Onde encontramos o segredo da criatividade? E tantos outros

Isolar-se resolveria nossos problemas?

Um ano inteirinho novo está começando e você, assim como eu, provavelmente está desejando que uma série de coisas novas e boas aconteçam agora.

Já aprendemos, porém, que a mudança das páginas no calendário quase nunca trás as mudanças que gostaríamos e que é preciso fazê-las acontecer para que elas, me entendam, aconteçam de fato.

Por isso, hoje, traduzimos esse artigo do Jory MacKay originalmente publicado em inglês no blog da Crew sobre onde e como podemos encontrar nossa criatividade. Mas esse é só uma metáfora para que, juntos, pensemos em formas melhores de encontrar as respostas que procuramos para realizar as mudanças que pretendemos.

Aproveito para desejar um ano esplendido para todos. Se o seu ano for bom, e o dele, e o dele, e o dele também, a chance do ano de todos ser ainda melhor aumenta consideravelmente.

A tradução é de Julia Barreto.

Será a solidão o segredo para desbloquear nossa criatividade?

Charles Dickens não tinha só uma grande mente, ele tinha também grandes panturrilhas.

Em qualquer dia do ano, Dickens somava, em média, 20 quilômetros andando pelo exuberante interior de Kent ou pelas ruas agitadas da Londres vitoriana.

Numa noite particularmente deprimente, em outubro de 1857, Dickens saiu para escapar de seu casamento cada vez mais desarmonioso, andando de sua casa em Londres central para sua casa no Kent – uma viagem de 50 quilômetros que eventualmente seria repetida (ao contrário) por seu personagem Pip em Grandes Expectativas. Na verdade, muitos momentos das caminhadas solitárias de Dickens mais tarde acabaram como o cenário de seu trabalho.

“Há detalhes nas descrições de Dickens – uma janela, ou um corrimão, ou o buraco da chave numa porta – que ele reforça com uma vida demoníaca. As coisas parecem mais atuais do que realmente são”, explica o crítico G.K Chesterton em Charles Dickens: Um Estudo Crítico.

“Realmente, esse nível de realismo não existe na realidade: é o realismo impossível de um sonho. É esse tipo de realismo só pode ser obtido ao andar sonhadoramente por um lugar; não pode ser obtido andando de maneira observadora.”

Como as caminhadas de Dickens, estudos e anedotas parecidos descrevem as vantagens criativas de passar tempo sozinho e dentro da sua própria cabeça: trabalho solitário, estar na natureza, sonhar acordado.

Mas o que é que acontece quando permitimos nossas mentes mergulhar fundo no subconsciente? E como isso nos ajuda a quebrar nossos bloqueios criativos?

Estar sozinho é a chave para a criatividade?

O que nos torna “criativos”?

Para entender como a criatividade funciona, precisamos primeiro entender como pessoas criativas funcionam.

Lá nos anos 1960, o psicólogo e pesquisador pioneiro de criatividade Frank X Barron reuniu um grupo dos mais importantes criadores do período, incluindo os escritores Truman Capote, William Carlos Williams e Frank O’Connor, assim como arquitetos, cientistas, empreendedores e matemáticos para ver se conseguiria determinar uma característica em comum em todos os indivíduos criativos, não importando sua especialidade.

O que Barron descobriu é que todos os pensadores mais criativos exibiam certos traços em comum: uma abertura para a “vida interior”, uma preferência pela ambiguidade e complexidade, uma alta tolerância incomum para a desordem e bagunça (e para vodka com suco de laranja se estamos falando sobre Capote); e a habilidade de extrair ordem do caos.

Descrevendo o amontoado de características que observou, Barron declarou que o gênio criativo era: “ao mesmo tempo mais primitivo e mais culto, mais destrutivo e mais construtivo, ocasionalmente mais maluco e ainda sim firmemente mais são do que uma pessoa comum”.

