O que o vazamento de dados do Ashley Madison pode nos ensinar sobre traição e privacidade

Se está na web, não está seguro. Alguém, em algum momento, vai ter acesso aos seus dados.

Traição é um assunto espinhoso. 

Trazer algumas experiências à tona nos lembra como ainda precisamos aprender a lidar melhor com nossos sentimentos, aponta nossa amargura e rancor. 

Recentemente, o assunto tomou as manchetes dos jornais mundiais. O site Ashley Madison, desenvolvido para marcar encontro entre pessoas casadas, foi hackeado e teve seus dados expostos para o mundo. De um dia para o outro, informações de milhões de usuários que utilizavam o site para marcar encontros casuais extra-conjugais se tornaram públicos.

Todo vazamento causa algum transtorno, mas no caso do Ashley Madison o problema é ainda pior, vidas inteiras acabaram em risco.

"Traiu e a informação vazou? Bem feito!"

Ao comentar sobre o assunto, muitos apontavam apressadamente que o hacker estava certo ao expor os dados, afinal, “se o cara estava cadastrado no site, o casamento dele já estava estragado antes”. Essa é uma opinião recorrente em quem escuta o problema pela primeira vez. No entanto, as coisas não são tão simples.

O modelo de negócios do Ashley Madison não era dos mais honestos, apelava para a curiosidade dos usuários e os tornava refém do serviço.

Qualquer pessoa que navega pela internet já recebeu alguma propaganda do serviço, seja num pop-up de alguma página ou por spam no email. As propagandas apelam para a curiosidade e, assim, muita gente entra de forma curiosa pra saber como funciona, tentar encontrar algum conhecido pela zoeira ou até ver se o próprio parceiro está por lá.

O cadastro não apresenta nenhum custo. No entanto, é impossível deletar o registro sem pagar 20 dólares por isso. Ou seja, aquele cara que fez uma conta para entender o que era, saber se realmente era real ou se tinha algum amigo por lá, agora precisa pagar para se ver livre de algo comprometedor.

Os sites que divulgam o email dos usuários também não eram muito completos, apontando apenas se ele estava cadastrado. Com isso, se você era um usuário assíduo que gastava um bocado de grana todo mês para marcar encontros ou se um amigo cadastrou seu email de zoeira, para a opinião pública não vai ter diferença.

Se você descobrisse uma traição, o que faria?

Outro problema é entender se devemos interferir ou não em relações alheias. É certo cruzar a linha pessoal e alertar sobre uma relação extra-conjugal de seu cônjuge? A resposta também não se resume a sim ou não.

Relacionamentos são extremamente pessoais, variando em muitos detalhes, dependendo de cada casal.

Uma pessoa traída provavelmente tem uma ferida aberta, mas o peso do julgamento social exerce um impacto ainda maior sobre a forma como a pessoa irá reagir. Se a alguém descobre por conta própria, ou o parceiro decide abrir o jogo, os dois criam um espaço para trabalhar a relação e entender onde as coisas saíram dos trilhos. No entanto, se existir um fator social extra envolvido, é muito provável que a decisão seja diferente, simplesmente por medo do julgamento popular.

A pessoa que interfere acredita que está fazendo um favor, mas pode estar apenas precipitando um conflito e adicionando um agravante. É difícil assistir de longe e ver a outra pessoa sendo traída, mas adicionando o elemento social à equação, fica fácil entender que pode ser melhor não se intrometer.

O mesmo serve para analisar o gesto do hacker, por mais que o relacionamento já estivesse com problemas antes dos dados vazarem, interferir dessa forma na intimidade de um casal não ajuda em nada.

Ação e reação

Com informações tão sensíveis sobre milhões de usuários, não ia demorar para a merda bater no ventilador e voar pra todo lado. O que antes parecia um ato de justiça de um hacker idealista, agora é a ignição para outros crimes ainda mais sérios.

Primeiro, vieram as chantagens, gente cobrando para não denunciar maridos para suas esposas. Com isso, pessoas passaram a utilizar a informação como moeda de troca.

Um site que prega ódio contra policiais divulgou o nome de um agente que estaria na lista e o policial cometeu suicídio antes mesmo de descobrir que a informação era falsa. Esse, infelizmente não foi o único suicídio relacionado ao vazamento dos dados.

Não para por aí. O número de divórcios e demissões só crescem desde o incidente.

É uma situação complicada, que exige calma e jogo de cintura. Se você está na lista ou encontrou seu parceiro por lá, não se apresse, talvez seja hora de colocar as cartas na mesa e entender o que realmente está acontecendo.

Afinal, nem tudo é o que parece

Uma análise detalhada nos dados do site encontrou uma estatística curiosa. O número de mulheres usuárias era bem menor do que parecia ser.

Quase nenhuma das mulheres no banco de dados do Ashley Madison de fato utilizava o serviço, pior ainda, a empresa criava bots automatizados que conversavam com os usuários, causando a sensação de estarem mais próximo de um affair.

De fato, existiam mulheres verdadeiras, mas um número bem reduzido em relação aos usuários do sexo masculino. Homens, no fim, estavam pagando para sustentar a fantasia da aventura, que aparentemente acontecia bem menos do que o esperado.

O banco de dados do Ashley Madison, no entanto, não é suficiente para afirmar que mulheres não traem. Talvez elas só prefiram outros meios para isso.

* * *

A internet está longe de ser um lugar seguro, do qual realmente podemos esperar privacidade. Por melhor que sejam os sistemas de segurança, basta uma pequena falha para que rios de dados sejam disponibilizados ao público. E, acredite, isso acontece todos os dias.

Quando utilizamos qualquer site, devemos esperar que, em algum momento, aquelas informações estarão disponíveis ao público, independente de que público estamos falando.

O escândalo pode nos ensinar pouco sobre como devemos lidar com traição, mas sem dúvida alguma nos alerta sobre o tipo de cuidado que devemos ter ao fazer qualquer coisa online.

Para casais, a lição talvez seja tentar conversar sobre os problemas e resolver as tensões enquanto não existe outro fator interferindo, tentar identificar que existe de errado e decidir se vale a pena seguir em frente.

Independente de qual será o próximo serviço a vazar informações, a certeza que podemos ter é que nossos segredos são cada vez menos sigilosos.


publicado em 01 de Setembro de 2015, 00:05
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Alberto Brandão

É analista de sistemas, estudante de física e escritor colunista do Papo de Homem. Escreve sobre tudo o que acha interessante no Mnenyie, e também produz uma newsletter semanal, a Caos (Con)textual, com textos exclusivos e curadoria de conteúdo. Ficaria honrado em ser seu amigo no Facebook e conversar com você por email.


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