Pagar a conta: manual de conduta com amigos e mulheres

Almocei com dois amigos, pedimos pratos e bebidas de valores equivalentes e então veio a conta. Enquanto conversávamos, vi que um deles foi até o caixa e voltou com a carteira na mão. Em vez de pagar a terça parte, ele pagou exatamente o que consumiu, acho que dois reais a menos.

Para que essa cena não se repita, resolvi escrever o que tenho como estatuto implícito dos acertos de contas informais.

Em vez de regras e exceções, meu "manual de conduta" é composto por apenas sete princípios ou postulados, dos quais se derivam todas as possíveis ações dignas de respeito.

1. Oferecer nos deixa mais felizes do que receber

Generosidade é melhor do que mesquinhez. Não precisamos sequer raciocinar para entender isso. Portanto, após um jantar com uma mulher, por exemplo, para agir com essa lógica do presente, do oferecer, evite dividir pois aí ninguém oferece o jantar pra ninguém.

Se você vai a uma peça de teatro com um casal de amigos e está à frente na bilheteria, uma possibilidade é pagar para sua namorada e para o casal também, como uma forma de gentileza. Se a peça for boa, ela será como um presente seu para eles, desde que você recuse o acerto de contas, claro. O sorriso que vem desse simples processo é delicioso.

2. Rachar a conta cria uma experiência de parceria

Se você paga a conta do jantar, surge uma sutil sensação de débito que pode ser explorada sexualmente pelo casal.

Se você racha, a experiência é de parceria. Não tem nada errado, mas o mais adequado é deixar essa experiência surgir em contas maiores, como se ambos estivessem construindo uma história juntos, dividindo os custos de uma viagem para a Europa que nenhum sozinho conseguiria bancar, por exemplo.

3. Cobrar é desnecessário assim como é de bom gosto insistir em acertar o que foi oferecido

Digamos que você peça um livro caro para um amigo trazer de outro país. De acordo com uma atitude gentil, cabe a ele lhe entregar o livro sem cobrar. E cabe a você propor o acerto, pedir a conta bancária ou oferecer a grana para quitar a dívida.

Não faz sentido ele cobrar, assim como não faz sentido você não propor o acerto. Desse modo, com uma postura que se dispõe à generosidade, ambos tem a liberdade de quitar ou de operar segundo a lógica do presente:

"Que isso, cara! O livro é seu, sem drama, você me paga em putas depois, beleza?"

A exceção surge nos casos em que o devedor é um belo de um esquecido ou um pilantra, aí cabe enfrentar esse padrão e ajudá-lo a se liberar.

4. Amigos racham a conta igualmente, ignorando pequenas diferenças

Nada mais lamentável do que uma mesa de amigos fazendo contas ao fim de uma noite num bar. Na dúvida, rache. Se houver alguém ou algum casal que consumiu um absurdo a mais de bebida e comida, aí sim cabe fazer bem as contas.

5. Generosidades espontâneas são bem-vindas

Se sua amiga pede um perfume do free shop, não custa nada dar o perfume e dizer "Que isso!" quando ela vier perguntando quanto foi. Se você convidou seu amigo para um papo rápido num bar, não custa nada pagar também. Se compra um berimbau e curte o trabalho do cara, por que não pagar um pouco a mais? E assim vai...

Ainda que você seja um pé rapado sem troco algum, o presente estatuto se aplica, só muda a proporção. Dá para ser generoso com pouco, assim como dá para ser bem mesquinho com muito.

6. "Pagar a conta" pode ser vivido como um jogo amoroso.

Se o homem paga por obrigação de ser fodão ou se a mulher exige, ambos perdem a liberdade de oferecer, de brincar com esses jogos sociais todos.

Se o cara sabe que a mulher pode pagar a conta, pode dirigir, pode reservar o hotel, pode comprar passagens, mas ele prefere se antecipar apenas por prazer, não há machismo algum pois a mulher não é reduzida ou diminuída.

Esse mesmo cara não tem essa regra do "sempre", então ele é livre para abrir espaço para a autonomia, para o desejo e para a impetuosidade feminina também. Ambos não fazem dessas questões um dilema do tipo "Qual é o certo?" ou transformam tudo numa lista de exigências. Eles apenas brincam com esses referenciais e possibilidades.

7. A generosidade suprema é deixar que o outro seja generoso

Seria egoísmo querer sempre ficar na melhor posição, na mais estável e feliz, a de oferecer. Sem falar que isso custa demais e criaria um padrão, uma identidade, uma obrigação de manter alguma espécie de imagem positiva para os outros.

Estimular a generosidade do outro, ser o espaço, ativar o espírito gentil nos outros, é isso que também oferecemos. É a forma mais elevada de generosidade: não tratar as pessoas como se elas precisassem de algo nosso (material ou não), não vê-las como seres carentes de algo, mas como seres que tem muito a oferecer.

Pedir, não cobrar ou exigir, é um ato de generosidade. Fora que nos ajuda a superar o orgulho.

É de acordo com esse postulado que digo: não deixe o dinheiro ser um obstáculo. Às vezes queremos muito participar de um evento, por exemplo, e abandonamos a ideia quando vemos o preço. Conversar, oferecer algum trabalho ou até dizer "Olha, quero muito ir, mas só posso pagar isso" funciona bem mais do que imaginamos.

O estatuto é aberto... Sugestões?

A ideia é conversarmos um pouco mais, ouvirmos outras visões, experiências, e depois fecharmos um manual mesmo (em imagem ou PDF, não sei), pra você mandar para aquele amigo sem noção ou para lembrar sua mulher do quanto você é gentil e ela muitas vezes nem percebe.

Abraço!


publicado em 13 de Outubro de 2010, 14:27
Gustavo gitti julho 2015 200

Gustavo Gitti

Professor de TaKeTiNa, colunista da revista Vida Simples, autor do antigo Não2Não1 e coordenador do lugar. Interessado na transformação pelo ritmo e pelo silêncio. No Twitter, no Instagram e no Facebook. Seu site: www.gustavogitti.com


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