Oitenta anos depois, o principal pesquisador sobre criatividade e o pai da “fluidez” Mihaly Csikszentmihalyi iriam resumir o indivíduo criativo de uma maneira semelhante:

Se eu tivesse que expressar em uma palavra o que torna a personalidade deles diferente da dos outros, seria complexidade. Eles mostram tendências de pensamento e ação que são separadas na maioria das pessoas. Eles contêm extremos contraditórios, ao invés de serem um “indivíduo”, cada um deles é uma multidão.

Enquanto os estudos de Barron foram alguns dos primeiros a mostrar a evidente complexidade do pensamento criativo do ponto de vista comportamental, hoje é quase um fato que não existe uma característica-chave que define a criatividade.

Dentro de sua mente criativa

Anos depois dos estudos de Barron, a tecnologia e a pesquisa iriam sustentar suas observações.

Longe do mito do “cérebro direito/cérebro esquerdo”, hoje em dia a maioria dos neurocientistas concordam que a ativação do nosso “modo criativo” envolve processos cognitivos diferentes interagindo (tanto consciente quanto inconsciente) assim como nossas emoções.

Na verdade, enquanto não sabemos exatamente como a criatividade e o cérebro trabalham juntos, sabemos que toda vez que somos designados a um problema criativo, partes por todo o cérebro são ativadas.

Sendo mais específico, há três “redes” principais das funções do cérebro que são usadas para tarefas criativas:

1. A Rede Neural de Atenção Executiva é ativada quando precisamos de um feixe de foco, como quando estamos tentando entender uma palestra complexa ou estamos resolvendo um problema que requer o uso intenso da sua memória de curto prazo.

2. A Rede da Imaginação (ou Rede Neural de Modo Padrão) é responsável por criar simulações mentais de experiências passadas, imaginando cenários alternativos e cognição social (por exemplo, quando você está tentando imaginar o que outra pessoa está pensando).

3. A Rede de Saliência monitora constantemente tanto eventos externos quanto nosso diálogo interno — passando o bastão para qualquer informação que seja necessária para resolver a tarefa em mãos.

A conectividade da rede de imaginação visualizada.

Ver essas redes em ação nos permite entender quais são usadas mais em cada momento do processo criativo. E apesar de não sabermos exatamente como tudo isso funciona conjuntamente, estamos chegando mais perto.

Num artigo recente da revista Frontiers in Human Neuroscience, o pesquisador Rex Jung e seus colegas concluíram que quando você quer relaxar as associações, deixar sua mente vagar livremente, imaginar novas possibilidades e silenciar sua crítica interna (aka, tornar-se criativo e surgir com ideias interessantes e originais), é bom reduzir a atuação da rede neural de atenção executiva e aumentar a ação das redes de imaginação e saliência.

Em outras palavras, você quer bloquear o mundo exterior e se retirar "internamente".

Pesquisas ainda mais recentes com músicos de jazz e rappers mostraram que é exatamente isso que acontece quando improvisa. Nossa criatividade floresce do isolamento mental.

Como o isolamento está ligado à incubação de uma ideia

De um ponto de vista social, cultural e científico, a criatividade parece vir mais livremente quando somos capazes de utilizar partes do nosso cérebro que são menos conectadas com a realidade e mais de fluxo livre por natureza.

E tenho certeza que isso é algo que todos nós podemos concordar. Todos já sentiram o choque da súbita epifania quando nossa mente vagueia. Mas como isso funciona no processo criativo como um todo?

Em 1926, o psicólogo social e cofundador do London College of Economics Grahan Wallas publicou The Art of Thought — uma das primeiras tentativas de definir como funciona o processo criativo.

O processo de Wallas envolvia quatro passos:

  • Preparação: Aqui é onde o problema criativo é “investigado em todas as direções”. É o acúmulo de recursos, tanto consciente quanto subconscientemente, que você irá usar eventualmente.

