O treino funcional de surf com Gabriel Medina, Kelly Slater e outros

Uma das razões dos muitos casos de sedentarismo na atualidade é a falta de coerência nas experiências em atividades físicas.

Se, por exemplo, nas aulas de Educação Física, passamos toda a nossa escolaridade jogando futebol, a chance desse componente curricular nos auxiliar na manutenção de um estilo de vida ativo depois dos anos de escolaridade é ínfima, bem como é ínfima a probabilidade de nos tornarmos atletas dessa modalidade.

Em contrapartida, muitos talentos esportivos têm uma especialização tão precoce e incoerente que, quando chegam aos 18 anos, abandonam a prática, alegando inúmeros motivos: estão enjoados, lesionados, pressionados.

Nosso brasileiríssimo Gabriel Medina não padece desse mal, já que aos 20 anos é nosso mais jovem atleta do surfe a ingressar no seleto ASP World Title (WT), restrito aos 36 melhores do planeta. Também  foi o atleta mais novo a vencer uma etapa do Mundial de Surf (ASP), com 15 anos.

Pausa dramática: ele foi considerado por Kelly Slater “o sujeito mais perigoso do mundo do surfe".

Link YouTube | Um pouco reino funcional do Kely Staler, 11 vezes campeão mundial de surfe


O que o Kelly Slater faz em seu treino?


Dos exercícios isométricos que se destacam em seu treino, um excelente para trabalhar a resistência e a força muscular do quadríceps (coxas), mesmo com a ausência de uma boa suíça, é o agachamento parede. Encoste as costas em uma parede e mantenha os joelhos flexionados, como se estivesse sentado numa cadeira. Para aumentar a dificuldade, segure qualquer tipo de peso em cima dos joelhos, e/ou eleve uma perna no ar, estendida e alinhada com o quadril. Vá tentando aumentar o período de tempo em que consegue permanecer no exercício.


Ele iniciou a modalidade aos 9 anos, o que corresponde à bem estabelecida regra dos 10 anos e das 10.000 horas (me perdoe Paulo Ribeiro, mas no esporte os dados não negam). O mais interessante nessa sua trajetória é a forma coerente -- e muitas vezes rara -- como foi conduzida; numa entrevista, ele destaca que desde que começou a competir, investe em um treinamento funcional de suas capacidades motoras. Ele está muitas vezes na praia, em casa, em hotéis, praticando exercícios simples e, no entanto, pertinentes, que desafiam e estimulam a adaptação dos diferentes componentes do sistema nervoso.

A formação de atletas com expectativa de alto rendimento é um processo longo, complexo e que requer grande conhecimento dos treinadores sobre as cargas de treinamento e os períodos sensíveis para aprimorar as diferentes capacidades coordenativas e condicionais, e muitos talentos são desperdiçados com intervenções pouco produtivas.

De modo geral, estima-se que são necessários em média, 10 anos e aproximadamente 10 mil horas de prática coerente para alcançar níveis internacionais de performance esportiva. A grosso modo, isso significa treinar e competir, em média, três horas por dia, sete vezes por semana, ao longo de uma jornada de 10 anos.

Basicamente, dentre todos os investimentos necessários para ser um atleta profissional, o Gabriel em paralelo treinou com base nesses movimentos elementares, como agachar, avançar, abaixar, puxar, empurrar, levantar e girar, com estímulos e resistências obtidas por meio de aparatos simples e passíveis de serem utilizados e obtidos por qualquer entusiasta.

Talvez não possamos voltar a ser adolescentes, escolher nos apaixonar por surfe, ter os estímulos certos e 10 anos de treinos coerentes, mas podemos escolher o que faremos nos próximos 10 e, quem sabe, nos espelhando nesses treinos possíveis? Dá para realizar treinos funcionais em casa, nas várias academias especializadas, nos parques, com um personal trainer, com amigos, no condomínio; é para se inspirar e tentar em casa, nem que seja escondidinho.

Link Vimeo | Um pouco do treino funcional do Gabriel Medina, 20 anos, surfista profissional e promessa maior do surfe nacional


O que o Gabriel Medina faz em seu treino?


