Os vikings nos ensinam como perpetuar nossas tradições

Povos do extremo norte da Europa realizam o mesmo festival, anualmente, desde 1880

Um dia a gente escreveu sobre os samurais. E as pessoas adoraram.

Outro dia a gente escreveu sobre os ninjas. E as pessoas ficaram igualmente admiradas.

Hoje chegou a hora de falar sobre os vikings. E se perguntar por que culturas diferentes da nossa nos causam esse estranhamento curioso.

O festival do fogo

Desde 1880, em toda última terça-feira do mês de janeiro, milhares de pessoas se reúnem nas Ilhas Shetland, território escocês ao norte da Grã-Bretanha, para celebrar o festival conhecido(?) por Up Helly Aa.

Celebrado nessa data como forma de marcar o fim do período Yale (uma espécie de natal para os vikings), as celebrações anuais só não aconteceram na ocasião da morte da rainha Victoria em 1901 e durante a 1ª e a 2ª Guerra Mundial.

O festival, a exemplo do Carnaval no Brasil, envolve meses de trabalho de milhares de pessoas responsáveis por produzir as fantasias e organizar a celebração. Mas ao contrário da festa brasileira, o Up Helly Aa não se transformou numa indústria e seguiu sendo uma tradição local cooperativa usada para transmitir a cultura viking através das gerações.

O evento propriamente dito começa com um desfile público. Nele, o comandante chamado de 'Guizer Jarl' veste seu capacete com asas e empunha um machado e um escudo enquanto lidera um 'exército' de 800 homens com tochas na mão pelas ruas da cidade. Eles caminham numa longa procissão até chegarem ao centro e atearem fogo num barco simbolicamente construído pra isso.

A partir daí, uma série de festas paralelas são iniciadas por todos os cantos e os participantes invadem a madrugada sempre com direito a muita bebida pra esquentar o corpo nas baixíssima temperaturas da região. Se no outro dia bater a ressaca, não tem problema. A tradição se tornou tão importante que virou motivo de feriado. Depois de acordar (ou perder a hora de dormir), quem ainda tiver pique pode se preparar para uma segunda noite de dança que é chamada de 'Guizer's hop'. E a partir daí, sim, começam os preparativos para repetir tudo de novo no ano seguinte, como é feito desde o início.

A preparação começa sempre meses antes, mas no grande dia, a cidade vai ganhando uma atmosfera diferente. As fantasias começam a tomar conta das ruas e os bares são ocupados por verdadeiros vikings.
As fantasias geralmente são compostas por pelo menos um capacete, um machado e um escudo característico. Mas nem todos se vestem igual. Existe uma grande variedade de 'batalhões' que participam e cada um deles escolhe um tema da cultura viking para se vestir de acordo.
Muitos grupos também usam maquiagem para fazer desenhos no rosto representando símbolos de sua cultura sempre ligados ao tema escolhido pelo grupo do qual fazem parte.
Homens de todas as idades podem fazer parte do festival e as crianças são incentivadas a participar desde cedo para que a tradição seja transmitida, mas é claro que elas não carregam tochas.
Os grupos, equipes ou batalhões se formam geralmente por proximidade. São vizinhos, amigos ou familiares que resolvem se unir e partem em caminhada pelas ruas da cidade sempre na última terça-feira do mês de janeiro, todos os anos, faça chuva ou faça sol.
Eles entoam canções tradicionais o tempo todo. E todos parecem cantar com vigor. Talvez pela empolgação, talvez para espantar o frio ou talvez por efeito do álcool. Mas sempre com vigor.
Semelhante aos desfiles de carnaval mesmo, além das fantasias também são usados instrumentos. Mas no caso dos Vikings sempre trata-se de cornetas ou outros instrumentos de sopros que simulem os que usavam em seus barcos durante as navegações.
Todos os anos, uma equipe e um tema são escolhidos como os principais. São eles que protegerão o grande líder da cerimônia e darão o tom do barco que será queimado lá no final.
O líder sempre veste uma roupa diferente da dos demais e utiliza esse capacete especial. Ele representa, todos os anos, um personagem diferente das lendas vikings e guia toda a cerimônia. 
O Guizer Jarl é protegido por seu exército particular de guizers que ganha status de mais importante dentre as frotas da cerimônia daquele ano.
Todos os anos, e cada vez mais, a festa paralisa a cidade e mobiliza milhares de pessoas. Estima-se que nesse ano tenham sido cerca de 8 mil integrantes fantasiados.
Aos poucos, mais e mais incendiários vão chegando ao centro da cidade e se posicionando ao redor do barco. Já pela noite, eles começam uma grande concentração.
Quando todos os incendiários finalmente chegam à praça central, todos eles começam a girar em torno do barco.
Além de girar, eles também cantam todos juntos a mais famosa canção de Up Helly Aa. Quando essa canção chegar ao fim, será hora também de dar fim ao barco.
Na noite já bem escura do inverno europeu numa ilha sub-ártica, o efeito das tochas em movimento fica bem bonito.
Ao fim da música, todos arremessam suas tochas em direção ao barco para fazê-lo queimar.
O barco, portanto, começa a ser destruído enquanto milhares de pessoas assistem e gravam esse momento muito marcante na cerimônia.
Como parte de um verdadeiro espetáculo, os escoceses soltam fogos e fazem uma grande festa em torno da grande fogueira.
Pouco a pouco, o barco flamejante começa a desaparecer e os 'vikings' cantam uma última música (The Norseman's Home) antes de começar os demais procedimentos do festival.

As fotos foram retiradas dos jornais Dailymail e  The Guardian.


publicado em 02 de Fevereiro de 2017, 03:09
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Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a Jornalismo Júnior, organizou campeonatos da ECAtlética e presidiu o JUCA. Siga ele no Facebook e comente Brenão.


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