  • Incubação: Aqui nós assumimos um período de processamento subconsciente onde nenhum esforço direto é efetuado sobre o problema

  • Iluminação: Eureka! Serendipidade, ou como você quiser chamar — esse é o momento da “inspiração súbita” em que descobrimos uma nova maneira criativa de resolver o problema

  • Verificação: E agora é a hora do trabalho de verdade. O estágio final do processo é onde sua ideia única é validada por outros.

Desde Wallas, pesquisadores, psicólogos e filósofos de todos os tipos elaboraram suas próprias ideias do que a criatividade requer para existir. Mesmo assim, em cada uma delas há uma ênfase enorme no período da “incubação” — do tempo passado sozinho, permitindo que seus pensamentos vagueiem e ideias aleatórias se unam.

Veja, escrever não quer dizer necessariamente colocar palavras numa folha de papel. Você pode escrever um capítulo enquanto está andando ou comendo.

Sessenta anos atrás, psicanalistas teorizaram que um dos marcos da criatividade era a “habilidade de voltar ao subconsciente enquanto ainda mantém os controles do ego conscientes”. Enquanto em 1970 Csikszentmihalyi sugeriu que os indivíduos criativos “tendem a ter certos traços mais fortes, como a introversão e independência, e outros mais fracos, como a conformidade e a certeza moral”.

T.S. Eliot celebrou a qualidade “quase mística” da incubação de ideias; Alexander Graham Bell falou sobre o poder da “cerebração inconsciente”. Enquanto isso Lewis Carroll defendeu a importância da “mastigação” (ruminar uma ideia).

Em quase todo “sistema” de criatividade inventado, a parte mais importante do processo envolve uma libertação de sua consciência para que partes mais profundas da sua mente emerjam e façam conexões.

Sem a incubação — aquele espaço distante do pensamento direto — não há Eureka!

Quatro maneiras de cultivar e controlar seu subconsciente

Então vimos como a epifania criativa depende de uma multidão de ideias e emoções livres, todas afuniladas pela nossa mente inconsciente. Mas essa é uma habilidade que podemos treinar?

No nosso dia a dia corrido, com a nossa atenção sendo constantemente empurrada e puxada em todas as direções, como se nossa mente estivesse sendo arrastada e esquartejada, existe, no entanto, alguns métodos que você pode usar para bloquear o mundo e deslizar nesse sentido profundo de passeio mental.

1. Pratique a “atenção plena”

A moda corrente do treinamento da atenção plena e o aumento da meditação não serve só para acalmar nossa mente.

Um dos grandes defensores dos benefícios da meditação é o cineasta David Lynch, que pratica Meditação Transcendental há anos.

Link Youtube

O propósito, como Lynch descreve, não é “ficar” mais criativo. Na verdade,  o aumento do pensamento criativo surge como um efeito colateral da calmaria da mente durante e depois da meditação. Ao invés de ser controlado por seus pensamentos e emoções (como a mente consciente é com tanta frequência), eles se tornam, pós-meditação, materiais puros que podem ser escolhidos e manipulados como ele quiser.

Mas a meditação transcendental é só uma das inúmeras formas de meditação que você pode praticar. Se você está interessado em começar, aqui está um grande artigo sobre construir uma prática de meditação diária do Leo Babauta do Zen Habit.

2. Agendar interrupções para o seu dia

“Fazer uma pausa” não é nada novo. Nos anos 1920, Wallas propôs uma técnica para otimizar o estágio da criatividade de incubação — algo que nossa psicologia da produtividade dos dias de hoje corrobora.

Seu método envolvia construir interrupções de esforço concentrado em nosso ritmo de trabalho. Algumas pessoas fazem isso deliberadamente, agendando intervalos obrigatórios em seu dia, enquanto outros têm uma abordagem mais natural — beber água o suficiente para que o chamado da natureza os force a fazer “micro-intervalos”:

Como sugere Wallas:

“Frequentemente conseguimos mais resultado ao começar a tratar vários problemas em sucessão, e voluntariamente deixá-los inacabados enquanto passamos para outros, para depois achar a solução de cada problema incubada.”

