O preço do livro ao redor do mundo

Uma comparação entre valores praticados aqui e em outros catorze países levanta a questão: pouca gente lê porque livro no Brasil é caro ou livro no Brasil é caro porque pouca gente lê?

Livros são como geladeiras. Reparem nestes dois aspectos:

1. ambos podem contar histórias: algumas famílias grudam na porta da geladeira desenhos dos filhos, fotos de pessoas queridas, recados. Forma-se, assim, uma espécie de linha da vida, uma timeline analógica. Toda geladeira tem um imenso potencial de narrativa.

2. ambos são produtos: por mais que tenhamos afeto por obras e não por geladeiras, as duas coisas são apenas isso: coisas. Meras mercadorias. E, portanto, comungam das mesmas regras de mercado -- tanto para quem produz quanto para quem consome.

Enfoquemos aqui no segundo item. Assim como o preço da geladeira pode variar de uma loja para outra, o mesmo acontece com o livro. Tomemos o exemplo de um lançamento: Brasil: Uma Biografia.

No fim de abril, a Companhia das Letras lançou o livro da antropóloga Lilia Moritz Schwarcz e da historiadora Heloisa Starling. Trata-se de uma releitura dos cinco séculos do nosso País - o mérito da autoras está no ato de abdicar do apego às histórias que a História subverteu (tão comum em obras do gênero) e perceber que, no meio de controvérsias e erros, existe um povo ansioso para fazer desta Terra de Vera Cruz uma grande nação.

O livro custa R$ 59,90 no site da Companhia das Letras. Neste momento, entretanto, sai por R$ 47,32 na Travessa; R$ 35,90 na Fnac; R$ 31,90 na Amazon; R$ 28,80 na Livraria da Folha; R$ 28,73 na Saraiva; R$ 28,72 na Americanas; R$ 27,12 no Submarino. O mesmo produto pode chegar ao consumidor com até 54,7% de desconto.

(Obviamente, esta porcentagem não se aplica a todo livro. O Sindicato Nacional dos Editores de Livros - SNEL - aponta para este cenário: os 5 mil títulos que representam 66% das vendas são comercializados com aproximadamente 24% de desconto.)

A prática é comum: grandes cadeias de livrarias negociam descontos vorazes com as casas editoriais - muitas vezes, chegam a ignorar até mesmo o lucro e reduzem o preço de um livro ao extremo, a fim de destruir a concorrência. Quem ganha com isso é o consumidor, decerto; por outro lado, livrarias de esquina agonizam - com vendas não tão significativas, elas não conseguem reduzir tanto o preço de capa.

O poder das grandes livrarias assusta até mesmo Marcos da Veiga Pereira, presidente do SNEL. Durante seminário em Brasília em 30 de junho, ele disse: "Nosso mercado está absurdamente desregulado, o que gera uma grande concentração. Atualmente, 16% do total de pontos de vendas de livros no país respondem por 70% das vendas. Além disso, 15 editoras representam 60% do mercado. Esse quadro faz com que editores e livreiros fiquem com uma agenda reativa e isso é desgastante."

A falácia da democratização pela lei do preço fixo

A prática do desconto quase hediondo pode ter os dias contados. No fim de junho, o Senado discutiu proposta que pretende regular os preços de livros no Brasil. De autoria da senadora Fátima Bezerra (PT-RN), o Projeto de Lei do Senado nº 49/2015 permite que editores estipulem o preço do livro a ser respeitado por livreiros de todos os portes, e prevê desconto máximo de 10% no preço de capa durante o primeiro ano depois do lançamento de uma obra nacional ou importada.

A lei do preço fixo do livro não é novidade no mundo. Na França, por exemplo, ela já existe desde 1981 e, segundo Pereira, do SNEL, e Jean-Guy Boin, diretor do Escritório Internacional da Edição Francesa, tem dado certo: com um terço da população brasileira e o dobro de leitores, o país tem faturamento de 2,8 bilhões de euros ao ano -- o Brasil fatura metade disso. Isso explica por que a lei é uma reivindicação antiga de livreiros independentes.

Entretanto, se já estivesse em vigor a Lei Carlos Drummond de Andrade -- como alguns desejam batizar a lei, caso ela passe no Congresso e seja sancionada pela presidenta - , Brasil: Uma Biografia custaria entre R$ 59,90 e R$ 53,91, tanto no Submarino quanto na lojinha de bairro.

O desconto menor contradiz a manchete do portal do Senado, que afirma: "Regular preços dos livros pode garantir maior acesso para população." Não existe lógica neste pensamento. O consumidor não vai comprar mais livros com isso; ao contrário, a pouca variação de preços pode distanciar ainda mais leitores e livros. Quem aí, habituado a pagar R$ 29,92, não torceria o nariz para desembolsar R$ 53,91 pelo mesmo produto?

