Pratico zen em um templo de Copacabana. Vou compartilhar com vocês a coisa mais importante que aprendi em dois anos de prática.
Zen, ioga & outras modas
O zen ficou muito popular no Ocidente porque, como muitos já apontaram, ele aparentemente não exige muita coisa.
Praticar zen, na verdade, é muito fácil.
Eu caminho até um templo que fica a um quarteirão da minha casa, sento em uma almofada redonda, me volto para a parede, e fico ali, imóvel, por quarenta minutos. Pronto.
Não preciso acreditar em nada, não preciso deixar de comer porco, não preciso rezar pra Meca, não preciso beber o sangue de Jesus, não preciso pagar dízimo, não preciso deixar oferenda aos orixás, não preciso fazer caridade, não preciso duvidar da evolução, não preciso me abster de sexo.
De certo modo, o zen ocidental (ao lado de coisas como ioga, alimentos orgânicos e café fair trade) pode ser considerado sintoma de uma sociedade doente. Hoje em dia, no Ocidente rico (inclui o eixo Morumbi-Leblon), onde pessoas brancas ricas e bem-educadas morrem de culpa de seus níveis insustentáveis de consumo, uma meditaçãozinha com uma ioguinha, uma bananinha orgânica com um ovinho free-range, fazem com que pessoas politicamente alienadas pensem que estão fazendo alguma coisa para ajudar o mundo. Como disse o Zizek, você tem o prazer de comprar o produto e ainda compra junto a redenção da sua culpa consumista. É perfeito.
Enfim. Esse aparte foi apenas para apontar que o zen pode ser tão simples, tão inócuo e tão hipócrita quanto consumir café orgânico fair trade.
Ou não.
Link YouTube | O filósofo Zizek explica porque ajudar os outros às vezes só piora as coisas.
O que aprendi praticando zen
Aprendi que não preciso coçar minhas coceiras.
Assim que você assume a posição, cruza as pernas e pousa as mãos em frente ao umbigo, é nessa hora que seu nariz coça.
Primeiro, vem a negação, imediatamente seguida pela revolta. Caralho, não acredito que meu nariz escolheu coçar justamente agora. Putaqueopariu.
Quanto mais você tenta esvaziar a mente, mais a coceira aumenta. Em breve, a coceira está do tamanho do mundo. A coceira é maior que você, que sua vida, que Kafka, que o sol, que o seu amor por sua mãezinha, que a vacuidade, que a morte.
A coceira é o universo. Ali. Na ponta do seu nariz.
Mas você não pode se mexer.
Aliás, não pode nem olhar em volta pra ver se alguém está te olhando.
Aí vem a barganha.
Que besteira!, você pensa. Ninguém vai te ver. Estão todos sentados, voltados pra parede, concentrados na prática. E, afinal, o que tem de mais coçar o nariz? O nariz não está coçando mesmo? Você não é livre? Não está no templo praticando zen por sua própria vontade? Não pode se levantar e ir embora a qualquer hora? E por que não poderia coçar o nariz?
Mas não. Vai fazer barulho. O cotovelo vai estalar. O tecido da minha roupa vai farfalhar. Naquele silêncio absoluto, esses sons seriam quase ensurdecedores.
(Já vi meu mestre expulsar do dojo um russo que parecia o Zizek. Seu pecado: fazer muito barulho ao respirar. Dou testemunho que seus suspiros de cavalo relinchando de fato atrapalhavam bastante. Eu sentava sempre no extremo oposto da sala.)
Então, magicamente, a coceira some.
Como tudo no universo, como nossas vidas, como as árvores, como o próprio sol, a coceira também passa.
Pra mim, essa lição é o que faz do zen algo mais substancioso do que café orgânico ou dieta da ioga.
Porque se eu sinto coceira e não preciso coçar, então eu posso sentir fome e não preciso comer. Posso sentir cansaço e não preciso sentar. Posso sentir ira e não preciso gritar. Posso sentir desprezo e não preciso humilhar.
Porque a fome, o cansaço, a ira, o desprezo também passam.
* * *
Leia também Ser zen ou praticar zen? & outros textos meus sobre o tema.
publicado em 15 de Julho de 2012, 17:18