O que estamos lendo? [Maio/2012]

Viram nosso post coletivo cultural da sexta passada?

Meus colegas de PdH e eu compartilhamos o que frequenta nossas telas em termos de filmes, séries e relacionados, dando a letra para vocês. Mas, ainda mais importante, a massa dos leitores do PdH compareceu em peso aos comentários, oferecendo também as suas dicas e participando de um bom papo de boteco.

Vocês são foda.

Como a experiência foi bastante positiva, essa semana continuamos a brincadeira. Dessa vez com outro assunto: literatura. Vamos fazer circular o nosso gosto por livros, revistas, sites, periódicos, bulas de remédio, manuais de instrução, pergaminhos e tudo mais que possa ser lido.

Alex Castro lê: Sonhei que a neve fervia, de Fal Azevedo

Sonhei que a neve fervia

Em termos de literatura nacional, o último livro que de fato terminei de ler, faz poucos dias, foi o lindíssimo Sonhei que a neve fervia, da minha querida amiga Fal Azevedo, lançado agora em maio e já devorado. A Fal parece um rockstar da literatura: a Livraria Prefácio, em Botafogo, estava praticamente interditada, teve fã esperando duas horas na fila. Já recomendei o livro para vários amigos e todos me ligam comovidos, agradecendo.
Sonhei que a neve fervia é um novo tipo de livro. Não é estritamente não-ficção, mas não tem nada de ficção. Depoimento? Documentário? Tico-tico no fubá? Só sei que é lindo.
A "história" é simples, tão simples como são as piores dores: em agosto de 2007, Fal perde seu marido, Alexandre, uma morte súbita e sem aviso. Sonhei que a neve fervia é a narrativa dos doze meses seguintes. Do processo de luto. Da tristeza. Da presença dos amigos. Do desespero. Da felicidade. Da volta.
Recomendo para qualquer um que já sofreu uma perda devastadora. E aproveito para indicar Drops da Fal, blog da autora.

Alberto Brandão lê: Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago

Ensaio sobre a cegueira

Tenho pouca intimidade com romances. Apesar de ler muito, essa é uma área de que nunca fui muito próximo. Depois de acompanhar a imersão da namorada no universo Saramago e vê-la completamente seduzida pelos livros do autor, resolvi abraçar um de seus livros mais famosos, Ensaio sobre a cegueira.
José Saramago tem seu estilo único na escrita, com poucas vírgulas, pontuações e nenhum parágrafo. A escrita é tão acelerada que as vezes precisamos parar para respirar um pouco. O português de Portugal dá um charme e uma caracterização ímpar à leitura, reforçado em colocações geniais que no nosso português pouco teriam sentido, como logo na abertura do livro:
"A gente que esperava começou a atravessar a rua pisando as faixas
brancas pintadas na capa negra do asfalto, não há nada que
menos se pareça com uma zebra, porém assim lhe chamam."
O livro retrata uma cegueira diferente da completa escuridão da cegueira comum, uma "cegueira branca".
Como fica claro durante um diagnóstico médico feito no primeiro caso do livro, as pessoas estão cegas, mas não existe nenhuma doença que cause isso. Têm olhos, mas não conseguem ver. Nas entrelinhas dos acontecimentos gerados por essa nova cegueira, o autor esfrega na cara do leitor verdades ocultas, revelando como agimos, pensamos ou achamos que pensamos, nos mostrando que mesmo quem enxerga pode não estar vendo muita coisa.

Roberto del Grande lê: Funky Business, de Jonas Ridderstrale e Kjell Nordstrom

Funky Business

Um livro muito bom, que vem me alertando e empurrando em novas direções. As coisas no mundo dos negócios não funcionam mais como no passado, quando um criava, e a criação durava meses ou anos para ser copiada. Quando os empregados tinham uma função e exerciam apenas ela, durando muitos anos na mesma empresa.
Funky Business reforça a mensagem de que temos que ter cada vez mais talento e iniciativa. Temos que ser diferentes. Temos que ser "Funky".

Fabio Rodrigues lê: Liniers

Macanudo Número 7

Estou lendo Macanudo Número 7, do desenhista argentino Liniers. Tenho acompanhado um pouco do seu trabalho desde que conheci, há uns anos.
O hermano tem desenhado um monte de sacadas sutis e inteligentíssimas com um esmero técnico e estético que acho excepcional. O melhor elogio e referência que consigo fazer é o seguinte: pense no Liniers mais ou menos como um Borges das tirinhas.
Alguns exemplos:
Liniers
Liniers
Liniers

Jader Pires lê: Raduan Nassar e Philip Roth

Depois de alguns meses de crise literária, voltei a ler com gosto. Por esses dias, estou devorando dois caras que dá gosto de se deixar incomodar com suas palavras. Um deles é o Raduan Nassar, com seu e o seu Um Copo de Cólera. Ler Nassar é passear tranquilamente pelas belezas da palavra bem escolhida, da frase bem selecionada. O paulista de Pindorama, interior de São Paulo, é como que um mestre cervejeiro, escolhendo a dedo cada ingrediente para seus capítulos, mesmo em uma história tensa como a de Um Copo. Ler os trabalhos dele (o Lavoura Arcaica é ainda mais belo) é ler, com certeza, a melhor safra das palabras em português.
A Pastoral Americana | Lavoura Arcaica

Já o outro livro é mais um tapa na cara que recebo do grande Philip Roth. Estou pra terminar uma das obras mais significativas do escritor americano, A Pastoral Americana. Roth é um judeu tinhoso que adora desferir socos no estômago de seus leitores. Em A Pastoral, ele segue uma linha pelas duas pontas: a parcimônia exacerbada de um pai e o radical extremo de uma filha gorda e gaga. Tudo isso serve como pano de fundo para evidenciar os contrastes da sociedade americana. Tudo muito bem amarrado, tudo sem meio termo. Beleza estranha a escrita do judeu de Newark.