Tal distanciamento já foi percebido por Julio Silveira, cofundador da Casa da Palavra. Em texto publicado no Publishnews, ele disse: "Há um certo 'wishful thinking' por trás da justificativa do PL: 'a fixação do preço do livro (em lançamento) visa garantir que a oferta de livros seja acessível ao grande público, através do estímulo à existência de um maior número de pontos de venda'. Em outras palavras, espera-se, ao arrepio da teoria econômica, que o aumento da oferta estimule a demanda. E inelasticamente. Se o 'Preço Fixo' de que trata a lei for, como está, afixado bem acima do que pode o leitor brasileiro, a lei será eficiente, mas nada eficaz. Manterá as livrarias aberta, mas vazias."

O preço do livro em debate

"Livro no Brasil é caro." Esta frase é comum e aparece em diversos momentos -- sobretudo quando pipoca na imprensa alguma pesquisa indicando quantos livros o brasileiro lê por ano. É fácil acreditar na afirmação, seja pelo nosso complexo de vira-lata, seja pela lógica: afinal, se tudo é tão absurdamente caro neste País, como demonstra uma reportagem de Alexandre Versignassi e Felipe van Deursen, por que o mercado editorial seria exceção?

Portanto, a questão do preço do livro no País surge como afirmação, e não como pergunta: afinal, livro no Brasil é caro? Aqueles que colocam uma interrogação e buscam encontrar uma resposta geralmente sustentam argumentações duvidosas: quem é contra a ideia de que literatura é artigo de luxo no Brasil compara o preço dos títulos a um jantar ou uma ida ao cinema -- por exemplo, assistir ao filme Cidades de Papel no Shopping Bourbon, em São Paulo, é R$ 0,95 mais caro que comprar o livro de John Green -- ; quem acha o preço do livro alto demais traça uma relação entre os valores pagos pela obra aqui e em outros países -- por exemplo, O Vermelho e o Negro, de Stendhal, sai por R$ 59,90 na brasileira Cosac Naify; lá nos EUA, a Penguin vende por 11 dólares (ou, com a conversão de moeda, R$ 36,74).

Digo que tais argumentações são duvidosas porque não comparam as mesmas coisas: um filme não é um livro e a simples conversão de moeda ignora contextos geográficos e econômicos. Ainda assim, a dúvida persiste: livro no Brasil é caro?

Breve estudo

Para responder a isso, propus a mim mesmo um estudo que, mesmo de maneira amadora, 1) comparasse o mesmo livro em diversos países, e 2) considerasse a realidade econômica dessas nações.

As obras foram escolhidas aleatoriamente pelas pessoas que me seguem no Facebook. Sem explicar o motivo, pedi aos meus contatos que indicassem títulos de literatura estrangeira.

Colhi sugestões e, em seguida, ao notar que havia apenas clássicos, inseri títulos que figuram nas listas dos mais vendidos. O objetivo dessas inserções é observar se os valores oscilam em relação a obras contemporâneas. Tais inserções foram A Fúria dos Reis, Cidades de Papel e Se Eu Ficar.

Para realizar este estudo, foi considerado o valor de capa de cada obra sem eventuais descontos de livreiros - o preço cheio, digamos. Foram desconsiderados os formatos pocket e, onde possível, capa dura.

A "moeda" escolhida para comparação não é exatamente uma moeda, mas sim o salário mínimo de cada nação. Desta foram, distorções monetárias (como flutuações de câmbio) são evitadas e os números permanecem no contexto de cada país. Com isso, é possível responder quanto do salário mínimo da China um chinês gasta para comprar 1984.

Considerei, ainda, os diversos panoramas de salário mínimo no grupo pesquisado. Algumas nações têm salários mínimos que variam de acordo com a região ou a faixa etária do trabalhador (caso da África do Sul, por exemplo); outras ainda estão em processo de formulação de um valor para o salário mínimo nacional (caso da Itália, por exemplo).

Com tudo isso, chegamos a estes resultados:


No Brasil, um livro custa aproximadamente 6,47% do salário mínimo (que atualmente é de R$ 788).

No cenário dos BRICS, nosso País ocupa o meio da tabela: o valor de um título não é tão alto quanto na Índia e na África do Sul, nem tão baixo quanto na Rússia e na China. Entretanto, quando olhamos o preço do livro em 15 dos países que compõem o G20, grupo no qual o Brasil se inclui, temos noção de que pagamos muito mais para adquirir uma obra que outras nações -- o mesmo título custa quase 10 vezes mais aqui do que na Alemanha, e cinco vezes mais do que na França.

