O que aprendi sobre inovação construindo uma casa container

Romper o status quo, a burocracia e as forças conservadoras é muito mais difícil do que parece, mas, amigo, a sensação é deliciosa. E nós só estamos falando de casas contêiner.

Esta história começou em dezembro de 2014 quando iniciamos um projeto de construção de um sobrado feito com contêineres. De lá para cá muita coisa aconteceu e ainda não finalizamos a nossa construção – por vários motivos que serão listados no texto –, mas desta experiência extraí alguns insights sob a ótica da gestão da inovação, os quais pretendo compartilhar aqui.

Projetamos dois sobrados geminados com contêiner para moradia própria, sendo um de propriedade minha e de minha esposa e o outro do meu irmão e sua companheira.

Projeto do nosso sobrado contêiner.

Primeiro aprendizado: as pessoas não gostam de novas ideias

Talvez muitos estejam se perguntando já nas primeiras linhas deste texto “mas por que contêiner?” A minha resposta para essas perguntas é sempre a mesma, “por que não?”. Esta é a primeira barreira que se encontra ao optar por um método que vai contra os padrões de construção: a descrença e desconfiança das pessoas. E este é o primeiro aprendizado que tive com o desenvolvimento desse projeto: a maioria das pessoas não gosta de novas ideias até que sejam testadas e validadas por outras pessoas.

Ao iniciar um processo de inovação às vezes se encontra muita resistência entre a equipe (no nosso caso, os familiares) e mesmo que se argumente e comprove tecnicamente que é viável (que garante conforto como uma casa de alvenaria) será difícil convencê-los até que eles realmente tenham uma experiência com a inovação. Mudar paradigmas é o principal trabalho que se tem ao fazer inovação e qualquer falha ou dificuldade no processo será apontado como uma falha do modelo.

Fica tranquilo, ninguém vai passar calor, existe isolamento térmico

Existem inúmeras vantagens de uma construção em contêiner que chama atenção de qualquer pessoa.

Em primeiro lugar, há uma grande rapidez na construção. Você pode ter uma casa prontinha para morar com um tempo médio de construção de 30 a 90 dias. O custo da obra pode ficar em média 30% mais barato que uma construção convencional e na maioria dos casos uma simples fundação resolve, o que mantém a permeabilidade do solo. Há ainda a possibilidade de construir por módulos conforme a grana vai sobrando, e também transportar a casa toda para outro lugar sem precisar fazer uma mudança.

Além disso, o contêiner tem mais uma vantagem que é formidável e justifica todo trabalho de inovar: a sustentabilidade. Você já viu quanta água é desperdiçada em uma construção de alvenaria?

A construção civil é responsável por 50% do consumo de água potável do mundo. Estima-se que para confecção de 1 metro cúbico de concreto sejam utilizados entre 160 e 200 litros de água e, para a construção das paredes, em média 30 litros por metro quadrado. Não bastasse, construções em alvenaria utilizam muitos tijolos, feitos com queima de argila e emissores de uma quantidade enorme de CO² na atmosfera durante o processo de fabricação (lembra do efeito estufa?). Esse desperdício é praticamente inexistente em uma casa contêiner.

Nossa casa contêiner sendo instalada.

Segundo aprendizado: use as redes sociais a seu favor

O segundo aprendizado que tivemos é que as redes sociais são um campo formidável para buscar motivação e apoiadores para seu projeto. Minha experiência mostrou que, ao empreender uma inovação de qualquer natureza, usar e abusar das redes sociais é altamente recomendado.

Desde o início da construção da nossa casa usamos o Instagram como uma plataforma para nos conectarmos com outros entusiastas deste tipo de construção. A experiência de compartilhar os detalhes da nossa construção foi altamente gratificante e o contato com centenas de pessoas nesta rede social foi essencial para termos a certeza que estávamos no caminho certo.

Um agradecimento especial a todos os nossos 23 mil seguidores que acompanharam e viveram junto conosco nesta montanha russa de construir uma casa contêiner.

Terceiro aprendizado: inovação na política é apenas uma palavra bonita

Na sequência da história e na lista de aprendizados, o nosso projeto residencial foi feito por arquitetos e engenheiros de acordo com as normas previstas no plano diretor do município e submetido ao órgão municipal responsável pela aprovação de projetos residenciais. Foi analisado pela equipe de engenheiros da prefeitura e aprovado no prazo de 4 meses.

Acontece que nem tudo são flores e a nossa construção foi embargada pela Prefeitura logo no primeiro dia de instalação dos módulos de contêiner, sob alegação de que construir com contêiner era proibido na cidade.

Isto nos surpreendeu bastante, pois o nosso projeto foi aprovado pela própria prefeitura anteriormente. No projeto, me lembro de memória de estar escrito pelo menos 8 vezes que a construção era feita com contêiner e este foi aprovado sem ressalvas.

Ficamos muito frustrados com este acontecimento, mas serviu para aprendermos uma importante lição: inovação quando empregada por políticos é apenas uma palavra bonita.

Então nossa obra foi embargada logo após ter sido autorizada pela Prefeitura Municipal. De fato existe uma lei que proíbe a construção de projetos comerciais em contêiner na cidade e dificulta ao máximo projetos residenciais.

Esta mesma lei exige que projetos residenciais sejam aprovados por três órgãos distintos: a Secretaria de Planejamento de Balneário Camboriú (de onde estamos falando), o Conselho da Cidade e a Câmara de Vereadores. Este seria o trâmite correto que a prefeitura deveria ter feito antes de aprovar nosso projeto, mas como era uma lei que não altera o plano diretor os engenheiros da prefeitura nem sabiam de sua existência.

