O que o corpo faz, a alma perdoa | Do Amor #52

"Tô fazendo amor com outra pessoa..."

O "vou falar que é amor, vou jurar que é paixão" ecoava por umas duas ou três ruas paralelas ao caminho do bloco que tocava pagode dos anos 90. Vestido de Muhammad Ali, deixando o cabelo crescer desde antes do natal pra ficar quadradinho igual ao do pugilista, encontrou a pequena vestida de Sininho na porta do metrô.

Já estavam se encontrando com frequência desde o comecinho do ano. Ainda insistiam em não colocar rótulos no que estavam tendo, não entravam mais fundo nas conversas de se eram ou não, um casal, mas ele já estava dando risadas com os amigos pelo fato de estreitar um namorico bem na época de carnaval. Mas suas conclusões ficaram mais contundentes quando a viu subindo pela escada rolante com aquele vestidinho verde mínimo e envolta em um pozinho dourado que lhe fazia brilhas as coxas, o colo, o narizinho destacado pelas maçãs proeminentes no rosto triangular. Queria estar mais tempo com ela.

E foram brincar carnaval. 

No caminho, ela explicou que estava sem celular para não ser roubada. Ele disse que estava tudo bem, que estavam todos em um grupo grande, mais ou menos uns treze amigos e amigas, mas, mesmo assim, preferiu sair precavida e sem maiores preocupações. E dançaram, pularam ao som de refrões de amor barato, trocaram carícias em público e puxaram um amigo para um beijo a três. Deram risadas, tiraram fotos em grupo, se abraçaram e ele precisou sair pra mijar. "Coisa rápida, coisa de meia horinha", ele disse sorrindo aquele riso mole de quem já tá entregue às preguiças do álcool.

Mas até que foi rápido. Tava de volta em vinte e dois minutos, saltitando e dando jabs e ganchos no ar como se fosse um atleta de alto nível prestes a entrar de novo no ringue para mais um assalto. Só não encontrou a adversária com quem tava se engalfinhando nas últimas horas, nas últimas semanas. Os amigos não viram quando ela se desgarrou do grupo, ele rodou em volta do carro de som, voltou no ponto que estavam antes, refez caminhos e nada. Nem sinal da fadinha. 

Perdeu o centro. Não sabia ao certo se seguia procurando-a, se esperava com os amigos. Botava constantemente a mão no bolso atrás do telefone, mas lembrava que ela estava sem contato. Teria que ser no visual, mas o verde do vestido não passava nem feito borrão pra ele correr e tirar a prova. Permaneceu mais um tempo no limbo entre o se divertir e se esforçar em encontrá-la, na indefinição entre o prazer e a preocupação. Passou uma hora e depois duas. Nada. Resolveu sair do bloco para resolver isso. E se algo aconteceu? Num plano rapidamente traçado, resolveu ir até a casa dela. O ponto zero. Sabia que ela morava com mais duas garotas, que poderia ver com alguma delas alguma pista, caso não fosse ela mesma quem o atendesse.

Chegando em frente ao prédio, tocou o interfone do apartamento. Um cara atendeu. "Claro, sobe aí, cara", ouviu dizer a voz metalizada pelo aparelho. O portão se abriu e ele foi de escada mesmo até o terceiro andar. Quem abriu a porta foi um sultão de peito de fora e turbante torto na cabeça. Olhando para baixo prendendo os botões da camisa, ele abriu a porta dando oi e tchau. Estava de saída. 

Ele foi até o quarto e encontrou, enfim, a sua Sininho, mas sem o vestido verde, jogado no chão do quarto, com as asinhas douradas penduradas na cadeira da escrivaninha. Lá estava ela, a fada, nua de bruços na cama. Ao vê-lo, ela abriu um sorriso molenga e vagabundo de quem aproveitou ao máximo suas capacidades físicas. "Ai, que bom que você chegou", ela disse com uma voz meio afônica, consumida. "Eu me perdi do pessoal no bloco e resolvi voltar pra casa. Nossa. Eu tô exausta". 

Sentado na beira da cama, ele tirou as luvas, colocou as mãos entre os joelhos e olhou o quarto ao redor. A porta estava aberta quando entrou. Perguntou se mais alguma das amigas estava em casa e ela disse que não sabia ao certo. Ele puxou o ar enquanto formulava conclusões. A imagem do sultão se vestindo enquanto ia embora voltou na sua memória. Não perguntou se ele estava com ela.

"Vem cá", ouviu ela dizer trazendo sua atenção de volta para o quarto. "deita coladinho aqui na sua fadinha. Ela tá tão cansadinha...".

E ele se deitou. Rapidinho ela dormiu. Ele não pregou os olhos a noite toda.

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publicado em 03 de Março de 2017, 00:10
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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