Sejamos honestos: a gente não consegue ser honesto todo o tempo. A mentira faz parte do ciclo de vida do ser humano – a gente nasce, cresce, mente durante o crescimento para poder ir às baladas, mente para tentar se reproduzir, se reproduz, mente sobre o estado de saúde para o médico e morre.
Não é exagero, leitor. E se você disser que estou panfletando o apocalipse e quero transformar a sinceridade em uma de suas bestas estará mentindo para si mesmo. A verdade é que exigimos honestidade e não imaginamos que:
1) não conseguimos lidar com ela, e
2) não conseguimos sustentá-la todo o tempo.
Imagine se pudéssemos ser realmente sinceros quando a mulher pergunta:
— Benhê, este vestido me deixa gorda?
— O vestido não, mas o que você come…
Em uma relação a dois, a sinceridade deve ser aplicada tal qual um remédio – em excesso, pode matar. Por exemplo, é muito provável que a sua mulher já tenha tido noites mais quentes com outros homens, o que não significa que você queira ouvir este fato. E nem que ela finge orgasmos com frequência. E por aí vai.
Ouvir verdades é ver seu próprio ego sendo rasgado. E sal sendo jogado nas feridas.
Por isso contamos com as pequenas falsidades do cotidiano, mecanismos fundamentais para a manutenção da ordem e do convívio social. Diga ao seu chefe que a ideia dele de cortar funcionários para reduzir custos é idiota e vai entender o que quero dizer.
A medida da mentira
Oscar Wilde mandou avisar:
“Um pouco de sinceridade pode ser bem perigoso, muita sinceridade é absolutamente fatal.”
Pois eu conheci um cara que chegou bem perto do precipício criado pela honestidade.

Jürgen Schmieder, jornalista esportivo alemão, ficou 40 dias vivendo a base de sinceridade. No fim da saga, colocou tudo no papel e fez o livro Sincero. Nele, Schmieder narra como sua mulher ficou brava quando ele se negou a sonegar o imposto de renda – e, assim, perdeu 2 mil dólares de restituição – e o soco que tomou do melhor amigo quando contou à namorada do cara que ele a traía.
“As pessoas estão acostumadas a pequenas mentiras”, comentou Schmieder quando conversei com ele. “Dizemos ‘bom dia’ a quem não gostamos, por exemplo. Não é possível ser 100% sincero hoje em dia porque mentir toma grande parte do nosso convívio social.”
Ele notou que faltamos com a sinceridade 200 vezes por dia. Descontando oito horas de sono, mentimos uma vez a cada 4m47s. São pequenas inverdades – como elogiar um trabalho medíocre de um colega – e grandes mentiras – como dizer à mulher que “Imagina, amor, ela é só uma amiga do tempo de faculdade”.
A única verdade é que continuaremos a mentir. E, demagogos que somos, continuaremos a exigir honestidade do mundo.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.