Os cortes tradicionais de um autêntico churrasco

Pois então meu bruxo, já sabes salgar, mas que carne comprar para fazer o assado nosso de cada final de semana?

Vamos iniciar pela carne do boi, que vem a ser o animal que mais cortes apresenta. Pelo seu tamanho e porte, variedade de localização e de texturas, os ruminantes são como uma estância com várias culturas e produções.

Alguém já afirmou que não existe carne de primeira ou de segunda, existem preparos próprios para cada corte. Tente assar um lagarto (tatu) no espeto, só vai servir para porrete, já na pressão com um bom molho ferrugem é dos deuses, assim como fazer churrasco com filé é exagero, uma boa frigideira resolve e os sucos não vão para as brasas.

Além da bovina carne o churrasco gaúcho é preparado com carne ovina, essas duas espécies aclimatadas, que pastam sossegados em nossas imensidões verdes.

A pecuária sempre foi um dos principais esteios do desenvolvimento da região do Grande Pampa. Com o passar dos anos os estancieiros foram aprimorando seus rebanhos, pela importação de raças e reprodutores importados para suas cabanhas. O gado de origem inglesa como o Hereford, o Aberdeen Angus, o Charolês, o Devon, entre outras raças de gado próprio para produção de carne "especial de primeira", apresentam o famoso marmoreio da graxa entremeada nas carnes.

Quem já teve o desfrute de experimentar um churrasco de costela de novilho de Angus, assado em fogo de chão com vagar e picardia, sabe o que é um Churrasco com C maiúsculo!

O gado geral de corte nem sempre é puro de pedigree mas é o resultado de cruzas que vão fornecer carne macia, saborosa e gorda. Gorda sim! Para se assar churrasco tem de ser com carne gorda, pois quem come churrasco não faz regime e, para fazer carne moída ou carne de panela, a carne das raças zebuínas é perfeitamente adequada.

Os ovinos ainda são criados para se vender a lã e a carne é para “as casas”, expressão gaúcha que designa a peonada e suas famílias. Algumas raças são desenvolvidas para carne, como a Sufolk (cara negra) e a Ille de France, excelentes exemplares de animais apropriados para a prática do assado.

Abrindo os arquivos

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Ilustração do autor

Dos cortes do boi, o mais tradicional é a costela, que dividimos em três partes, próximo ao do lombo estão as aparas, saborosas mas não tão macias, a janela o quadrilátero central que é o corte mais procurado, a parte inferior é conhecida como minga, muito macia, mas com menos aproveitamento.

Abaixo das costelas temos o vazio, carne muito macia por ser bastante irrigada e ser um músculo que não faz esforço. A ponta é bem gorda, lembrando a picanha, mas parte inferior é magra. Um corte para contentar todo mundo.

No lombo temos o entrecot (bisteca), carne muito saborosa e o contra filé tem de ser assado com cuidado para não ficar duro. No traseiro temos a picanha e a maminha, próprias para as brasas.

Os outros cortes não ficam muito bem no espeto ou na grelha, são magros e gostam da panela. Deixando claro que gosto não se discute (se lamenta...), já comi filé mignon seco esturricado – e o assador e convivas achando uma maravilha. Mas um bifão alto com a carne do lombo numa grelha fica bom demais.

O cordeiro e a ovelha (carneiro é o reprodutor, não se come!) são encontrados nos açougues divididos em três partes: paleta, quarto e costela com o espinhaço. A carne de ovelha requer tempo no fogo, para assar bem, e por aqui o costume é de comer bem passada, mas vale experimentar uma paleta com a carne rosada.

Todavia aos poucos carne de ovino está agregando valor com cortes e apresentação diferenciados. Do porco vale a costelinha e lombo, além da linguiça, que servem como abre alas do churras.

Na categoria nada a ver estão as penosas. Além de feias, difíceis de espetar, tem de temperar antes para dar algum gosto, pois estas anabolizadas de aviário tem gosto de saquinho de super!

Não sei se me repito, todavia estamos falando de churrasco o mais autêntico possível, assado com cortes tradicionais só com sal grosso. Sabedor sou que tudo pode ir às brasas, alho porro com shoyu, pãozinho temperado, queijo coalho e até abacaxi com canela, não significando, contudo, que churrasco seja.

Desfragmentando

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Costela com fogo de chão | Foto do autor

COSTELA – É a carne do tradicional churrasco gaúcho. Aqui, no sul do sul, dividimos a costela em três partes:

1. Apara do lombo, que fica junto do entrecot e contra filé, menos gordas e mais carnudas tem seus adeptos mas não é tão macia como a parte central, Prefiro assada na panela de ferro com um bom molho acebolado e batatas.
2. A janela é a parte central e nobre da costela, um retângulo com os ossos parelhos, bom de espetar. Pode-se fazer inteira em fogo de chão ou churrasqueira grande, carece de 4 a 6 horas de fogo! O padrão para espetos são cortes perpendiculares ao osso com 4 a 6 cm de largura.
3. A parte inferior é a minga mais fina e muitas cartilagens, e é bem entremeada de gorduras e carnes.