Dentre os países estudados, o Brasil está em quarto lugar no ranking das nações com preços mais elevados, perdendo apenas para Índia, México e África do Sul.


Paradoxo de Tostines da literatura

O brasileiro paga caro pelo livro. Esta é uma constatação tão óbvia quanto simplista, pois descaracterizamos, assim, a complexidade do mercado. A pergunta não é mais "livro no Brasil é caro?", mas sim "por que livro no Brasil é caro?". Podemos culpar os impostos, claro, mas o grande vilão, na minha opinião, pode ser outro: livro é caro porque o brasileiro não tem o hábito da leitura.

Como qualquer outra mercadoria - lembre-se: livro é como uma geladeira - , o preço do livro deve cobrir sua produção e gerar lucro. Se poucos exemplares são vendidos, o custo por unidade é maior. Se observarmos os dez livros de ficção mais vendidos em 2014, veremos que, somados, eles não chegam a 1,5 milhão de exemplares - sendo que A Culpa É das Estrelas, de John Green, abocanhou 44,1% de tudo isso.

De acordo com estudo da Nielsen para o Sindicato Nacional dos Editores de Livros, no primeiro trimestre de 2015, as vendas gerais (ficção, não-ficção, autoajuda, universitário, técnico etc.) não chegaram a 9,8 milhões de exemplares. Parece muito, mas estamos falando de um país continental com aproximadamente 203 milhões de habitantes - dos quais 70% não leram um único livro em 2014, segundo pesquisa da Fecomércio do Rio de Janeiro.

Chegamos ao Paradoxo Tostines da literatura: o brasileiro não lê porque livro é caro ou livro é caro porque brasileiro não lê?

Também chegamos à pergunta de ouro: por que o brasileiro não lê? O Zero Hora tentou explicar este fenômeno. À reportagem, Regina Zilberman, professora do Instituto de Letras da UFRGS, afirma: "Nós ignoramos a alfabetização por boa parte da nossa história. A obrigatoriedade é de meados de 1930, não tem 100 anos. Ou seja, saímos atrasados em relação a outros países." Já Sergius Gonzaga, ex-secretário da Cultura de Porto Alegre, diz: "O Brasil iniciou tardiamente o seu processo de escolarização, e isso se deu no início dos anos 1960. Na mesma época, o país entra na era do audiovisual, com TV e cinema. Ou seja, o País pula do analfabetismo direto para o audiovisual, não consegue formar uma cultura de leitura."

Por mais interessantes que sejam os argumentos dos especialistas, o tesouro está mesmo em um dos comentários do texto: "Não sei se ainda é assim mas, no meu tempo, os professores te obrigavam a ler os 'clássicos' de Machado de Assis e companhia. Livros do tempo do Arari Pistola já naquela época, com histórias sem a miníma atratividade para as crianças da época. Conheço gente que leu aquilo e pensou: 'se ler é isto, nunca mais quero ler um livro na vida.' (...) No meu caso, o que me salvou foi a série Vaga-Lume. Aquilo sim era leitura para a gurizada, sem ser infantil. Até hoje às vezes pego um para lembrar daqueles tempos", diz o leitor João Marcelo Rockstroh.

Talvez, se fossem adotados no ensino fundamental mais O Escaravelho do Diabo e A Turma da Rua Quinze e menos Dom Casmurro e Quincas Borba, o jovem adquirisse o gosto pela leitura. No futuro, ele se tornaria um adulto que consumisse mais livros -- inclusive os clássicos. E com mais livros vendidos, o custo por unidade não seria tão elevado. Se o valor de produção fosse menor, o preço de capa talvez fosse mais atrativo.

A estabilidade do mercado editorial, portanto, não passa por legislação que estabelece preço fixo; nosso hábito de leitura não passa por cota de espaço à literatura brasileira nas livrarias. O que o Brasil precisa para ter um cenário estável em longo prazo é reformar a grade de ensino nas escolas para estimular a leitura. Assim criaremos gente que compra mais e lê mais. É a única forma de quebrar o Paradoxo Tostines da literatura.

Nota do editor: este texto é uma reedição de artigos da Benedito, newsletter de literatura e mercado editorial enviada todo domingo a mais de 1 mil assinantes. Acesse revistabenedito.com.br e assine gratuitamente.


publicado em 10 de Agosto de 2015, 09:05
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Rodolfo Viana

É jornalista. Torce para o Marília Atlético Clube. Gosta quando tira a carta “Conquiste 24 territórios à sua escolha, com pelo menos dois exércitos em cada”. Curte tocar Kenny G fazendo sons com a boca. Já fez brotar um pé de feijão de um pote com algodão. Tem 1,75 de miopia. Bebe para passar o tempo. [Twitter | Facebook]


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