pagar seis ou sete assinaturas por mês.

Problema colocado, algumas novas opções já estão em prática, como as próprias assinaturas e o financiamento coletivo, mas ainda não podemos dizer que já estão bem-sucedidas e consolidadas como um modelo seguro de se começar um negócio.

A própria Pública, por exemplo, entra no crowdfunding para arrecadação das reportagens especiais (e caras), mas exibe em seu site quais são as marcas cujas fundações sustentam a operação jornalística.

No fim das contas, grande parte do jornalismo independente que já se sustenta o faz por meio da boa e velha publicidade ou iniciativa de marca, seja rodando mídia, por patrocínio de fundações ou fazendo publieditoriais, sejam eles em formato de conteúdo assinado pela marca; direcionado totalmente para os interesses da marca mas com autoria editorial (ou seja, enganando os leitores); ou até no formato do PdH, que produz artigos originais apoiados por marcas, negociando conteúdo, mas sem publicar relises ou misturar a voz da marca com o editorial.

Não arrisco ainda decretar os comprometimentos em que esses modelos implicam para a produção de conteúdo – e, com certeza, eles ainda existem –, mas sei que uma relação de mais transparência é possível.

Assim como um veículo e seus autores podem deixar claras suas narrativas e a que vieram, é também viável cultivar essa interlocução entre a publicidade e o leitor. Não vale esconder as intenções da marca e esperar que o conceito publicitário de mensagem subliminar vigore até o fim dos tempos. Não vale oferecer conteúdo pobre que só serve à marca.

Sei que essa pode ser uma tensão constante entre marca e veículo, intermediada por agências sobrecarregadas que ainda estão tentando sacar o que acontece com a produção de conteúdo e entender que raios de espaço publicitário é esse que estamos tentando vender que se recusa a abrir as pernas pro dinheiro em detrimento do conteúdo. Mas, apesar dos obstáculos, esse formato vem crescendo e sendo, inclusive, elogiado por leitores satisfeitos.

Quero acreditar, no entanto, que há outro caminho possível: mudar a relação que estabelecemos entre dinheiro e conteúdo. Se pagássemos por tudo o que consumimos nos moldes atuais de consumo e preços, não daríamos conta do cartão de crédito no fim do mês. Outras áreas da comunicação e entretenimento já se deram conta disso e estão explorando diferentes formatos, como é o caso do Spotify e do Netflix.

Não acho, então, que estejamos tão longe de um sistema parecido para conteúdo jornalístico. Uma plataforma que reúna veículos diversos pela qual você paga um valor mensal de acesso. Ela já existe em alguns lugares do mundo, como é o caso, novamente, da Holanda. Por lá surgiu o Blendle, uma plataforma que já tem 250 mil usuários, a maioria com menos de 35 anos, e jornais de peso como The Wall Street Journal e The Economist. Jovens estão pagando pelo conteúdo novamente.

O Inkl, outro app, oferece a opção gratuita do serviço para quem quiser ler só os artigos mais impactantes dos mais relevantes jornais, mas a opção completa fica só por US$15 mensais. Isso é quase o mesmo preço que estamos pagando pelo acesso mensal a um único dos nossos grandes jornais brasileiros. No Inkl, dá pra ler The Washington Post, The Guardian, Aljazeera e mais um monte.

Ainda é preciso explorar quais são as diferenças desse modelo para o entretenimento e para o jornalismo, e como isso funcionaria no Brasil, mas a inspiração de formatos já está dada. Resta acompanhar sua repercussão.

As respostas não vêm na velocidade das perguntas

Já notou?

É extremamente difícil analisar os eixos de uma mudança enquanto ela está em curso, mas é um pouco do que nós e o mercado de comunicação estamos tentando fazer: pensar em cima do que temos e especular rumos que serão tomados. Pode ser que erremos feio ou que alguns de nossos vislumbres nos levem a antecipar tendências e liderar no mercado.

Se o que o PapodeHomem faz é jornalismo ou não, bem, não sei a resposta. Se pensarmos jornalismo da perspectiva ampla para qual ele parece estar caminhando, eu diria que sim. O Guilherme, na nossa conversa, demonstrou estar absolutamente certo que sim.

Convido pra conversa a comunidade. Não temos cadeiras, mas espero que o bom software de caixa de comentários que temos mais o convite caloroso pra que você se junte à discussão bastem.

O que é jornalismo pra você e como o PdH se insere na sua rotina de leituras?

Para ler mais sobre o panorama do jornalismo hoje

Ser inteligente, hoje, é saber ser seletivamente ignorante, por Pedro Burgos

O que você acha que sabe sobre a web está errado, por Tony Haile

What is it that journalists do? It can't be reduced to just one thing, por Jonathan Stray

Journalists turn activist, por Dan Gillmor

New Business Models for News – como 10 organizações brasileiras estão ganhando dinheiro (o PdH está incluso), por Patrícia Gomes

The five Es of journalism in 2016, por Alfred Hermida

Conecte-se ao que importa: um manual para a vida digital saudável, por Pedro Burgos


publicado em 11 de Março de 2016, 16:03
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Marcela Campos

Tão encantada com as possibilidades da vida que tem um pézinho aqui e outro acolá – é professora de crianças e adolescentes, mas formada em Jornalismo pela USP. Nunca tem preguiça de bater um papo bom.


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