O programado acontecimento espontâneo

Ao contrário do que dizem por aí, tudo é por acaso. Não temos o menor controle das ações e atos que nos envolvem. Uma batida de carro ou um tropeção na calçada, não importa.

Essas coisas simplesmente acontecem.

O intrigante não é bem a sucessão de surpresas, mas sua ordem. O que determina uma atitude aparentemente sem precedentes parece um eterno mistério. E não consigo chamar de destino situações tão espontâneas. Situações essas que, por um motivo bastante plausível, são cada vez mais escassas.

É uma questão absolutamente temporal. Essa ordem natural estabelecida pelo universo trata de não pregar peças. É o bom e clichê “Faço minha vida e curso meu caminho”. Tudo isso sem grandes frustrações, desilusões ou arrependimentos.

São os que preferem não programar. Porém são programados.

Você realmente precisa de um desses?

A vida nos prega peças que nem nos damos conta. São singelos fatos que, somados, determinam uma decisão ou até mesmo o resto da sua vida. Tipo, sei lá, chegar 20 segundos antes no trabalho.

Nos 900 metros que separam o apartamento do QG escolhi uma música no iPod. Minha falta de coordenação pede passos mais lentos para decidir entre Abbey Road, Rubber Soul ou Revolver. Não faço uma parada estratégia na padaria dessa vez, deixo para fazer um chimarrão na agência.

Aproximo-me do QG e, merda, esqueci a chave em casa. Volto. Perco minutos. Corro para recuperar o prazo e viro a esquina da rua Ministro Ferreira Alves. Susto. Esbarrão. Lá, somente uma pessoa. Ela, como se me esperasse. Conversamos durante um minuto. Há muito tempo não a via. Nem sabia que estava em São Paulo.

Despedimo-nos com um singelo beijo no rosto e abraço tímido. Ela seguia pelo corredor enquanto eu, atônito, torcia por um último olhar seu. Olhar esse que não veio. E a esquina ela virou sem dar brecha para um novo encontro.

Já no meu computador, durante quatro horas, nada mais povoava minha mente a não ser aquele fato. Durante todo esse tempo eu refleti sobre o que tinha conversando nesse minuto, se tinha dito alguma besteira ou feito alguma piadinha, boa ou ruim. Não cheguei a uma conclusão. Apenas soube que, sem crer em destino, o acaso estava do meu lado.

Hiato.

Fred?

Vê-lo virando a esquina não se trata de um absurdo dos acontecimentos existenciais, mas sim, algo que estava traçado. Não importaria caso eu demorasse mais ou menos para terminar a maquiagem ou então tivesse escolhido o vestido preto que combinasse com o sapato Prada. Eu poderia estar vestida de Mulher Maravilha que o Fred entraria na rua Ministro Ferreira Alves. Isso, meninas, é o destino.

Nada mais explica o motivo dele ressurgir na minha frente, depois de tanto tempo. Em algum momento, em algum lugar, algo conspirou para tal acontecimento. E isso me fez refletir o que ele pensa sobre isso. Pois, se não fosse hoje, seria amanhã ou depois. Não é uma questão de quando, mas de como e porque isso aconteceu. Houve uma mãozinha do acaso.

Para um primeiro reencontro, um beijo simples e encabulado no rosto está de bom tamanho. Quem sabe um outro dia, um outro local e mais que um minuto de conversa. Afinal, merecemos mais tempo juntos. Mereço um final feliz. Por isso, sonho. E espero. Nosso dia chegará. Eu sei. Pois nada é por acaso.

Afinal, hoje, o destino sorriu para mim.

A tênue linha entre a inocência do destino e o pessimismo dos céticos

Uma afirmação sobre o destino: o que difere o crente do incrédulo são as inúmeras amarras da vida. Ou seja, um acontecimento especial nada mais é que o resultado de uma oportunidade aproveitada.

Falta improviso no mundo. Devemos ver os minutos que ficaram para trás não como tempo perdido, mas sim como o motivo de um reencontro. É preciso ter a sensibilidade de não creditar coisas boas ao mero alinhamento dos planetas.

Coincidências são atitudes de alto valor emotivo e com um significado maior do que tentam definir. Logo, valorize-as.

A rotina, já diziam, é o hábito de se negar a pensar. Então faça mais, ouse mais. Saia da linha.

O presente não tem esse nome à toa.


publicado em 26 de Novembro de 2011, 06:15
File

Fred Fagundes

Fred Fagundes é gremista, gaúcho e bagual reprodutor. Já foi office boy, operador de CPD e diagramador de jornal. Considera futebol cultura. É maragato, jornalista e dono das melhores vagas em estacionamentos. Autor do "Top10Basf". Twitter: @fagundes.


Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.

Sugestões de leitura