O que aprender com Juliano Belletti

Quatro campeonatos estaduais, uma Copa do Brasil e um campeonato brasileiro. Dois campeonatos espanhóis, um inglês, uma Champions League com gol decisivo na final contra o Arsenal. Uma Copa do Mundo pela seleção brasileira. Ou seja, um desses resumos de carreira que tornariam um jogador uma dessas sumidades inquestionáveis do futebol, rivalizando com Ronaldos e Rivaldos ou pelo menos no mesmo nível – em termos de conquistas – que Robinhos e Adrianos da vida, certo?

Errado.

Não estamos falando de um jogador amado pela torcida e querido pelos comentaristas. Não estamos falando de um meia armador famoso pela habilidade, de um atacante lendário pelos gols, de um ponta denilsoniano que conquistou o mundo com pedaladas, carretilhas e chapeuzinhos em zagueiros. Na verdade estamos falando de um cara que possivelmente é a antítese disso tudo. Sim, estamos falando do Belletti.

Um volante meia que também joga de lateral

A trajetória de Belletti não é muito complicada de se contar. Originalmente um goleiro de futsal, foi descoberto numa peneira do Cruzeiro e começou a carreira profissional como volante, aos 18 anos. Aos 19 já era convocado para a seleção, ainda nessa mesma posição, indo do Cruzeiro para o São Paulo e de lá emprestado para o Atlético Mineiro, onde começou a jogar como meia pela direita, se destacando no brasileirão de 99. Daí então voltou ao São Paulo onde, diante da necessidade de um lateral-direito na equipe, se voluntariou a ocupar a posição, para a qual voltou a ser convocado para a seleção brasileira e foi contratado pelo Villareal da Espanha.

Sabe o Belletti? Ganhou mais títulos que o Kaká. Sabe o Kaká?

Na Europa passou duas temporadas no Villareal até ser comprado pelo Barcelona, onde permaneceu por três temporadas e se eternizou com o gol na final da Liga dos Campeões de 2006, decidindo o jogo e deixando em segundo plano craques como Ronaldinho, Eto’o e Henry. Daí foi então para o Chelsea e ganhou um campeonato inglês e duas Copas da Inglaterra, antes de voltar ao Brasil e fazer parte do Fluminense campeão brasileiro de 2010. Ou seja, quer a gente goste ou não dele, temos que admitir que o cara se divertiu.

Mas por que o Belletti?

Mas o que Juliano Haus Belletti tem de tão especial? Afinal, não se trata de um craque lendário como um Pelé, não se trata de um ícone polêmico como um Sócrates, não é nem de longe uma história de superação impressionante como a de um Ronaldo. E talvez seja exatamente isso que torne a trajetória de um cara como ele tão fascinante: o fato de estarmos falando de um jogador que pra maioria das pessoas nunca foi mais do que comum.

Belletti era considerado por muitos um jogador normal, sem absolutamente nada de acima da média. Não tinha a habilidade de um Ronaldinho, a categoria de um Zidane, a velocidade de um Messi. Não era o cara que apareceria fazendo embaixadinhas numa propaganda da Nike, não seria sua primeira opção como garoto propaganda de TVs de tela plana, dificilmente teria a própria linha de cuecas. Mas mesmo assim ele foi lá, viu e venceu. E por que?

Link YouTube | Gol do título da Champions de 2006: ninguém esquece

Porque existem coisas que são tão importantes quanto habilidade natural e capacidade técnica. Existe a dedicação, existe a ambição, existe a vontade de agarrar oportunidades, existe a capacidade de reconhecer e trabalhar as suas limitações para chegar o mais longe que você puder. E Belletti representa, ao menos pra mim, umas das melhores personificações disso que o futebol pode oferecer.

O que podemos aprender com um lateral-direito reserva?

E claro, eu sei que soa esquisito pra alguém que quer tirar lições do futebol pra vida usar como exemplo logo um lateral-direito. E sendo um lateral direito ser logo um dos menos habilidosos. E sendo um dos menos habilidosos ser logo o Belleti. Mas eu acho que existe muito que nós podemos aprender com a trajetória desse ex-lateral reserva da seleção.

Belletti era um cara sem medo de mudanças. Foi volante, meia, lateral e desconfio que teria facilmente ido pra ponta esquerda ou colocado luvas de goleiro se o treinador pedisse. Também era um cara que sabia trabalhar em grupo, já que em vários times amargou a reserva e nem por isso forçou a saída ou desestabilizou a equipe, se preocupando em contribuir quando e como pudesse. Além disso aliava a confiança necessária para marcar um Cristiano Ronaldo sem medo com o conhecimento dos próprios limites necessário para saber que depois de roubar a bola o melhor era tocar logo pra não perder a bola pro mesmo Cristiano Ronaldo que ele tinha marcado.

A dura vida de um jogador comum

Numa era de atletas talentosos porém mimados, habilidosos porém sem limites, que gerou uma lista de jogadores com enorme potencial técnico mas total e absoluto descontrole emocional como Adriano e Carlos Alberto, entre outros, Belletti é um exemplo do cara que, mesmo sem tanta habilidade ou capacidade técnica, venceu pela disposição, dedicação e capacidade de aproveitar oportunidades.

No meio de tantos diferenciados, de tantos especiais, ele, que era considerado por todos nós como um dos mais “comuns”, mostrou que é possível chegar muito mais longe compensando uma possível falta de talento com doses generosas de coragem e dedicação do que o contrário. E fazendo um gol numa final de Copa dos Campeões nos lembrou que ainda que nem todos nós tenhamos toda essa habilidade pra driblar as coisas na vida, às vezes dá pra compensar isso com dedicação, vontade e uma imensa disposição pra sair por aí distribuindo carrinhos.


publicado em 15 de Março de 2012, 09:39
Selfie casa antiga

João Baldi Jr.

João Baldi Jr. é jornalista, roteirista iniciante e o cara que separa as brigas da turma do deixa disso. Gosta de pão de queijo, futebol, comédia romântica. Não gosta de falsidade, gente que fica parada na porta do metrô, quando molha a barra da calça na poça d'água. Escreve no (www.justwrapped.me/) e discute diariamente os grandes temas - pagode, flamengo, geopolítica contemporânea e modernidade líquida. No Twitter, é o (@joaoluisjr)


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