Recente e obscuro estudo diz que a vida dos homens, agora, começa aos 54. Pois somente nessa idade se sentem bem resolvidos e seguros o suficiente. Ao que parece, antes começava aos 40.
Jornais de todo o mundo replicam a notícia. Artigo apócrifo n'O Globo tem 21 mil compartilhamentos.
Segundo a pesquisa, feita com 1000 britânicos, os dez maiores medos masculinos são:
As notícias se completam com menções a cinquentões famosos. Simon Callwell, Hugh Laurie e Kevin Spacey.
Ao final da matéria, aspas impactantes do fundador do Centro Crown Clinic (financiador do estudo), Asim Shahmalak:
"Estamos vivendo muito mais e, com os custos de vida aumentando e a paternidade sendo adiada, homens inevitavelmente levam mais tempo para se sentirem resolvidos."
Fim.
* * *
Vamos colocar lentes mais atentas.
O "Centro Crown Clinic" é uma clínica de implante capilar britânica. A pesquisa, cujo objetivo é divulgar a clínica, nos diz que o segundo maior medo dos homens é ficar careca. E que, segundo os próprios, "a vida começa aos 54". Também calha de ser a idade na qual possuem a grana necessária para contratar os serviços anti-carequice do Dr. Shahmalak.
O método da pesquisa não foi divulgado – chequei direto no site da Crown e nada. Pra todos efeitos, pode ter sido conduzida com pacientes, ex-pacientes ou potenciais clientes da clínica.
Por fim, observem a fala exagerada do Dr. Shahmalak:
"Estamos vivendo muito mais e, com os custos de vida aumentando e a paternidade sendo adiada, homens inevitavelmente levam mais tempo para se sentirem resolvidos."
Inevitavelmente, mesmo? Seguindo esse raciocínio a maturidade estaria, por premissa, dependente da estabilidade financeira e construção familiar. Ou seja, sem dinheiro acumulado e sem filhos, estou perdido.
E assim nasce mais uma notícia imparcial. Imparcial significando que O Globo não adicionou vieses além dos já contidos, de saída, pelo envolvimento da Crown Clinic e pela abordagem pop do The Daily Mail.
Rebobinando, temos então:
- um estudo de método desconhecido, com fins de negócio
- Dr. usa advérbios exagerados para comprovar a validade do estudo feito por sua clínica
- jornalistas britânicos dão toque pop à pauta, citando celebridades supostamente bem resolvidas para dar audiência (e desviar atenção do que realmente importa)
- jornalista d'O Globo replica matéria e abordagem, sem linkar fontes
Acharia lindo ver mais conversas sobre a triste e real adolescentização prolongada dos homens. Seria melhor ainda termos como fagulha dessas conversas notícias sem abordagem pop; e nas quais as metodologias e conflitos de interesse dos estudos usados fossem claramente expostos.
Jornalismo preguiçoso e que apela a nossa ignorância, a gente vê por aí.
Cinquentões ainda apavorados pela careca e queixo duplo, também.
Mais:
→ Sexo, dinheiro, força e poder: as prisões masculinas
publicado em 08 de Novembro de 2013, 08:40