Panorama atual da guerra contra a AIDS

Tudo sobre AIDS e a estratégia usada pela ciência.

Edital pré-artigo: Dr Health trabalha em 6 lugares diferentes aqui no Rio, estava com idéias escassas para artigos, sem receber dúvidas que ainda não foram abrangidas nos outros artigos, e ainda viajou para fazer um curso de artroscopia de joelho em São Paulo, nesse último final de semana (passei sexta e sábado operando joelho de porco – que é igualzinho o do ser humano por dentro, um ótimo treinamento). Tempo escasso, mas o bom filho à casa torna.

Pergunta: “Olá Doutor! Eu queria saber o que os cientistas estão fazendo para resolver

o problema da Aids. Espero que fale respostas completas e espero que mande o

mais rápido possível, pois estou fazendo um trabalho da faculdade e é para

entregá-lo hoje! Por favor mande rápido a(as)resposta(as)!”

Xiii, amigão, eu estava em São Paulo sem acesso ao meu email quando a sua mensagem chegou. Mas o tema dará um belo artigo. Vamos que vamos.

Necessário se faz um breve histórico e uma rápida fisiopatologia da infecção humana pelo vírus HIV, para podermos entender como atacá-lo e por quê isto é tão difícil. Na verdade, apesar de parecer um fracasso ainda não se ter uma cura, muito já se avançou, e os cientistas fizeram um belo trabalho.

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Magic Johnson convive com a AIDS desde 1991

Transformaram uma doença letal em doença crônica. Transformaram uma sentença de morte em algo compatível com vida longa. Não é pouco.

1 – Formas de contágio

Isto todo mundo já está careca de saber, pega-se o HIV através de fluidos corporais infectados, mais precisamente o sangue, através de contato com agulhas infectadas, transfusões sanguíneas, contato do sangue com ferimentos, e suas variantes. E pelo contato sexual.

Estratégia da ciência: a prevenção. Se hoje em dia todo mundo sabe de cor e salteado o que fazer para se prevenir, leia-se agulhas descartáveis, uso de camisinha, controle sobre as doações sanguíneas, etc, isto tudo é mérito da ciência. Muita gente pegou AIDS por ignorância. Está se tornando cada vez mais raro ver um hemofílico infectado, graças ao controle sobre as transfusões.

A geração a qual pertenço cresceu ouvindo a clássica “Sexo só com camisinha”. A suspensão do aleitamento materno e o uso de quimioprofilaxia pré-parto impediu que recém-natos contraíssem o vírus.

Outra vitória da ciência foi elucidar os meios como NÃO SE TRANSMITE a doença, e esta é uma batalha contra um adversário que persiste até hoje. A estigmatização e o preconceito contra o portador do vírus.

2 – Progressão e história natural da doença

Como todos sabemos, a AIDS vai causando uma imunossupressão progressiva, e dá espaço para as chamadas infecções oportunistas atacarem um organismo sem defesa.

Estratégia da ciência: elucidando o mecanismo pelo qual o vírus se replica e destrói as células linfocitárias, chegou-se aos quimioterápicos atuais. Como o vírus se replica associando o seu RNA ao RNA celular, os quimioterápicos agem impedindo esta replicação, basicamente. Assim o vírus não se reproduz, e também deixa de matar a célula. O problema é que o RNA ainda está lá, e isto ainda não tem como resolver.

A maior vitória contra a AIDS se deu em 1996, quando foram descoberta uma associação múltipla de quimioterápicos, e os estudos comprovaram que isto aumentava a sobrevida do paciente em comparação com os coquetéis vigentes àquele tempo. Naquele momento, a AIDS deixava de ser doença fatal para se tornar doença crônica. Naquele momento, um paciente com AIDS poderia levar uma vida normal, sempre usando os medicamentos, claro.

Outra grande vitória da ciência foi descobrir e prever, de acordo com a carga viral do paciente, quando poderia ocorrer uma infecção oportunista, e assim prevení-la. Dependendo do nível de imunossupressão, o paciente é orientado a fazer uso de antibióticos profiláticos contra a pneumocistose, toxoplasmose, meningite criptocócica e outras.

Isto pode dar tempo suficiente para que o paciente recupere sua imunidade, e não precise mais de antibióticos, ou seja, a diferença entre vida e morte.

