Poucos param pra pensar no que têm.
Dá só uma olhada pro teu lado, agora, e conte quantas coisas você possui. Uma coisa só? algumas dezenas de coisinhas? Muito mais, provavelmente. Quantas vezes, no entanto, você realmente possuiu esses objetos? Pense em um desses seus objetos, um que tenha grande valor para você. Pense no seu seu celular, por exemplo: você realmente o possui? Ele faz parte de quem você é? Você se sentiria perdido sem ele?
É a tal ideia de posse, aquela colocada na cabeça já muito cedo. Desde que nascemos, fomos treinados diariamente a acreditar que objetos, pessoas e ideias são nossos ou não são nossos. O que acontece, no entanto, é que a realidade é indiferente para nossas posses.
Como parte de minha rotina reflexiva, tomo como base uma situação e sempre que reflito sobre isso. A situação que imagino é um furto: “o que me levaram? Dinheiro, celular ou a carteira? Seja lá o que foi furtado, agora é de quem o furtou? Continua sendo meu, só que nas mãos de outro? Ou, desde o começo, pertencia à nós dois?”
Querendo ou não, essas perguntas todas giram em torno da problemática da posse. Todas partem do princípio de que alguém é dono do objeto furtado. O conceito que fundamenta a resposta mais clara, simples e objetiva é o da “não-posse”: não sou dono de nada nem de ninguém. Partindo desse conceito, todas as perguntas teriam uma única e simples resposta: “eu não perdi nada”.
Vendo por essa perspectiva, não possuo meu melhor amigo. Não sou dono do carro que dirijo, ou do celular que uso. Não tenho dinheiro ou uma vida bem ou mal sucedida. As mulheres com quem converso não são minhas, as roupas que visto, os artigos de luxo que compro, nada é meu.
E mesmo assim, tenho a liberdade de conversar com mulheres, vestir roupas e dirigir um carro. Vendo além dessas pequenas situações, percebo que o que realmente é válido perguntar não é “a quem isto pertence?”, mas algo como “quem tem a liberdade de utilizar isso?”.
Esse desprendimento das posses foi o primeiro passo que me levou a sair da zona conforto e explorar o novo, e é o que busco em meus momentos de reflexão. Dá um novo significado, uma visão diferente para as ações, tanto as minhas quanto as dos outros: “não sou dono dos meus amigos, e qualquer ajuda, presente ou palavra dirigidas a mim, não foram obrigações deles. Por que, então, eles o fizeram?”
Transcender a posse (que agora mais parece uma ilusão, uma sombra a menos na minha caverna) mudou minha interação com própria realidade: já que não sou dono da realidade, sonhar com alguma coisa não vai torná-la real. Já que realidade não é minha, sou o responsável por cada ação que tomo, e cada vitória, cada derrota, sou eu o principal responsável.
Para poder brincar com nossas reações, para poder observar mais detalhadamente nosso comportamento, proponho um simples experimento: tente ficar algum tempo sem o item do início do texto. Um dia, uma semana, um mês, o resto da vida, o maior tempo que conseguir. Sempre que algo nos prende, interessante é procurar ficar sem, tentar limpar o convívio. Não significa, entretanto, viver sem; significa somente superar a dependência.
Dá outra olhadinha pro seu lado, aquele mesmo que você observou no começo desse artigo. Olhou bem? Agora, responde com sinceridade: Quantas dessas coisas pertencem à você e quantas dessas coisas te possui como pertence?
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