A costela é o corte com maior variedade de sabores, texturas e aromas. Exige um tempo de cozimento mais longo, para amaciar suas fibras. As carnes preparadas com osso tem sempre um sabor muito especial e quem conhece um bom assado de costela sabe que não tem nada melhor.

O assado de tira é bastante apreciado na Argentina e Uruguai, faz sucesso aqui no pampa gaudério, sendo a costela do novilho precoce cortada em tiras de aproximadamente 2 a 3 cm de largura. Assada na “parrilla”, a grelha inclinada de los hermanos fica pronta ligeirinho.

ENTRECOT – Também conhecido como filé de costela ou de bife ancho. É a chuleta sem osso, ou também bisteca.

É uma carne muito saborosa, suculenta e macia. Tem fibras mais curtas e rijas, sendo ideal para a grelha, inteiro ou em bifões. Fica bom demais, cortada em pedaços com cerca de dois dedos de espessura e temperada apenas com sal fino. Para saber o momento exato de virar a carne na grelha, espere até que o suco da carne brote na superfície. Ai é só virar e terminar de assar. Mal passado ou ao ponto senão endurece.

CONTRAFILÉ – Também conhecido como filé curto ou lombo desossado. Macio, tem sabor acentuado e suculento. Deve ser servido mal passado, no máximo, ao ponto, em bifes grossos ou então fatiado e servido picado.

É o bife de chorizo popular na Argentina. É preparado na grelha em braseiro forte, cortado em bifes grossos e polvilhado com sal fino ou médio.

PICANHA – Corte mais famoso e badalado, não é tradicional no Rio Grande do Sul, mas em várias paragens virou sinônimo de churrasco. Todos já estamos ligados que a picanha pesa entre 1 e 1,2kg, portanto picanhas maiores vem com o coxão duro de contra peso.

Para assar a picanha em um espeto, corte em medalhões estilo rodizio, com cerca de três a quatro dedos, é como a turma da casquinha gosta. Para preparar picanha na grelha, deve ser inteira, cuidando para não furar com o garfo, pois se ficar sem suco é incomível. Pode-se cortar no sentido do comprimento para fazer os bifes de tira.

CORTE AMERICANO – É o quarto do boi cortado na transversal, no formato de um garnde bife com um ossinho no centro, tipo de desenho animado. Ali estão a maminha, o coxão mole e a alcatra. Deve ser assado na grelha com fogo bem forte.

MAMINHA – Também conhecida como a ponta da alcatra ou colita del cuadril. É uma carne saborosa e suculenta. Grelha ou espeto, para que seja fatiada aos poucos em fatias finas. Deve ser servida entre mal passada até ao ponto, pois se ficar muito passada o sabor pode se alterar.

FRALDINHA – Confundida com o vazio. É um bifão que fica junto à costela, difícil de achar, magra porém muito saborosa e macia. Boa para carreteiro e estrogonofe.

VAZIO – É a ponta sem osso da costela. Gosto de vazios grandes e com gordura, o que indica que ela provém de um animal de boa qualidade. Sal grosso e asse na churrasqueira em altura média. É muito saborosa, sendo considerada uma das melhores carnes para churrasco, devendo ser cortada em pedaços grossos.

Alguém vai perguntar... e o cupim? Este conjunto de fibras musculares, entremeadas de gordura, situadas logo atrás do pescoço de bovinos de raça ou cruza zebuína. Como aqui no pampa não existe animais destas raças, o cupim só é achado em churrascarias de rodízio – que, diga-se de passagem, é uma invenção de italianos, não de gaúchos.

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Ilustração do autor

Formatando

A compra das carnes para o churrasco deve ser feita em açougue onde o açougueiro é conhecido e confiável, pois infelizmente é muito comum o dito cujo perceber a inexperiência ou dúvidas do comprador, para vender gato por lebre. Não se envergonhe de pedir carne que não está ali no balcão, sempre tem mais cortes lá dentro. E não se esqueça: você é que está pagando.

Fica a questão do espeto x grelha, mas não é caso para definições definitivas, apenas uma questão de costume, de se ajeitar melhor com esta ou aquela maneira de botar a carne nas brasas. Alguns cortes, os maiores, ficam desajeitados na grelha e não permitem que se vire para assar de todos os lados, ai o espeto é mais adequado. A grelha é prática e se adapta a cortes de menor tamanho e menos espessura.

A churrasqueira, seu tamanho de boca profundidade e “puxe” também interferem na escolha de espeto ou grelha, mas isso é assunto para outras trovas.

Buenas e me espalho, nos pequenos dou de plancha e nos grades dou de talho.


publicado em 08 de Fevereiro de 2010, 07:39
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Luiz Minduim

Luiz Minduim é artista gráfico, professor, cozinheiro, assador bagual e balaqueiro dos bons! Mora em Pelotas, região do grande Pampa há mais de 30 anos, gaúcho por opção e coração.


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