O primeiro homem

Era um dia como outro qualquer no Paraíso. O sol havia acabado de nascer. Elefantes tomavam banho no lago, leões se espreguiçavam e pássaros voavam de uma árvore para outra.

Era um dia como outro qualquer no Paraíso, exceto pelo fato de que, sob a sombra de uma árvore mais afastada, uma dupla observava tudo atentamente e em silêncio.

– Vai fazer um dia bonito hoje, comentou a serpente.

Deus ergueu os olhos e olhou de um lado para o outro antes de responder.

– Acho que sim.
– Acho que sim.

Deus sabia que essa reunião aconteceria mais cedo ou mais tarde, especialmente agora que o Paraíso estava quase finalizado e pronto para ser iniciado. Ele e a serpente precisavam estabelecer algumas regras e dividir o campo de atuação de cada um. Mas, como acontecia em toda reunião de negócios, uma conversa informal servia para quebrar o gelo.

Deus olhou novamente ao redor, despreocupado.

– Você gostou do layout?

– Bastante. Acho que está bem distribuído. Têm árvores suficientes, e as montanhas estão no lugar certo... Mas eu preferia que pelo menos um dos lagos tivesse lava.

– Lava?

– Isso. Lá embaixo nós temos lagos de lava. Dá um efeito legal.

– Não. Não acho que iria combinar.

A serpente respirou fundo, mostrando que, antes mesmo de tocar o assunto, sabia que lagos com lava não fariam parte dos planos divinos, mas não custava tentar. Olhou um grupo de cavalos correndo pelo gramado e decidiu que era uma boa oportunidade de entrar em assuntos mais sérios.

– Vai dar um trabalhão cuidar deste gramado.

– Sim, você tem razão.

– Você vai precisar ter um animal encarregado disso aqui embaixo.

– Sim. Eu sei disso.

– E Você tem alguma ideia? Porque eu preciso começar a me planejar.

– Como assim?

– Você sabe as regras tão bem quanto eu. Você vai criar o Paraíso, e eu vou causar o maior estrago que conseguir. É assim que funciona.

– Eu sei.

– Mas para isso eu preciso saber quem vai ser o encarregado aqui embaixo. Não posso ficar jogando tentações em um animal atrás do outro, até acertar. Eu preciso saber com que vou ter que falar.

– Eu sei. Eu apenas ainda não Me decidi sobre quem será o escolhido.

– Aliás, falando em tentações... Aquele negócio da maçã já está decidido?

– Não é uma maçã. É um fruto.

– Que seja. Já está decidido?

– Sim, será um fruto.

– Não tem como mudar isso?

– Mudar?

– Isso. Que tal picanha?

– Nem pensar.

– Você sabe que eles vão mexer nessa árvore mais cedo ou mais tarde. Eles vão cair em tentação. É inevitável. Então você podia facilitar um pouco minha vida. É muito mais fácil despertar a curiosidade e a tentação falando sobre uma picanha do que sobre uma maçã.

– Não. Esqueça.

– Para você não vai mudar nada. O estrago vai ser o mesmo. E uma árvore com picanhas... Os animais iam gostar disso.

– Não.

– E uísque? Eu consigo ver uma árvore cheia de garrafas de uísque. Seria a sensação do Paraíso.

– Não.

– Mas por que maçã? O que tem de tão especial com maçãs?

– Não é maçã. É um fruto. Eu estava pensando sobre os macacos.

A serpente suspirou novamente. Diferente do lago de lava, que era uma causa perdida, ela realmente tinha esperança de mudar o fruto da árvore proibida. Com um fruto, o trabalho seria mais difícil. Precisaria readequar metas e prazos. Mas sabia que não adiantava insistir. Quando Deus cismava com algo, nada O fazia mudar de ideia. Assim, se conformou e focou no que Deus havia falado.

– Macacos?

– Sim. Eu estava pensando em escolher um dos macacos para cuidar do Paraíso.

– De onde você tirou essa ideia?

– Não sei. Foi apenas uma ideia. Os macacos estão mais evoluídos que os outros animais, por causa do polegar opositor.

– Você não se cansa de falar sobre isso?

– Não. Foi uma ótima ideia. Com o polegar opositor, eles conseguem fazer coisas que nenhum outro animal faz. Um leão não conseguiria segurar uma vassoura para varrer a areia ali perto do lago. Um macaco, sim.

– Mas os macacos são... Não sei... Esperava algo com mais glamour.

– Os macacos são um bom ponto de partida. Olhe aquele ali. Basta esticar a coluna dele e pronto.

A serpente observou os macacos que brincavam no gramado. Eram cerca de vinte e Deus havia apontado para o maior deles, que estava à esquerda. Deus não podia estar falando sério.

– Você reparou que ele estava comendo os próprios piolhos? E agora está jogando cocos na cabeça dos outros macacos?

– Bem, claro que ele precisa ser ensinado... Mas é algo que pode render.

– Isso vai me criar um problema. Se você colocar um macaco para cuidar de tudo, eu vou me confundir o tempo inteiro sobre qual é o macaco correto. E toda hora eu vou falar com o macaco errado.

– Como assim?

– Quantos macacos têm aqui embaixo?

– Não sei ao certo. São muitas espécies. Acho que mais de cem.

– E eles são todos iguais. Não adianta simplesmente endireitar a coluna de um deles. Ainda vai dar confusão.

– Não sei...

– Confie em mim, vai dar confusão. Convencer um animal a mexer na maçã é uma tarefa delicada. Eu tenho que seduzir, mentir, distorcer a verdade. Eu não vou poder ficar perdendo tempo tentando adivinhar qual o macaco certo.