Rodolfo Viana lê: Luto e melancolia, de Sigmund Freud

Luto e melancolia

Eu tive alguns contatos recentes com a morte e, ao mesmo tempo, um súbito desejo de entender melhor como atua o ser humano nos seus mais variados papéis neste mundo. Por isso, quando não estou lendo livros para resenhar para minha seção na Vida Simples, tento me dedicar ao estudo, ao aprofundamento do que desejo entender melhor. Tenho lido Lacan, Jung e, neste momento, leio Luto e melancolia, de Freud. Nesta obra, Freud retoma uma discussão que desde o século XVIII (primeiro com Pinel, depois com Esquirol, Falret e Kraeplin, para citar alguns) toma o centro de alguns estudos psiquiátricos: a melancolia (ou aquilo que hoje conhecemos como depressão) como patologia e sua relação com o luto.
Para ele, “o luto é, em geral, a reação à perda de uma pessoa amada, ou à perda de abstrações colocadas em seu lugar, tais como pátria, liberdade, um ideal etc”. Assim, a perda do objeto amado em si assume um papel principal – ainda que, depois de algum tempo, encerra-se o sentimento do enlutado e pode-se direcionar o afeto a outros objetos. É uma dor temporária sentida por perder o “outro”.
A melancolia, por sua vez, pode apresentar-se como resultado da perda do objeto amado, ainda que o objeto em questão não tenha morrido. Ou seja, pode-se sentir a perda sem saber o que se perdeu – é a distinção entre perder um ente amado e perder algo amado no ente. Desta forma, a melancolia não precisa apresentar com exatidão o que foi perdido. Neste caso, o ego desnuda-se de seu valor e estabelece uma conexão direta com o objeto perdido. Eis que a perda do objeto torna-se a fragmentação do próprio ego. Assim, de maneira subjetiva, perde-se a integralidade do “eu”. E então, a dor se torna uma patologia.
Luto e melancolia é um passeio por algumas da planícies mais lúgubres da alma, em que pesares tangem o horizonte. E encarar os pesares é descobrir a si mesmo.

Alexandre Falcão lê: O guia do mochileiro das galáxias, de Douglas Adams

O guia do mochileiro das galáxias

Um dos maiores clássicos da cultura geek, da ficção científica e do humor, O Guia relata as aventuras do pacífico britânico Arthur Dent enquanto ele é arrastado pelo universo a contragosto, após a destruição da Terra -- que é destruída para dar espaço à construção de uma via expressa intergalática.
Com farto repertório de referências que você já deve ter visto por aí (como o culto ao número 42 e o "adeus, e obrigado pelos peixes"), sacadas geniais de ficção científica (como o gerador de improbabilidade infinita e o propulsor bistromático) e ácidas críticas sociais que fazem pensar e traçar paralelos com a realidade atual (um dos personagens alienígenas se batiza com o nome de um carro após chegar ao nosso planeta, pensando que os automóveis é que eram os habitantes da Terra), a história tornou Douglas Adams um ídolo para os geeks como eu.
Sem contar que é engraçado pra caralho.
Talvez você tenha visto o filme, produzido em 2005, mas não se engane: o livro é infinitamente melhor. Do filme, praticamente só o que se salva é a Zooey Deschanel.

Guilherme Valadares lê: Chogyan Trungpa, O Poder do Hábito e o Dilema da Inovação

Smile at Fear | O Dilema da Inovação | The Power of Habit
El Capo

Nosso está deveras atarefado ultimamente, mas fez questão de participar da seleção cultural de hoje. Sem tempo para desenvolver uma descrição para os três ótimos livros que tem lido, pediu apenas que os listasse e dissesse, em nome dele e em negrito, que "valem cada minuto, em especial para pessoas em posição de liderança". 

Fabio Bracht lê: Leite derramado, de Chico Buarque

Leite derramado

Mergulhei recentemente numa jornada em busca do escrever melhor. Vinha lendo muitos romances estrangeiros na língua original e livros de não-ficção (úteis, sim, mas raramente primores de boa escrita). Meu texto deixou de ser estimulado, parei de aprender por osmose e absorção do estilo alheio. Levantei bandeira vermelha.

Resolvi focar por um tempo nos monstros da literatura em língua portuguesa. Poderia ter começado por qualquer canto, mas por indicação do comparsa Jader Pires -- sem dúvida um escriba melhor que eu -- comecei a ler essa coisa deliciosa que é o romance mais recente de Chico.

Em Leite derramado, cada capítulo é um único parágrafo. Longo, cuspido, visceral. Falatório desmedido de um velho em seu leito de morte, alheio ao fato de que fala basicamente para ninguém. Mas fala. E fala.

Conta as histórias dos seus tempos de bon vivant da alta sociedade carioca, suas viagens à Europa e seu grande amor por uma moça bem mais simples. No final, porém, confesso que o que me segurou, mais do que o enredo, foi mesmo o a habilidade do autor com as palavras. Grande Chico.

Você lê: _____________

E você, o que diabos anda lendo e quer nos recomendar? Não seja tímido, abra sua biblioteca mental nos comentários.


publicado em 25 de Maio de 2012, 14:41
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Fabio Bracht

Toca guitarra e bateria, respira música, já mochilou pela Europa, conhece todos os memes, idolatra Jack White. Segue sendo um aprendiz de cara legal.\r\n\r\n[Facebook | Twitter]


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