Essa é a "vista dos fundos" do projeto.

A lei que proíbe a construção em contêiner é de autoria de um senhor chamado Dão Koeddermann, o qual representa uma parcela dos políticos que encontramos em todas as esferas públicas e demonstram uma grande falta de visão de futuro e de sociedade. Quem quiser conhecer esta pérola do legislativo fique a vontade.

Antes de voltar ao assunto da nossa construção acho que vale um parêntese sobre o contexto de aprovação desta lei. Em 2009 a franquia Container Store chegou a se instalar na cidade com a sua proposta de lojas feitas com contêiner. O simples fato desta empresa iniciar a obra na cidade utilizando módulos de contêiner causou um alvoroço entre os empresários, os quais ficaram com medo da concorrência, tendo em vista que o custo de instalação era muito menor daqueles que haviam construído com alvenaria.

Os legisladores e os governantes ainda não entenderam o poder da inovação para o desenvolvimento econômico e social.

Estes empresários foram atrás dos vereadores e pediram uma lei que proibisse comércios em contêiner de se instalarem na cidade sob alegação de que seria mais barato para quem usasse contêiner na construção e, portanto, era uma concorrência desproporcional (dá pra acreditar?). Algo muito parecido com o que acontece com o Uber em muitas cidades hoje em dia.

Obra embargada por 6 meses porque era com contêiner.

Quarto aprendizado: reúna apoiadores e disposição para provar sua ideia

A partir do dia em que nossa construção foi embargada começamos uma saga para podermos retomá-la. Estivemos dezenas de vezes na Secretaria de Planejamento pedindo agilidade e precisamos fazer uma jornada enorme para conversar com todos os vereadores da cidade e mostrá-los que nosso projeto estava de acordo com todas as normas técnicas do plano diretor.

Uma recomendação que fica a qualquer pessoa que for desenvolver um projeto é: mapeie todos os stakeholders e não poupe sola de sapato para convencê-los de que seu projeto vale a pena.

Além de conversar pessoalmente com os vereadores precisamos utilizar o nosso Instagram como uma forma de pressão aos agentes públicos para que dessem agilidade no processo. Precisamos também pautar alguns veículos locais de comunicação, assim diversas matérias saíram na rádio, televisão e jornais da cidade aumentando a polêmica sobre os contêineres em Balneário Camboriú e favorecendo a agilidade do nosso processo.

Foram necessários mais de seis meses de burocracia para o Conselho da Cidade aprovar o projeto e, posteriormente, a Câmara de Vereadores. Ao total enfrentamos dez meses de burocracia com o projeto da nossa casa, apenas por ser construída com contêiner.

O mais absurdo dessa história é que para tramitar na Câmara de Vereadores, este projeto residencial e arquitetônico precisou ser transformado em um projeto de lei, para tramitar em todas as respectivas comissões da câmara, receber diversos pareceres técnicos para só então enfim ser votada no plenário.

Outros projetos com contêiner. Dá pra ficar legal, né?

Quinto aprendizado: a inovação tem um custo, principalmente para os pioneiros

No dia 3 de dezembro de 2015 foi sancionada pelo prefeito a lei que autoriza a construirmos nossa casa (alguém mais aqui tem uma lei para chamar de sua?) e assim seremos os primeiros (legalmente) a ter uma casa contêiner em Balneário Camboriú. Destes 10 meses de burocracia desnecessária aprendemos que a inovação tem um custo e os primeiros adeptos tem um custo marginal superior aos demais adeptos na curva de adoção.

Esse aprendizado ficará mais fácil de assimilar quando vocês assistirem o vídeo abaixo que explica como ocorre o processo de difusão de uma inovação na sociedade.

Sexto aprendizado: é preciso muita disposição para ser o líder

Esse custo que falo não é estritamente financeiro, mas pode ser de diversas naturezas como emocional, burocrático ou até mesmo alguma sanção social como exclusão pelo grupo, por exemplo. Mas com esta situação aprendemos também que se você for realmente inovador você precisa estar disposto a fazer o que ninguém fez e isto implica em não ter ninguém para seguir.

Ao introduzir inovações você poderá causar algumas instabilidades no sistema (seja um grupo de pessoas, uma empresa, um bairro ou uma cidade) e isto resultará em grande pressão do grupo pela conformidade na tentativa de voltar ao status anterior. São as famosas forças conservadoras.

Todos aqueles que pensarem em introduzir uma inovação na sua empresa ou em qualquer ambiente que seja, tenham em mente que inovação é mudar paradigmas, mudar culturas, mudar modelos mentais e isso não é nada fácil.

Além destes aprendizados sob a ótica da Gestão da Inovação esta experiência trouxe grandes conhecimentos na área da construção civil e por isso ainda sonho em fazer desta paixão por casas contêiner em um projeto de empresa.

Construir em escala casas contêiner no melhor estilo Tiny House, aliando conforto, design e sustentabilidade seria mais do que um negócio, uma missão de vida.

Esse é o movimento Tiny House.

Esta história ainda não acabou, nossa obra continua, porém em um ritmo mais lento, em virtude das dificuldades financeiras. Mas quem quiser mais informações sobre casas contêineres siga nosso Instagram e fique a vontade para interagir.

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Atualização: Após a publicação deste artigo foi aprovada lei que autoriza a construção de comércios e residências em Balneário Camboriú com contêiner.


publicado em 25 de Maio de 2016, 15:18
Gustavo canova

Gustavo Canova

Gustavo Canova é Relações Públicas e acredita no poder da inovação para o desenvolvimento social e econômico. Compartilha suas experiências com sua casa container no Instagram e também pode ser encontrado no Facebook.


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