É por isso que pessoas como os designers Dann Petty e Jeff Sheldon começam múltiplos projetos de uma vez. A multitarefa pode matar seu cérebro, mas ter várias coisas incubadas de uma vez pode trazer benefícios reais.

3. E para o seu estilo de vida

Há uma razão para a pessoa criativa ou acadêmica ser frequentemente retratada como reclusa, inepta em situações sociais. Ao olhar para as mentes criativas e a rejeição social, pesquisadores descobriram que o sentimento de rejeição ou isolamento de seus iguais talvez estimule mais a criatividade.

Muitos dos grandes filósofos do nosso tempo foram estranhos em algum aspecto.  

Pense no Einstein se mudando da Alemanha para a Suíça, Itália e depois para os EUA. Ghandi crescendo na África do Sul. Stravinsky deixando a Rússia. Eliot se estabelecendo na Inglaterra. Martha Graham se mudando ainda criança do Sul para a Califórnia, onde ela foi apresentada a e influenciada pela arte asiática. Freud como um judeu na Viena católica. Ou Picasso trocando a Espanha pela França.

Como Mihaly Csikszentmihalyi resume:

“Parece que uma pessoa que está confortavelmente estabelecida no âmago da sociedade tem menos incentivos para mudar o status quo.”

O intruso — alguém que encara um sentimento pessoal de rejeição ou de ser diferente, ou está de verdade em um lugar de reclusão social — não está só numa posição de viver experiências novas e originais, mas também tem mais chances de gastar seu tempo dentro de suas próprias cabeças trabalhando nessas ideais e vendo como elas podem ser usadas.

4. Deixe sua mente devanear desinibida

Uma das características que Barron identificou durante seu estudo sobre a criatividade foi que pessoas criativas são mais introspectivas. Mas não só a noção de que eles têm um nível aumentado de autoconsciência, mas também a familiaridade com as partes mais escuras e desconfortáveis da própria psiquê.

Você provavelmente leu sobre os benefícios criativos do devaneio, mas uma das coisas que raramente são mencionadas nesses artigos é a importância do devaneio livre — sem deixar que o seu cérebro filtre os pensamentos que surgem em sua cabeça.

Num estudo subsequente com escritores criativos, Barron e o pesquisador Donald MacKinnon descobriram que o escritor médio estava no top 15% da população geral em todas as medições de psicopatologia.

Mas, de maneira bastante bizarra, esses escritores também se saíram extremamente bem em todas as medidas de saúde psicológica — o que significa que eles estão melhores preparados para lidar com esses pensamentos e sentimentos.

Com a maioria de nós, esses pensamentos sombrios são filtrados e escondidos. Eles não nos servem por sermos cidadãos bons, cumpridores da lei e moralistas.

Mas Barron argumentaria que é essa experiência completa da luz e da escuridão, mesmo que somente em nossa cabeça, que alimenta nossa mente criativa. E quanto mais experimentamos esses pensamentos, mais fácil fica controlá-los.

Efetivamente, a mente criativa é capaz de moldar nossas experiências não só através do mundo exterior, mas também com uma síntese profunda da nossa imaginação. É por isso que é tão comum ouvir indivíduos criativos dizerem que a inspiração vem de dentro, não de fora.

Keats descreve sua vida em reclusão como “sua mulher e criança” — algo que tanto dava atenção quanto requeria atenção.

Enquanto Thoreau exclamou, “Eu nunca achei um companheiro que era tão sociável quanto a solidão”.

Em nossas vidas, enfrentamos muitas distrações, notificações e demandas constantes da nossa atenção, o que torna difícil achar tempo para internalizar seus pensamentos.

Mesmo assim, quando procuramos dentro de nós mesmos, nos tornamos mais abertos às ambiguidades da vida.

E aí, aninhado entre o caos, está o local de origem da criatividade.


publicado em 04 de Janeiro de 2017, 00:00
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Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a Jornalismo Júnior, organizou campeonatos da ECAtlética e presidiu o JUCA. Siga ele no Facebook e comente Brenão.


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