"O que aprendi com a desescolarização" | Ana Thomaz

"Desescolarização" não é bem o tema desse vídeo. Ana Thomaz nos leva a um percurso incrível de uma hora sobre as possibilidades de aproveitar a educação dos filhos para se desenvolver, se trabalhar, crescer e fazer crescer outra cultura.

Se você é pai ou pretende ser pai, se é mãe ou pretende ser mãe, se também já passou mais de uma década dentro da escola, eu aposto que vai se beneficiar com essa fala sem cortes, envolvida num riquíssimo pano de fundo corporal e intelectual: técnica Alexander, teatro, Humberto Maturana, Espinosa, Deleuze, Nietzsche, Foucault...

O lance é fazer o percurso do vídeo inteiro, mas para facilitar nossa conversa deixo algumas das falas que mais me marcaram, enquanto ouvíamos sentados no chão da casa da Ana, Isabella Ianelli e eu, com a Luiza de Castro alternando entre três câmeras. Aliás, a Luiza demorou demais para editar pois sempre se esquecia do trabalho, imersa em insights.

Link VimeoLink YouTubeMP3 para download | Lá pelos 49 minutos, ela fala sobre pais que mimam (aliás, a melhor história está no fim, mas só faz sentido se você ouvir tudo antes)

 

"Paradoxalmente, o autoconhecimento não se dá sozinho, fora do encontro. Eu não me fecho para me conhecer, eu entro em relação para me conhecer. Eu me conheço através dos outros, através dos acontecimentos à minha volta."

 

"Se eu me sentia travada, com raiva, emocionalmente fixa com aquele situação, o problema era meu. Elas tinham outro problema, mas aquele problema era eu: eu que estava triste, eu que estava frustrada. Elas não estavam me dando aquele problema. Era meu. Só estava vindo à superfície por causa do encontro. O que o encontro me deu foi o conhecimento de mim mesma, de algo que estava ali, guardadinho."

 

"Elas ouvem o que eu estou sentindo, não o que eu estou falando, qualquer criança faz isso com um adulto."

 

"Eu fui entendendo que o que eu poderia fazer era continuar o meu processo de desenvolvimento, só que na frente delas. [...] O que eu comecei a fazer foi a me trabalhar a partir do encontro com elas. Então, por exemplo, uma filha chorava, qualquer motivo que fosse, eu entrava em contato com o que eu sentia com aquele choro, e não com o que eu deveria fazer para resolver o problema dela. [...] Eu percebia que aquele choro era meu, às vezes eu percebia que eu precisaria que ela fosse uma menina que não chorasse para eu me sentir uma mãe melhor."

 

"Depois da experiência de um parto nas minhas mãos, eu já não queria ter mais nenhum tipo de necessidade de me apoiar em coisas que me garantissem alguma coisa. Até então eu estava muito na garantia: eu estava olhando se eu podia garantir que o meu filho estava num bom caminho. Ali eu rompi com a garantia. Não se tem garantia na vida."

 

"Por que não aproveitar tanto o choro quanto o riso quanto o problema como desenvolvimento? [...] A distração seria resolver problemas. E, não, o problema em si é um encontro."

 

"E então eu fui fazendo essa prática: de parar de me atrapalhar."

 

"A vida social dá muito problema. Estar ao lado do outro. Muitas brigas internas, muita competição... Puxa, como é que a gente não se preparou para isso? Sou adulta já e não fui preparada para isso. [...] Eu sentia que a escola não me preparava para os objetivos que eu tinha na vida. [...] Eu olhei para trás e vi que poderia ter sido diferente. Poderia ter sido diferente a minha formação escolar. Então eu decidir fazer diferente as minhas aulas e a minha formação dali em diante."

 

"Eu me distraía achando que minha meta era ser mãe, minha meta era ser bailarina, minha meta era ser professora. Isso é uma distração e aí a gente começa a trabalhar pra isso. Nossa meta é potencializar nossa potência. Nossa meta é a existência plena. Então eu comecei a ver que ele [meu filho] não estava se distraindo com a técnica (mágica) para a existência plena dele. Tanto que ele poderia abandonar aquilo de uma hora pra outra e começar tudo de novo de uma outra maneira."