O grande destaque do vídeo do Gabriel é a variedade de materiais utilizada. São facilmente encontrados e geralmente baratos.


À medida que conhecemos como se executa exercícios com um material, é natural nos interessarmos pelos outros e assim poderia ser bem interessante adquirir um kit básico, e treinar em qualquer ambiente. Caso não tenhamos os materiais, um exercício que se destaca nesse treino, são as flexões, um desafio bem interessante é o das 100 flexões, mas caso seja ninja, ninja mesmo, pode dar um de Alberto Brandão e fazer 3.800.


Percebe a simplicidade dos exercícios? Basicamente ele executa diversas tarefas de força, equilíbrio e resistência muscular, diversos tipos de pranchas abdominais, as velhas flexões de braços que não perdem sua funcionalidade, treino com cordas, utilizando-se de plataforma deslizante, Bosu, TRX, elásticos, bola suíça e bolas medicinais.

Esses exercícios resgatam e aprimoram nossa capacidade funcional (força, velocidade, equilíbrio, coordenação, flexibilidade, resistência) transferindo nossos ganhos de maneira efetiva para o cotidiano.

Uma das muitas diferenças entre o Gabriel e nós é que, entre um treino físico e outro, ele pega sua prancha e mergulha em mares tão lindos que talvez nunca veremos, faz movimentos que nunca entenderemos, almoça uns camarões no bafo com limão e água de coco. Ele debocha de nosso estilo de vida, casa -- trabalho -- academia.

Mas ele pode.

Repetirei uma frase que falo diariamente: nos situemos. Temos trabalho, responsabilidades, família, lazer, ócio e um corpo que é a soma daquilo que fizemos com constância, o cenário tem todos os subsídios à melhora, nas nem no melhor dos sonhos podemos nos comparar a um atleta e a seu estilo de vida.

São horas e mais horas diárias de aperfeiçoamento, uma equipe multidisciplinar custosa envolvida: psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, educadores físicos, e uma criança apta com uma paixão, que para sustentá-la durante todo esse amadurecimento, teve responsáveis que o apoiaram e investiram muito.

Pronto, agora será um culpar de pais desenfreado.

Vamos então diminuir as nossas incoerências. Podemos jogar tênis em um clube lindo, cheio daquela natureza dita calmante, mas brigamos com o colega por causa de uma marca de bola. Podemos estar obstinados em corrida, mas a obstinação é tão grande que mesmo com uma dor constante no joelho saímos desenfreados e o repouso e a cirurgia ordenados pelo médico te fazem parar com tudo por meses.

Link YouTube | Um pouco do treino funcional de pré-temporada dos surfistas Adriano de Sousa, Jadson André, Gilmar Silvae o surfista mirim Gustavo Ramos


O que esses surfistas profissionais fazem em seus treinos?


O que de destaca nesse treino são os exercícios de estabilização do Core (músculos do tronco). Excelentes para a melhora da postura, equilíbrio, força e prevenção de lesões. Um exercício simples é a prancha.


Com o abdômen completamente contraído e a coluna alinhada, comece com os joelhos no chão e fique por volta de 30 segundos, à medida que se tornar fácil tire os joelhos, fique mais tempo, eleve uma perna, a outra, e se desafie, vá tentando aumentar o seu tempo e ouse com as possibilidades.


Posso fazer um treino de hipertrofia muscular, mas perder a autonomia e a flexibilidade de encostar a mão no meu ombro, tamanho bíceps. Assistindo a um jogo do filho de 8 anos, pulamos a cerca e vamos brigar com o árbitro corrupto. E o pior, posso ir à academia religiosamente, executar o treino que o professor nos meus primeiros cinco minutos de academia elegeu como sendo o correto para mim (um treino igual ao da minha avó, cardiopata), 6 dias na semana, sem o mínimo prazer de estar ali.

Consegue perceber o quão beócias são essas condutas?


publicado em 13 de Setembro de 2014, 21:20
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Débora Navarro Rocha

Educadora Física, mestre em Exercício Físico e Saúde para Populações Especiais. Atualmente é Docente do Instituto Federal do Paraná.


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