A natureza humana já foi tema de inúmeros livros e teorias. Muitos autores e pensadores já tentaram, e ainda tentam entender, tamanha complexidade. Se entender já é difícil, imagine explicar como funciona a junção da consciência individual a uma coletividade.
Podemos citar várias personalidades importantes da literatura, mas hoje vou me ater a um daqueles que, de modo leve e preciso, conseguiu transformar a problemática em ficção. Estou falando do romancista e poeta inglês William Golding, e o livro em questão se chama O Senhor das Moscas.
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A história, que para muitos especialistas é tido como um psicológico ou um romance interno, se passa após um naufrágio, no qual morrem todos os adultos e apenas trinta crianças sobrevivem. Ao chegarem a uma ilha, essas crianças passam a buscar condições de sobrevivência e, em meio a isso, criam dois grupos, cada um com seu respectivo líder.
No começo, tudo corre bem, e a necessidade de nomeação de um líder único, que concentre em si algumas atribuições, aponta para Ralph. Carismático, ele acredita que, para conseguirem êxito, precisam construir abrigos e desenvolver plantações, e usa da inteligência de Porquinho para tornar suas propostas mais concretas e fundamentadas. Contudo, Jack, o líder caçador e representante da força, discorda, e estimula nos companheiros um espírito desbravador e controlador, focado na caça e no caos.
Conforme os desentendimentos entre os líderes vão ganhando força, o que antes era unidade na ilha torna-se embate, e o confronto é iminente. Apesar de poucas pessoas – ou crianças – terem sobrevivido e, teoricamente, precisarem de todos para o cumprimento de elementos básicos de preservação, mesmo assim lutam entre si, até que uma guerra é declarada.
Quando William Golding decide adentrar nesse campo, em 1953, o mundo acabara de sair da Segunda Guerra Mundial. Pois o que parecia ser um simples livro de aventuras infantil, com histórias de piratas e caça ao tesouro, na verdade escondia características de uma sociedade pós-guerra, cuja perspectiva ainda era o provável fim da civilização.
A proposta que o autor nos faz é uma reflexão sobre a impossibilidade de vivermos sozinhos, porém, com todas as dificuldades de nos aceitarmos como um grupo. É isso que ocorre com os garotos na ilha, quando decidem deixar que o Senhor das Moscas, o mestre da selvageria e da barbárie tome conta do Paraíso Perdido.
O estado de natureza, citado por vários pensadores na história da filosofia, pode, dentro do cenário proposto no livro, ser vivido, mas o individualismo, tão disseminado nas metrópoles e aqui representado pelo rompimento das relações tradicionais de pessoas é fortalecido, mesmo que não faça sentido algum, já que, quando sobrar apenas um, a reprodução será impossível e a destruição da espécie, inevitável.
Será que William Golding não acreditava no paraíso do bondade natural do ser humano? Dada a carnificina que se desenvolve na trama, parece que não. Porém, perguntas mais complicadas podem ser feitas. Uma delas seria: será que a influência de uma sociedade bélica não foi fator determinante na conduta dos garotos?
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Todos esses fatores devem ser considerados antes de interpretarmos as propostas ficcionais do autor inglês. Dentro de uma estrutura socialmente desenvolvida, o homem já foi comparado a um vírus, que destrói todos os seus meios de subsistência para depois se consumir, até que não reste mais nada, a não ser natureza. Por outro lado, essa característica pode ser um sinal da perfeição de um sistema que sempre se renova e que continuará existindo, mesmo sem a presença do homem. Seria então esse o segredo do ?
A destruição e a morte são entidades essenciais para que a vida surja e para que o ciclo infinito da existência cumpra a sua função. O homem, quando interage com a natureza, exerce seu padrão caótico, embora acredite que, dentro de parâmetros otimistas, consiga manter-se ordeiro. Isso fica claro quando se detecta a necessidade de transformação que ele possui, quando ele modifica, à sua maneira, os componentes da realidade ao redor.
William Golding sabia muito bem sobre o que estava escrevendo. Verificou detalhes da natureza humana e as transportou para uma obra de ficção inteligente e perspicaz. Ele mostrou ao homem que, por mais consciente que seja a sua relação social, ele sempre precisará de um Senhor das Moscas para balizar suas escolhas.
* Sir William Golding foi um poeta e romancista inglês. Em 1983 recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. Embora seu principal romance, O Senhor das Moscas, não tenha sido um sucesso de vendas, com apenas três mil exemplares vendidos na época do lançamento, tornou-se um clássico mundial.
publicado em 15 de Março de 2013, 21:00