O que é essa tal Copa Sul-Minas-Rio?

Entenda todas as polêmias, as idas e vindas, e a batalha que clubes, CBF e federações estaduais estão travando

Quando Atlético Paranaense, Fluminense, Criciúma e Cruzeiro entraram em campo nesta quarta-feira começava uma competição inédita no Brasil. A Copa Sul-Minas-Rio que poderia ser apenas mais um torneio amistoso acabou ganhando contornos de revolução dentro do futebol brasileiro.

Dos quinze clubes filiados à Primeira Liga - organizadora da competição - doze vão se enfrentar neste campeonato que já está sendo considerado o embrião de uma tentativa muito maior de declarar independência definitiva à Confederação Brasileira de Futebol. Nos moldes do que acontece atualmente em outros lugares do mundo, onde as confederações cuidam apenas das seleções nacionais, categorias de base e divisões inferiores.

No ano em que os bastidores do futebol foram agitados no mundo inteiro, a CBF não passou impune. Com a prisão de um ex-presidente e denúncias contra outros dois, a entidade teve bastante trabalho para resolver questões internas, mas acabou tendo que lidar também com a ‘rebeldia’ de alguns clubes.

Marco Polo Del Nero, presidente licenciado da CBF.

Por outro lado, a organização do que passou a ser chamado de Primeira Liga também foi turbulenta. Os problemas enfrentados pelos clubes que, hoje, participam da competição passaram longe de ficar restritos ao relacionamento com terceiros. A disputa interna pelo poder da Liga recém criada gerou desconfiança e descrédito por parte de patrocinadores, dirigentes e torcedores, além de reforçar o principal argumento da CBF e seus aliados: os times, sozinhos, não se entendem.

Entenda o caso

Clubes de Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul tiveram conversas preliminares, a maioria intermediada por advogados, para dar prosseguimento à ideia de reeditar a Copa Sul-Minas. O torneio já tinha sido disputado em três edições entre 2000 e 2002 com o aval da CBF e a intenção inicial era de novamente incluí-lo no calendário oficial nos moldes do que acontece atualmente com a Copa do Nordeste.

Porém, um briga entre a dupla Flamengo e Fluminense com a Federação Carioca acabou gerando grande impacto na organização da competição. Depois de discutir por conta do preço dos ingressos do Campeonato Carioca e romper o relacionamento amistoso com o presidente Rubens Lopes, os dois clubes pediram para que seus departamentos jurídicos estudassem a possibilidade de deixar o estadual em troca da participação no torneio regional.

Rubens Lopes, presidente da Ferj e principal opositor da criação da Copa Sul-Minas-Rio

Com a adesão das equipes cariocas aprovada em julho de 2015, a Liga Sul-Minas passou a englobar também o Rio de Janeiro. Dois meses depois, em reunião realizada na sede do Flamengo, em 10 de setembro de 2015, a Liga Sul-Minas-Rio foi oficialmente fundada. Ainda nessa data, os clubes elegeram representantes para os cargos criados de presidente, vice-presidente, secretário e – o único remunerado – CEO.

A organização do campeonato seguiu em frente até que os desentendimentos começaram a aparecer. Pressionada pelo presidente da Federação Carioca, a CBF que inicialmente tinha se mostrado indiferente, depois favorável, finalmente passou a impor dificuldades para que a competição se concretizasse. O ápice do conflito aconteceu no dia 19 de outubro. Quando o ex-presidente do Atlético Mineiro e CEO da Liga, Alexandre Kalil compareceu à reunião na sede da CBF e foi informado que o então presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, tinha recebido um ofício e concordado com os argumentos expostos pelo presidente da Federação Carioca.

Alexandre Kalil, ex-presidente do Atlético Mineiro e CEO da Primeira Liga

Nesse documento, Rubens Lopes apontou motivos para considerar a Liga ilegal e sugeriu submetê-la à aprovação da Assembleia Geral da CBF, bem como à autorização das respectivas federações das quais os clubes são filiados, além de cumprir trâmites burocráticos e demandas de órgãos como o Sindicato dos Jogadores. Kalil deixou a reunião furioso, declarou que a competição aconteceria de qualquer jeito e que não conversaria mais com a entidade.

O posicionamento do CEO, porém, não foi bem aceito pelos clubes. Nesse momento começou a se desenhar uma divisão dentro da Liga. O representante do Atlético Paranaense na organização do torneio, Mario Celso Petraglia, ficou ao lado de Kalil e passou a ter influência nas principais decisões do CEO. O fortalecimento da dupla incomodou e acabou isolando o presidente da Liga, também presidente do Cruzeiro, Gilvan Tavares. Depois de mais desentendimentos com Kalil e a eleição de Petraglia para co-presidente da Liga em reunião no dia 26 de novembro, Gilvan acusou Kalil de ter feito uma manobra para enfraquecê-lo.

