O "não jazz" de Christian Scott e sua técnica de sussurro

Christian Scott é um novo monstro do jazz.

Nascido e criado em Nova Orleans, berço do jazz e de jazzistas tradiças de tudo, Scott está longe de ser um dos que querem apenas seguir um legado. Seu som é extremamente atual e seu estilo de tocar trompete não se parece com nada que tenhamos visto antes. Christian Scott não cospe notas, não desliza melodias, ele sussurra.

Whisper Technique

Link YouTube | "Eraser" é uma versão da canção de mesmo nome do disco solo do Thom Yorke, do Radiohead

Traduzindo, é a "técnica do sussurro" que Scott aperfeiçoou ao máximo:

"Ela veio de um monte de coisas diferentes. O trompetista de jazz Clark Terry me contou sobre a técnica de Clifford Brown usada para obter um som arejado quando ele tocava.
Era o que eu queria para o meu som ser diferente de qualquer outro. Miles Davis e Dizzy Gillespie e outros fizeram a sua marca em sua geração, porque o som deles era único."

Quando Scott toca, dá pra se perceber claramente o frêmito do trompete, mesmo quando a tensão toma conta da música. Somado a isso, pra gerar todo o frescor do trabalho dele, a banda que acompanha Scott é absurdamente foda. O guitarrista Matt Stevens e o baixista Kristopher Funn são extremamente competentes no acompanhamento, mas a cozinha fica completa mesmo com o baterista Jamire Williams -- completamente incansável e insano durante as apresentações, sempre com uma noção de dinâmica fora do comum --  e o pianista Lawrence Campos, um músico com feeling musical muito, mas muito atual. Em seu piano de calda, Campos gosta de colocar folhas de papel nas cordas pra dar uma sensação sonora tremida, facilmente identificável quando se ouve qualquer música dos discos do Christian Scott.

Claro que, dentro de um estilo bem conservador como o jazz, essa jovialidade no som do quinteto geraria discussões acaloradas.

Wynton Marsalis, Christian Scott, a tradição e a inovação

Eu ainda pretendo contar alguma história boa do Wynton e da família Marsalis (que, de antemão, recomendo demais). Wynton é um trompetista que saiu de um grupo doméstico e bem tradicional de jazz: a família Marsalis. Com isso, não era de se estranhar que ele tratasse o jazz com muita firmeza:

Conhecido pela sua sisudez e seriedade ao tratar a música, é um músico polêmico. Diretor do Jazz at Lincoln Center em Nova Iorque, é considerado "embaixador da música americana" pelo seu profundo respeito e divulgação das tradições musicais.

Resumindo, Wynton é tradiça.

Link YouTube | O Christian Scott não é não

Quando o som de Christian Scott começou a pipocar no mundo do jazz, o tradiça Wynton tratou de aparecer para falar e, claro, falar mal. O irmão Marsalis saiu dizendo que o trabalho do Scott não era pra ser considerado jazz, porque não tinha swing (o balanço, uma das regras fundamentais do jazz juntamente com o improviso).

“Acho que o papel de Wynton e de outros músicos daquela época foi importante naquele momento. De certa maneira eu concordo que aquilo era necessário, mas aquele tempo já se foi”, afirma Scott, em entrevista ao Valor, referindo-se à atitude conservadora de Marsalis e seus colegas de geração, os chamados “young lions”.
O fato de ter uma relação de amizade com Marsalis – ambos nasceram na mítica cidade de New Orleans, considerada o “berço do jazz” – não impede Scott de replicar as críticas que já ouviu do colega. “Ele disse que minha música não era jazz porque não tinha swing. Respondi que Louis Armstrong, Kid Ory, Jelly Roll Morton e outros músicos pioneiros de New Orleans também não eram jazzistas, já que o swing foi inventado mais tarde, em Kansas City, na década de 20.
Wynton ficou passado ao ouvir isso. Pela primeira vez vi um cara negro ficar vermelho”, diverte-se Scott.
Música de Alma Negra

Conflito de gerações.

Christian Scott revigora o jazz

Independente das tradições, Scott já é um músico muito importante pra disseminação do jazz. Um garoto de nem 30 anos que toca de jaqueta, faz cara e pose de um quase-rapper, um cara que defende seu lugar de origem, constantemente fala sobre os efeitos do Furacão Katrina (que arrasou o sul dos Estados Unidos em 2005), inclusive chamando de Katrina o modelo de trompete desenvolvido pra ele.

Seu som tem uma delicadeza impressionante em meio ao caos dos instrumentos quase que em constante estado de tensão. Sua música é bonita e poderosa.

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Se era pra trazer o jazz pro século XXI, ele assim o fez. E bem.


publicado em 22 de Março de 2013, 07:00
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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