– Entendi.

– Preciso que seja um macaco totalmente diferente dos outros. Pinte de azul, faça com que ele use um vestido... Sei lá. Qualquer coisa que o torne diferente dos outros macacos.

– Pelos.

Às vezes, Deus pensava e concluía em voz alta. A serpente detestava quando Ele fazia isso.

– Pelos?

– Isso. Eu posso tirar os pelos de um macaco. Aí ele não seria diferente dos outros macacos.

Ele seria diferente de todos os animais.

– Você já não tirou os pelos do ornitorrinco?

– Não. Eu tirei as asas.

– Ah, é verdade. Mas, enfim... Será que um macaco vai achar bom não ter pelos?

– Sem pelos, ele mostrará que é mais evoluído. É um animal que já deixou os pelos para trás.

Além disso, não preciso tirar todos os pelos. Posso deixar na cabeça, no peito, nas pernas... Mas muito menos que os macacos.

– Não sei... Quer dizer, para mim funciona. Eu vou saber imediatamente quem é ele. Mas e os outros animais? E os outros macacos?

– O que têm eles?

– Certamente eles vão achar estranho ver um macaco... Bem, um macaco peladão andando por aí.

– E...?

– E com certeza vão tirar sarro do coitado. Você sabe como os macacos são. Eles não podem ver nada diferente.

– Mas isso é problema deles. O que importa é cada um ser feliz do jeito que deseja. Com ou sem pelos.

A serpente olhou para o alto. Não estava mais pensando na semana seguinte, mas no futuro mais distante.

– Você sabe que, se tudo der certo, eles vão abandonar o Paraíso e se multiplicar lá fora, certo?

– Sim.

– Você consegue imaginar uma raça inteira de macacos pelados andando por aí?

– Qual o problema?

– Bom, não sei... É estranho. E tem outra coisa. Os macacos são todos iguais. Agora, se você criar uma raça de macacos sem pelos... Bem, eles vão ser diferentes entre si. Um vai ter mais pelos, outro vai ter menos... Isso fatalmente vai acontecer.

– Sim. Mas não vejo problema nisso.

– E se eles quiserem tirar todos os pelos?

– Como assim?

– Você disse que a ausência de pelos mostrará que eles são mais evoluídos. E se eles começarem a arrancar todos os pelos por causa disso? Da cabeça, do peito, das pernas...

– Bem, isso é problema deles.

– Isso tem a ver com aquele negócio de livre arbítrio que você falou?

– Sim.

– Quando é que você vai me contar mais detalhes sobre isso?

– Na hora certa.

– Certo. Mas então eles vão poder usar os pelos como quiserem, é isso?

– Isso.

– E se eles quiserem arrancar tudo...

– É o direito deles.

– Já sei, já sei. Livre arbítrio, certo?

– Isso. O que importa é que cada um vai poder usar os pelos como quiserem. Se quiser arrancar, pode arrancar. Se quiser ter pelos, pode ter pelos.

– Deve doer, hein?

– O quê?

– Tirar os pelos. Deve doer bastante.

– Aposto que eles vão encontrar uma maneira de fazer isso sem dor alguma.

– Será?

– Claro. Por exemplo, uma lâmina.

– Lâmina?

– O animal que quiser arrancar os pelos não precisa ficar puxando. Pode raspá-los. Eu mesmo vou usar uma. Você acha que Eu vou arrancar os pelos do macaco um por um? Vou raspar. Em dez minutos está resolvido.

– Mas os pelos não vão crescer de novo?

– Aí ele mesmo raspa. É fácil.

– Entendi. E como isso vai ficar naquele livro? Vai colocar que “Deus, então, pegou o primeiro macaco que viu pela frente e raspou os pelos dele, colocando o animal para cuidar do Paraíso”.

– Não. Vou falar que é uma nova espécie.

– Como assim?

– Vai ficar muito diferente. E vai ficar bonito, tenho certeza. Todos vão achar que é uma nova espécie.

– Mas então por que não cria uma nova espécie de uma vez?

– Dá muito trabalho. Prefiro pegar um macaco e raspar os pelos dele. É bem mais rápido e prático. Aí falo que é uma nova espécie criada à Minha Imagem e Semelhança.

– Isso é bom. Tem impacto. Mas será que cola?

– Uma das vantagens de ninguém saber como é sua forma é justamente fazer uma história dessas colar.

– Faz sentido.

– Então estamos definidos. Até o final da semana ele estará andando por aqui.

– Certo. Escute, sobre aquele negócio da picanha, se você...

– Não.

– Ok.

– Certo. Vou voltar para cima.

Deus se despediu e começou a subir aos céus sob o olhar da serpente. Quando estava já sobre as árvores, se lembrou de algo importante e gritou em direção à serpente.

– Você quer sugerir algum nome?

A serpente pensou por alguns instantes, enquanto Deus se afastava. Mas, na falta de uma ideia melhor, respondeu apenas que:

– Vamos ser diretos!

– O que você disse?

– O que você acha de Peladão?

Deus, já dezenas de metros acima do Paraíso, teve que se esforçar para ouvir.

– Como?

– Peladão!

– Adão?

– Isso! Peladão!

Deus sorriu. “Adão”. Era um bom nome.

E subiu aos céus para criar o primeiro homem.

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publicado em 29 de Abril de 2014, 21:01
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Rob Gordon

Rob Gordon é publicitário por formação, jornalista por vocação e escritor por teimosia. Criador dos blogs Championship Vinyl e Championship Chronicles.


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