 

A nossa cultura é anti-vida, é uma cultura de distrações. Você nasce e daqui a pouco você já esquece a meta. Porque é tanta distração: escola, leis, entretenimento, fantasias, consumo... Consumo é pura distração."

 

"Eu uso a maternidade como uma ferramenta para refinar meu desenvolvimento. Eu tento não me distrair sendo mãe."

 

"Eu me propus a não dar garantia para mim mesma na educação delas, a não usar poder e ameaças e a não escolarizar. Quer dizer, eu estava perdida. O que me segurava realmente foi a experiência. Quando você tem uma experiência desse nível, de um parto, que é um processo de vida, na sua mão, você... confia, você para de achar que você precisa de certas estruturas que até então você até então precisaria."

 

"Às vezes só de eu estar com o olhar tranquilo na frente delas, a coisa se resolvia."

 

"Elas começaram a ter contato não com uma mãe que é calma e paciente, mas com uma mãe que se trabalha dessa maneira enquanto enfrenta um problema. Sem que eu falasse nada, eu comecei a perceber que elas estavam entendendo que eu faço alguma coisa, que eu estava ensinando, indiretamente, um processo para elas. Porque aí eu começo a ver uma fazendo com a outra. O que me levou a pensar: essas meninas estão se preparando para, seja o que for, conviver socialmente. Porque elas estão entendendo que não se pode culpar o outro, porque elas não estão se sentindo culpadas, que elas não precisam melhorar para que eu fique bem. Ali eu comecei a entender que a gente está entrando em uma matéria essencial no desenvolvimento do ser humano em sociedade: que é cada um assumir a responsabilidade pelo que sente, pela realidade que cria, e em relação."

 

Os pais se sentem ameaçados pelos seus pequenos filhos. Esse excesso de mimo que a gente vê nada mais é do que uma resposta a uma ameaça. [...] Ameaça do dia: por meu filho para tomar banho. Ameaça do dia: fazer meu filho almoçar. Ameaça do dia: por uma roupa pra gente sair. Nessa resposta a essas ameaças vem todo esse falso respeito achando que está dando liberdade: "O que você quer comer hoje?"."

 

"Em vez de me sentir ameaçada e ameaçar, comecei a me desafiar e a jogar desafios para as crianças."

 

"Transformar aquela emoção em força de ação: esse é um desenvolvimento. Uma criança não consegue fazer isso. Quando ela tem uma emoção, ela expressa. Se ela for muito bem treinada, ela vai embutir. [...] O que a gente vê nos adultos hoje em dia: os adultos expressando suas emoções, o que é ridículo. Um adulto de 30 anos não é pra dar chilique. E você vê uma criança dando chilique, e o adulto dando em cima. Então, eu aceito uma criança expressando; e eu não me aceito me expressando. Eu me aceito fazendo com que a emoção que vem se transforme em força de ação. Quando a criança vê isso, ela está tendo uma aula disso. Esse é o lugar, esse é o lugar que a gente precisa conquistar."

 

"Esse processo não depende da mudança de fora. Você não precisa que a realidade te apoie. Você não precisa sair dessa sociedade para isso acontecer. É nessa sociedade que você faz o trabalho. [...] Eu não acho a nossa sociedade perdida, irremediável, tem coisas incríveis acontecendo."

 

"Cada vez mais eu me incomodo menos -- cada vez mais estou criando uma outra cultura dentro de mim, um outro modo de agir e me relacionar -- e cada vez menos eu incomodo. [...] Então eu aceito todo o antagonismo, me alimento dele, transmuto para que ele seja fonte de crescimento, e não antagonizo de volta. Quem não ataca para de ser atacado."

Quer colocar isso em prática?

Para quem está cansado de apenas ler, entender e compartilhar sabedorias que não sabemos como praticar, criamos o lugar: um espaço online para pessoas dispostas a fazer o trabalho (diário, paciente e às vezes sujo) da transformação.

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publicado em 16 de Maio de 2013, 09:50
Gustavo gitti julho 2015 200

Gustavo Gitti

Professor de TaKeTiNa, colunista da revista Vida Simples, autor do antigo Não2Não1 e coordenador do lugar. Interessado na transformação pelo ritmo e pelo silêncio. No Twitter, no Instagram e no Facebook. Seu site: www.gustavogitti.com


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