Mario Celso Petraglia, representante do Atlético Paranaense e co-presidente da Primeira Liga

Além da disputa pelo poder, somava-se a discussão interna em relação a divisão das cotas de TV. Enquanto clubes como o Flamengo pleiteavam receber mais do que os demais, clubes como o Fluminense batiam o pé por uma divisão igualitária. Não havia mais sossego. Começaram a circular rumores de que alguns clubes desistiriam de participar da competição, mas quando todos esperavam que Flamengo ou Fluminense fossem romper com a Liga, foi o presidente Gilvan Tavares que anunciou a retirada do Cruzeiro do torneio, alegando que ele não seria rentável.

Gilvan Tavares, presidente do Cruzeiro e da Primeira Liga

Porém, a novela estava longe de acabar. E dezembro foi um mesmo de movimentação intensa tanto na Liga quanto na CBF. No dia 3, o Comitê de Ética da FIFA anunciou a abertura de um procedimento formal contra Marco Polo Del Nero. No mesmo dia, à noite, o então presidente da entidade máxima do futebol brasileiro foi oficialmente indiciado na investigação de corrupção no futebol que está sendo conduzia pelo FBI.

Diante dessa situação, Del Nero decidiu pedir licença do cargo, em decisão que lhe permitia indicar quem seria seu sucessor interino. O presidente, então, escolheu um de seus aliados, mas já sabia que, num futuro próximo, seria necessário renunciar ao cargo e, nesse caso, Delfim de Pádua Peixoto, presidente da Federação Catarinense de Futebol, vice-presidente mais velho da CBF, apoiador da criação da Primeira Liga e desafeto declarado de Del Nero assumiria o cargo.

Delfim de Pádua Peixoto, presidente da Federação Catarinense de Futebol e vice-presidente da CBF

Foi então que o presidente da CBF começou a pensar em outra maneira de resolver a questão e convocou uma assembleia eleitoral para o dia 16 de dezembro. A reunião pretendia eleger um novo vice-presidente para o cargo que José Maria Marin, preso nos EUA na mesma investigação que indicou Del Nero, tinha deixado vago. Ciente da cláusula de sucessão que prevê que em caso de renúncia do presidente da CBF assume o vice-presidente mais velho, Del Nero procurou e encontrou um aliado que fosse mais velho do que seus opositores. Tratava-se do coronel Antonio Carlos Nunes, presidente da Federação Paraense de Futebol aos 79 anos.

Antonio Carlos Nunes, presidente em exercício da CBF

A eleição foi alvo de pedidos de liminar na Justiça, mas a CBF conseguiu cassá-la e realizar o pleito normalmente. Em assembleia eleitoral presidida por ninguém mais ninguém menos do que o presidente da Federação Carioca, Rubens Lopes – sempre ele – Antonio Carlos Nunes foi eleito por clubes das Séries A e B e federações com apenas três votos contrários e cinco abstenções.

Diversos clubes da Liga participaram da votação e alguns, inclusive, votaram a favor do coronel. Os clubes e presidentes presentes aproveitaram a reunião no Rio de Janeiro e marcaram novo encontro para a manhã seguinte. Sem a presença de Kalil, que como ex-presidente de clube não participa mais de votações, o encontro ocorreu com tranquilidade e terminou com o anúncio do retorno do presidente Gilvan Tavares e do Cruzeiro bem como a anulação da eleição de Petraglia para co-presidente.

O discurso dos clubes dali pra frente era de que ninguém mais deixaria a Liga, mas o que acabou acontecendo foi a renúncia de Kalil, anunciada pelo Twitter. O ex-CEO anunciou que estava sendo sabotado por alguns clubes e desejou sorte a Liga.

O capítulo final dessa história aconteceu ainda nessa semana de estreia da competição. Depois de novas declarações contundentes do presidente da Federação Carioca e por troca de acusações públicas de todos os lados, a CBF emitiu uma nota oficial no dia 25 de janeiro  em que proíbe a participação dos clubes na Primeira Liga a partir do dia 1 de fevereiro, data posterior ao encerramento do período destinado a pré-temporada e, portanto, livre para amistosos. Mesmo com a nota assinada pelo presidente em exercício, coronel Nunes, o mesmo deu declarações desconexas sobre o assunto e chegou a dizer que precisava se inteirar sobre o assunto.

É diante de toda essa situação que os clubes estrearam hoje na Copa Sul-Minas-Rio. Batendo o pé que irão até o final da competição, independente das limitações impostas pela CBF e pelas federações estaduais, e cogitando, inclusive, boicotar o Campeonato Brasileiro caso sofram punições. Pelo jeito, a competição começou hoje, mas as brigas ainda estão longe de acabar.

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Atualização:

Desde que esse texto foi publicado e, após a primeira rodada da Copa Sul-Minas-Rio, também aconteceu:

Sem ligar para a CBF, o próprio público deu uma prova de força importante à Primeira Liga.

Carta branca à Primeira Liga evitou caos político no futebol brasileiro.


publicado em 27 de Janeiro de 2016, 22:06
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Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a Jornalismo Júnior, organizou campeonatos da ECAtlética e presidiu o JUCA. Siga ele no Facebook e comente Brenão.


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