Pais ausentes e filhos solitários

Fevereiro de 2014 é o mês em que farei três anos de retorno ao Brasil, depois de 15 anos morando no Japão. Mudei meu ritmo, meu estilo de vida, conheci pessoas novas e fodásticas.

Mas hoje eu lembrei de quando eu tinha uns 14 ou 15 anos.

Uma amiga, que é professora e dá aulas para crianças brasileiras em Hamamatsu, na província de Shizuoka postou isso no Facebook:

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Um adolescente de 13 anos chega em casa, liga o computador, esquenta sua janta no microondas e entra no Facebook para conversar com os amigos. Talvez algum da escola, qualquer vizinho ou alguém que ele conheceu online. Isso se repete todos os dias.

Quando chega o final de semana, sua mãe deve estar cansada e, quando trabalha de sábado, passa todo o domingo dormindo. Essa é a vida de muitas crianças no Japão.

O que a maioria dos adultos lá ainda não percebeu é: dinheiro não é tudo.

Muitas crianças foram para lá acompanhando o sonho dos pais: ganhar dinheiro, voltar para o Brasil e abrir seu próprio negócio. Mas, para sustentar o sonho, sacrificaram um tempo que deveriam se dedicar a outras coisas.

Quando eu tinha a mesma idade do menino solitário aqui de cima, eu conheci meu primeiro amigo de verdade. Naquela época, eu evitava fazer amizades, pois era comum as famílias mudarem por causa do trabalho e, assim que se apega de verdade, crianças se veem na difícil situação de se separar dos amigos. Mas, com essa idade, eu já pegava trem e ia para lugares longe. Conheci muitas pessoas, algumas delas ainda hoje são meus grandes amigos e é deles que eu me lembro.

"Sabe, eu sabia de tudo que vocês aprontavam naquela época, mas eu não me preocupava com minha filha saindo com vocês. Mesmo aprontando, eu sempre acreditei em vocês e sabia que cuidariam bem dela".

Quem disse isso foi a mãe de uma grande amiga minha.

Claro que nem todas histórias eram de fracasso. Vi várias famílias darem certo por lá, mas todas elas tiveram proximidade com os filhos. Às vezes, as pessoas acham estranho quando eu digo que faz alguns anos que não falo com meus pais. Perguntam se tenho raiva, mágoa ou se estou brigado com eles.

Eu apenas não passei tempo o suficiente com eles para sentir alguma intimidade, eu acho.

"Pra que você se inscreveu pro supletivo? Você nem é capaz de passar".

Quem disse isso foi o meu pai.

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Já tive amigos que passavam dias sem ver os pais. Eles saíam um dia e voltavam só na semana seguinte ou, às vezes, só faziam "turnos" diferentes. Eles se distanciavam tanto dos filhos que só percebiam que eles estava em apuros quando a policia ligava avisando que ele(a) foi preso(a). Foi o que aconteceu com muitos dos que eu conheci.

Não dá pra culpar só os pais, afinal, eles estavam trabalhando tanto justamente para dar um futuro melhor para os filhos e tudo que eles faziam é causar problemas?

Mas porque os filhos causavam problemas?

Aposto que a maioria deles nem chegaram a se perguntar. Normalmente, a resposta era sempre a mesma: más companhias.

Isso não deixa de ser verdade, mas essa resposta deveria ser "as únicas companhias".

O que não falta é criança solitária por lá.


publicado em 09 de Dezembro de 2013, 08:30
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Daniel Oshiro

Mochileiro, maloqueiro, ga-ga-ga-gago.


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