3 – Problemas atuais com os quimioterápicos

É simples, basta fazer uso correto dos coquetéis e pronto, vida normal. Quem dera.

ciencia
Lidar com pessoas não é matemático, aí começam os problemas...

- As múltiplas associações com posologias diferentes tornam os esquemas difíceis de serem seguidos rigorosamente. Imagine tomar um medicamento X de 8 em 8 horas, Y de 4 em 4 horas, e Z de 6 em 6 horas? Complicado, precisa muita disciplina.

- O vírus tem uma incrível capacidade de desenvolver resistência aos esquemas. Principalmente quando há falha no horário do medicamento. O que associado à “posologia complexa” dos coquetéis, é dinamite pura.

-  Como são medicamentos que atuam impedindo replicação celular, seus efeitos são mais sentidos em locais onde as células mais se reproduzem. Como o trato digestório. Intolerância gástrica e náuseas são freqüentes, e muitos não toleram os  esquemas.

Imaginem então vocês como um infectologista administra o tratamento. Troca um medicamento por outro por causa de resistência, troca o outro por um por causa de intolerância, esse um o paciente não consegue tomar regularmente por falta de disciplina... Corda bamba total.

Estratégia da ciência: descoberta de novas opções para o tratamento, de preferência com posologias mais confortáveis ou equivalentes (Ex : Todos os comprimidos de 8 em 8 horas), e redução dos efeitos colaterais que impedem a adesão do paciente.

4 – E a tão sonhada vacina?

No entender dos cientistas, seria a estratégia ideal. Há mais de 20 anos tenta-se descobrir a cura e não se consegue, então, se for possível controlar a transmissão, a tendência é o desaparecimento (vide a poliomielite no Brasil e a varíola no mundo).

O desenvolvimento tradicional de uma vacina anti-viral consiste no enfraquecimento ou injeção dos vírus mortos para que o sistema imune desenvolva uma resposta sem ter a doença. Isto já se comprovou impossível no caso do HIV.

Tentou-se então a inoculação de fragmentos do vírus. Esbarrou-se na biologia particular do HIV. Além deste se integrar ao material genético da célula, o que por si só cria um reservatório interno, perpetuando a infecção, o HIV é uma espécie de alvo móvel. Possui considerável biodiversidade espalhada pelo mundo, e têm grande capacidade de mudar “sua capa”, inutilizando uma eventual vacina.

Outro obstáculo são questões financeiras e éticas. Alguém aqui já parou para se perguntar por que os estudos são sempre realizados em países subdesenvolvidos? Tá certo que a taxa de transmissão é mais alta lá, provendo um campo fértil para a pesquisa, porém, há uma questão ética séria envolvida.

Seres humanos estão sendo usados praticamente como cobaias. Até pela falta de um modelo animal semelhante ao HIV (Os símios tem o SIV, mas as diferenças são significativas), é necessário o estudo em humanos, mas muitos destes estudos atropelam a ética.

Há mais de uma década, foram descobertas pessoas, especialmente um grupo de 200 prostitutas de Nairóbi, Quênia, com imunidade ao HIV. Estudos vêm sendo conduzidos há tempos, tentando encontrar uma forma de utilizar esta imunidade para “transmití-la” aos outros seres humanos menos afortunados. As últimas notícias sobre estes estudos são que tinham data para terminar em 2008. Se vão ter sucesso, não se sabe.

Enfim, enxergar a luta contra a AIDS como um fracasso, pois a ciência ainda não encontrou cura/vacina, é uma visão errônea e precipitada. Falta muito ainda, os estudos, por todas as dificuldades supracitadas, ainda serão demorados.

Porém, muito já se conquistou contra esse difícil adversário.

Dr Health, que não é veterinário, mas se algum porco por aí sofrer lesão de menisco ou de ligamento cruzado, pode deixar comigo que eu resolvo.

(OBS : Eu treinei em joelhos de porco comprados no açougue, antes que alguém da Sociedade Protetora dos Animais reclame).


publicado em 22 de Junho de 2008, 21:38
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Mauricio Garcia

Flamenguista ortodoxo, toca bateria e ama cerveja e mulher (nessa ordem). Nas horas vagas, é médico e o nosso grande Dr. Health.


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