O que aprendi sobre dor, vícios e fugas | Caixa-preta #31

Zé Luiz perdeu a mãe e o pai ainda na adolescência. Buscou refúgio no álcool, em remédios e aprendeu a duras penas que não é possível fugir da dor ou do luto

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Desde muito cedo, somos incentivados a “tomar uma”.

Se não for em família ou com a tonelada de influências de filmes e TVs que nos cercam, há também o círculo de amigos. Pô! Todo mundo que é cool na escola ou no bairro bebe. Há certa emoção em quebrar a lei e conseguir arrumar bebida antes dos 18. Volta e meia, sempre tem um amigo que diz: “Vai lá! Não seja frouxo”.

É algo comum. E em certos casos pode até ser apenas isso, algo corriqueiro. Mas nem sempre.

Todos os anos, de acordo com um levantamento da OMS, um total de 3,3 milhões de pessoas morrem pelas consequências da bebida. O mesmo estudo também constatou que, para além dos casos críticos, o abuso de álcool também pode ser apontado como causa para mais de 200 doenças, incluindo mentais. Na casa de Zé Luiz, as duas coisas aconteceram.

Ainda adolescente, ele e sua irmã se viram sozinhos em meio ao luto. Pouco depois de perderem a mãe, tiveram de lidar também com a ausência do pai — que faleceu por conta de complicações de saúde ligadas ao alcoolismo. Sem repertório para enfrentar as questões que vivia, o filho seguiu o mesmo caminho.

“Eu não tive uma adolescência normal porque tava lidando com todos esses problemas emocionais e familiares. Aconteceu que, depois de meu pai ter morrido, quando eu fiz 18 ou 19 anos, aí comecei a viver que nem adolescente, Entrei numa loucura, comecei a usar de tudo, beber muito, e fiz isso durante quase 10 anos”.

A mistura entre luto mal resolvido, silêncio, álcool (e outras substâncias químicas) foi perigosa. Depois de um surto, Zé Luiz foi internado por dois meses em uma instituição psiquiátrica.

“Quando você está numa depressão, tem crises de pânico, fobia social e está muito imerso nisso, o pior pensamento de todos é o de que você nunca vai conseguir sair disso. Que você é assim e vai ser assim pro resto da sua vida”.

Durante essa experiência internado e nos meses que se seguiram, entendeu a duras penas que você até consegue mascarar os sintomas de uma depressão ou algo assim por um tempo, mas que, a longo prazo, fugir da dor não mexe no cerne do problema.

A dor não é causa. É sintoma.

“O que eu vejo hoje em dia é que é necessário você sentir dor, sofrer. É o único recurso que a gente tem para saber que a gente precisa mudar alguma coisa. Que a gente precisa aprender alguma coisa”.

***

Agradeço muitíssimo à generosidade do Zé Luiz ao participar do Caixa-Preta e dividir uma história tão visceral quanto essa conosco. Acho que a coisa mais especial que essa série de vídeos proporciona é nos dar a chance de ouvir e aprender uns com os outros. Seguimos o papo nos comentários.

Mecenas: Natura Homem

Natura Homem acredita que existem tantas maneiras de exercer as masculinidades quanto o número de homens que existem no mundo. Aprender a identificar e a lidar com nossos sentimentos e dores também faz parte de quem somos.

Seja homem? Seja você. Por inteiro.

Natura Homem celebra todas as maneiras de ser homem.


publicado em 20 de Janeiro de 2018, 00:05
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Ismael dos Anjos

Ismael dos Anjos é mineiro, jornalista e fotógrafo. Acredita que uma boa história, não importa o formato escolhido, tem o poder de fomentar diálogos, humanizar, provocar empatia, educar, inspirar e fazer das pessoas protagonistas de suas próprias narrativas. Siga-o no Instagram.


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