O que a depressão de Whindersson Nunes tem a ver com os homens?

Precisamos entender a depressão porque estamos falando do Mal do Século e que, em poucos anos, terá se tornado a mais incapacitante dentre todas as doenças.

Há mais ou menos um mês, o comediante Whindersson Nunes desabafou no twitter sobre seu sentimento de tristeza e falou sobre sua depressão. Talvez o relato de Whindersson tenha surpreendido muitas pessoas justamente porque a imagem pública de um comediante não se parece com o estereótipo que temos da depressão.

Precisamos entender a depressão porque estamos falando do Mal do Século, de um transtorno que só cresce no mundo globalizado e que, em poucos anos, terá se tornado a mais incapacitante dentre todas as doenças. E para entender a depressão, é preciso olhar para além do estigma e ver que a depressão é mais complexa que um estado de melancolia estampado na face de quem o carrega.

Em 2017, a Organização Mundial de Saúde divulgou um estudo sobre os transtornos de depressão e de ansiedade pelo mundo. Em 10 anos, o número de casos de depressão aumentou 18% no mundo todo. No Brasil, a depressão atinge 5,8% da população, sendo mais prevalente em mulheres. Segundo o artigo da Revista Psiquiatria Clínica, Em cada três pessoas  diagnosticadas com depressão, duas são mulheres e um é homem. Apesar da depressão acometer mais mulheres, são os homens os que mais cometem suicídio, quatro vezes mais que as mulheres.

“Agora todo mundo tem depressão...”

Whindersson Nunes se afasta do trabalho por uns tempos pra tratar depressão

Não é de hoje que a depressão é vista por muitos como “frescura”. Com o aumento de casos de depressão e ansiedade, há, por um lado, uma maior conscientização sobre o tema e, por outro, uma banalização do problema.

Depressão é coisa séria, afeta de maneira profunda a vida de quem sofre e não passa de uma hora para outra. Entende-se que apesar dos homens receberem menos diagnósticos em relação a depressão, eles acabam cometendo mais suicídio porque não conseguem procurar ajuda.

“A depressão é uma doença”

Hoje, é mais comum que as pessoas entendam que a depressão envolve desequilíbrios químicos no cérebro. Em um indivíduo com depressão, a produção de neurotransmissores cai, atrapalhando as respostas cerebrais aos estímulos externos.

É por isso que a depressão não passa quando as pessoas que amamos fazem de tudo para nos animar e é por isso também que a medicação tem um papel importante no tratamento.

Em um artigo que o Nexo publicou recentemente, há uma discussão sobre as consequências de olhar para a depressão como uma “doença” gerada pelo “desbalanço químico”. Segundo a reportagem, olhar para a fisiologia e o seu funcionamento, ou seja, entender que há uma diferença química no cérebro, não explica a raiz do problema, o porquê esse desbalanço existe.

A depressão, assim como outros transtornos psicológicos, seria um transtorno multifatorial, ou seja, influenciado por mais de um fator. A genética tem seu papel e as condições de vida também e, por isso, é preciso cuidar das duas pontas. Entende-se na psicologia, que a depressão é bio-psico-social: uma questão psicológica que tem raízes tanto biológicas quanto sociais. Portanto, o tratamento com medicação tem de ser feito ao lado da psicoterapia.

O Uol Tab também publicou uma reportagem especial que fala sobre depressão, olhando para como os fatores sociais acabam levando para o desenvolvimento da doença. Nesta entrevista, a psicanalista Maria Rita Kehl declara:

“Se o sujeito começa a tratar seu sofrimento só com medicamentos e nunca passa pela experiência de uma terapia da fala, tem grandes chances de se tornar um depressivo crônico".

A depressão no mundo acelerado

O sociólogo espanhol Manuel Castells, aponta que com o desenvolvimento da tecnologia, a concepção de tempo e espaço mudaram bruscamente.

A aceleração da vida e as mudanças do mundo, do mercado, da economia, tem criado um ambiente social insalubre para a saúde mental. As cobranças, o estresse, a necessidade de estar sempre alerta, a quantidade de informações com as quais somos bombardeados e falta de tempo para refletir sobre nós e sobre como lidamos com o mundo, têm contribuído para o adoecimento mental.

"Nos últimos 20 anos, a nossa cultura foi muito sensível ao nosso cuidado com o corpo. Veja as academias de ginástica, os cuidados com a alimentação e com a poluição. Quantas campanhas tivemos para o cuidado da alma?" - Cristian Dunker para o Uol Tab

A masculinidade e a (falta de) coragem de pedir ajuda

Na nossa sociedade, apesar dos avanços, o ato de cuidar-se ainda não é visto como algo desejável para o modelo de homem “macho”. Falar dos sentimentos, desabafar, mostrar-se vulnerável e pedir ajuda também não.

O Fred Mattos, inclusive, escreveu um texto falando sobre depressão masculina, apontando como ela tem alguns aspectos particulares relacionados à necessidade de corresponder a um modelo de masculinidade.

"A depressão masculina é um tipo de lembrete da própria humanidade do homem que é chacoalhado em sua tentativa de se defender dos seus próprios medos." - Fred Mattos

Ainda segundo o artigo da revista de psiquiatria, pessoas que com altos níveis de estresse e em situações de vulnerabilidade - ou seja, menos protegidas econômica e socialmente - tem maior tendência a desencadear a depressão. Homens negros, por exemplo, apresentam mais casos de depressão que homens brancos. O comediante Yuri Marçal, inclusive, tem abordado bastante o tema, incentivando seus seguidores a buscar terapia, ajuda, conversa e a repensar a masculinidade e a paternidade.

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A valorização do sucesso a partir do "mérito" e dos grandes esforços individuais, pode nos levar a acreditar que é preciso resolver tudo sozinhos. E, de preferência, sem demora. Se as pressões de gênero cobram isso dos homens por um lado, as pressões de mercado cobram isso de todos, por todos os lados. Não é à toa que os transtornos depressivos têm aumentado em todo o mundo, junto com síndromes como o Burnout.

Não há vacina que previna a depressão, mas cultivar um modo de vida e de lidar com o cotidiano mais saudável e equilibrado ajuda a evitar seus gatilhos sociais.

Além disso, é preciso que cada um reconheça sua necessidade de parar para refletir e cuidar da própria saúde mental. Procure amigos de confiança para conversar quando sentir que for preciso. Se for o caso, experimente a terapia. Dê uma chance pra ver se gosta, pra desfazer algum preconceito. Cuidado não é frescura.

E você, tem cuidado da sua cabeça e do seu equilíbrio mental? Conte pra gente como aqui nos comentários.


publicado em 03 de Maio de 2019, 16:24
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Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro "Amulherar-se" . Atualmente também sou mestranda da ECA USP, pesquisando a comunicação da sexualidade nas redes e curso segunda graduação, em psicologia.


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