É de se deixar claro: Eu não sou pai, o que imediatamente por não ter um lugar de fala de responsável por alguém me tira um pouco o crédito, mas é questão de expurgar, explicitar e vomitar palavras, em que todos os casos da minha escrita é.
Segundo: Muitas das coisas ainda, por mais que eu pense por diversos os lados, ainda são vindas de dúvidas, tanto por não ter o lugar de fala, como em relação a símbolos, cultura, família, paternidade, maternidade, patriarcado, enfim…
Eu, que sou filho, logicamente, nascido de alguém, do ato de sexual entre duas pessoas, há muito tempo, desde minha adolescência pra ser mais preciso, eu penso muito sobre o ato de ser responsável por um filho. Um pai, uma mãe, um tutor.
A questão de família está em voga nesses últimos tempos , em como ela se estrutura, qual a definição de família, o que é uma família. Dois homens e uma filha, pode? E duas mulheres? Entre um milhão de variáveis que há diante desse quesito relacional do ser humano.
Mas venho mais falar sobre um detalhe grandioso que não parece muito ser notado ou, então, que foi naturalizado. Sabe, aquele filtro que deixa as coisas enraizadas passarem um pouco? Esse mesmo.
Sou escritor, faço uma graduação capenga e insuportável em psicologia e sou fotógrafo. Nessa vertente minha da fotografia, quando comecei a ter mais intimidade com a câmera, o que me inspirava era o nu. Olhe bem, não o sensual, o nu. O corpo. E com isso em mente, animado com a ideia de levar isso a algum lugar interessante, eu, com todo o respeito e profissionalismo de um iniciante e amador, pedi a algumas poucas amigas minhas para que eu fizesse um ensaio, individual, e que esse ensaio seria delas, que elas decidiriam o que queriam fazer com eles. Eu tinha a vontade de divulgar por saber que seria algo extremamente positivo – principalmente nesses tempos do corpo, do empoderamento etc. – mas que era extremamente compreensível se alguma não quisesse e que eu estava fazendo aquilo tanto para me aprimorar na fotografia quanto para ter uma vivência com a pessoa, que proporcionasse algo bonito, experimental, forte. E houve mesmo. Mas então, vieram os espinhos das flores.
Em uma situação em si, que eu tive que sentar junto com os pais da guria pra falar sobre o ensaio dela, e eles extremamente nervosos e desorientados em “como minha menina fez isso?”, mal escutaram o que a ela tinha a dizer e muito menos eu, que tive que ouvir coisas impressionantes vinda da boca de ambos, pai e mãe da mesma. E é sobre isso que tudo culmina, no alvará que a cultura dá aos pais, tanto sobre o amor quanto sobre a crueldade em alguns quesitos. E eu vou focar só nas palavras, que são essas que costumam me pesar tanto quanto qualquer tipo de agressão.
Nessa situação que vi, vivi e ouvi, em meia hora, tipos de insulto e julgamentos fundidos a falta de uma pequena compreensão foram de me deixar mal por semanas. E eles nem eram direto pra mim. Eram para a filha deles.
Isso que mais me fodeu.
Tenho total visão do que a situação representa, levando em conta o status quo da sociedade de hoje, uma filha, de 19 ou 20 anos, depender da grana dos pais, posar para um ensaio nu/seminu. É um ato e tanto. Eu sabia o que poderia vir com isso, mas não quis me castrar com tal possibilidade. De qualquer forma, as palavras e como elas foram ditas, isso sim me chocou de forma impactante.
Frases do tipo: “Imagina quantos caras já não bateram punheta pra essas fotos?”, “Eu sempre quis ser mãe, mas depois que eu vi essas fotos, eu não sei pra quê eu fui ser mãe”, “Isso, pra mim, é anúncio de acompanhante de luxo”.
Você pode dizer que cada situação é uma situação e a contada agora é de se compreender, enfim, e eu até aceito em pequeníssimas partes esse argumento, mas o problema do problema é que, não são só em situações “desafiadoras” que esse tipo de fala acontece.
Diversas vezes ouvi relatos de pessoas sobre como os pais falavam com elas nas mais variantes situações e eu ficava chocado todas as vezes – além de me deixar puto – e, claro, eu vivi em uma família de pai, mãe e irmão, e lembro de ter ouvido coisas que são, literalmente, traumatizantes, ainda mais dependendo da idade. Mesmo hoje, no meio que vivo, é desesperador.
Pensar na relação de família, de pais e filhos, até em um sentido mais amplo, é extremamente complicado. Há uma instituição de micro poder e hierarquia vigente nesse quesito, em que costumeiramente vai afrouxando as rédeas quanto mais o filho vai crescendo, teoricamente. Mas pense só na responsabilidade da mãe, em uma cultura que pressiona a mulher ao papel materno, em que ela tem de ter filho e amar esse filho. É imposto pela cultura que a mãe "precisa" amar o filho e não necessariamente isso acontece de forma natural. Há diversos relatos sobre isso na Internet e até mesmo um episódio do podcast Mamilos que fala muito sobre a maternidade e toca nesse ponto, além de diversas milhões de variáveis que há em relação a mulher-mulher, mulher-mãe, mulher-esposa.
O pai é pressionado culturalmente a ser aquele que provê, de ser um pilar forte que aguenta tudo que vem de fora e dentro.
Mas se for pensar, antes de todos esses símbolos, primariamente o que existe é uma relação humana, e é visível que o ser humano tem um problema grandiloquente em qualquer tipo de relação. Sério. O ser humano, pra se relacionar, é uma desgraça que só.
O que me incomoda diante dessa observação dos pais, é algum tipo de ligação que inconscientemente há entre a pressão, a posse e a descarga.
Diante dessa pressão imposta e naturalizada dos que vem a ser pais, há de ter um tanto de angústia compactada em algum lugar. O sentimento de posse. E a descarga é que, com todo esse peso existencial, de alguma forma tem que sair esse emaranhado de coisas.
A fala é algo quase mágico ao meu ver, em como ela pode chegar com diversas vestimentas diferentes em uma mesma frase, levando em conta o tom, as palavras escolhidas, o momento, o sentimento, ou seja, ela pode ser uma arma ou uma compreensão ou um conforto ou, em alguns casos raros, até uma escuta.
Devido a esse próprio amor que os pais sentem primariamente, como algo instintivo mesmo ou mesmo o amor que tem de aprender a ter em relação ao filho, acaba dando um tipo de alvará para que tato com aquele que é meu filho ou filha a não seja tão delicado.
Houveram situações que quando uso a palavra “cruel” não é algum tipo de hipérbole, é de crueldade mesmo, de sequer pensar em qualquer consequência que aquelas palavras ditas pudessem ter.
É bom frisar que em nenhum momento digo que tem de deixar os filhos para o mundo logo quando nascem ou que tem que bajular a ponto de mimar, para que então só vivam moleques e gurias de apartamento no mundo. Nossa, não, pelo amor de deus, não.
É só um ponto que pode gerar sentimentos tão ruins, ruins de verdade. Os pais têm, se dentro das condições, que sim, reter alguns desejos, instruir, cuidar, ter diálogo, dar bronca e tudo aquilo que a utopia da família nos diz, mas me desorienta muito onde um amor tão grande te dá regalias em relação a como tratar outro ser humano.
Há algo errado aí, mano.
Obs.: este artigo foi originalmente publicado no Medium do autor.
publicado em 24 de Janeiro de 2018, 00:00