Pablo Escobar: o homem, o mito, o álbum de figurinhas

Daqui a uns vinte anos, quando imagino que meu filho poderá começar a me fazer perguntas difíceis sobre a origem do mundo, penso em encarnar o pai troll e dizer:

Então, filhão. O mundo é o campo de batalha entre o Deus-Sol e a Deusa-Lua. O Deus-Sol tem como filho o Thor, que, juntamente com os Vingadores, combatem as forças da Lua, comandadas pelo Batman e Harry Potter.

Talvez vinte anos seja pouco tempo. Mas o que quero fazer é chamar a atenção para esse poder que o tempo tem de nos mostrar que nada tem significado em si. Você já deve tê-lo sentido. Provavelmente ao olhar pra foto de uma ex, ao invés de algum sentimento negativo, veio à mente uma piada que alguém contou naquele dia. Ou ao topar com o antigo lugar de trabalho, ao invés de raiva do chefe, percebeu uma ligeira gratidão.

E, se ainda te parece inverossímil, vamos dar uma olhada ali na Colômbia.

Quem foi Pablo Escobar?

Diz a Wikipedia:

Pablo Emilio Escobar Gaviria (Rionegro, 1 de dezembro de 1949 – Medellín, 2 de dezembro de 1993) conquistou fama mundial como o senhor da droga colombiano, tornando-se um dos homens mais ricos do mundo graças ao tráfico de cocaína nos Estados Unidos e outros países. Membros dos governos norte-americano e colombiano, repórteres de jornais e o público em geral o consideram o mais brutal, impiedoso, ambicioso e poderoso traficante da história.

A revista Forbes, em 1989, listou Pablo Escobar como o sétimo homem mais rico do mundo, estimando que ele teria um patrimônio de cerca de 25 bilhões de dólares. (Aqui, no penúltimo parágrafo.)

Ele chegou a ter o controle de 80% do mercado mundial de cocaína seguindo o slogan do “o plata o plumo” --  "ou dinheiro, ou chumbo". Apesar disso, cultivava um ar carismático e uma imagem de Robin Hood. Existem relatos de que era protegido e admirado pela população local.

YouTube | Não me parece o melhor documentário em conteúdo, mas é o que tem melhor qualidade de som e imagem

Era de se esperar que, com o tempo, solidificar-se-ia a imagem do bandido, uma vez que Escobar foi preso, depois fugiu, para finalmente ser morto por atiradores de elite. Ainda mais se eu te disser que, recentemente, os filhos daqueles que foram mortos por Escobar lançaram uma série de TV sobre a vida dele.

YouTube | ¿Y usted qué cree?

Pois então, melhor repensar se aquele exemplo do começo do texto é mesmo exagerado.

O álbum de figurinhas do Pablo Escobar

Foi notícia há algumas semanas que o álbum de figurinhas do Pablo Escobar é um grande sucesso entre as crianças dos bairros mais pobres de Medellín, capital da Colômbia. Quase vinte anos depois da morte dele.

Segundo a notícia, o álbum é bem simples e barato, além de prometer prêmios para quem o completar. Entidades de direitos humanos reclamam da novelização da vida do traficante e do efeito que isso pode ter nas crianças.

Quijano, diretor da Corporação para a Paz e o Desenvolvimento Social, argumentou que as crianças que compram o álbum e as figurinhas devem perguntar quem era Escobar e...

"(...) seus amigos dirão: 'era um homem muito importante, muito rico, um homem que ajudava aos pobres, que enfrentou o Estado e tinha muito dinheiro, muito poder'. Em seguida, a criança poderá dizer: 'porquê não imitar essa pessoa?'"

Ocorre que Escobar já virou mito, e o importante a se ter em mente quando se trata de mitos é que a veracidade da sua narrativa não é importante. O que é importante é o que as pessoas querem, por meio do mito, que seja verdade.

"A missão dos mitos é transmitir pela imaginação as experiências humanas fundamentais: a criação, a vida e a morte. Na medida em que esteja vivo, o mito é um reatualizador do acontecimento original ao qual se refere e assim será sentido pelo indivíduo e pela coletividade."

(ELIADE, Mircea. Imagens e símbolos: ensaio sobre o simbolismo mágico-religioso. São Paulo: Martins Fontes, 1991.)

O homem que deveria ser símbolo de morte, dor e miséria tem celebração digna de heróis pela meninada colombiana. Isso porque, pela perspectiva do mito, pouco importa quem foi Pablo Escobar, mas a ânsia pela existência do Pablo Escobar “Robin Hood”, a vontade de contar a história de alguém que saiu de onde eles saíram, de alguém que os redime.

Antes de protestar sobre o absurdo que é termos crianças celebrando um traficante, imagine a cena: uma criança colombiana faz perguntas difíceis aos pais sobre a situação econômica do país, sobre a distribuição de renda e sobre escândalos de corrupção. Como você confere sentido à narrativa? Com o papai noel?


publicado em 24 de Agosto de 2012, 05:42
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Tiago Xavier

Tiago Xavier é atleticano e bacharel em direito. Nessa ordem. Twitta pelo @tcxavier.


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