O motorista especial de um ônibus qualquer

Esse cara melhorou o dia de dezenas de pessoas

Recentemente, a gente publicou um texto sobre se apaixonar no transporte público. Eu li, adorei a sensação, mas admito que isso dificilmente aconteceria comigo pelo simples motivo de que: quase sempre durmo no caminho.

Não sei se é genético ou se é só preguiça mesmo. Se é da fase universitário em final de semestre que resolveu acompanhar os jogos da NBA ou se é herança do bebezinho que dormia sempre que entrava no carro do pai. Só sei que aquela situação adversa para a maioria das pessoas representa pra mim, na verdade, uma verdadeira máquina dos sonhos.

E quem é assim como eu sabe que qualquer 20 minutos de soneca faz uma tremenda diferença, ou pelo menos a gente escolhe acreditar que faz, mas hoje foi diferente. Fiquei acordado e, mais do que isso, estive o percurso todo atento ao que estava acontecendo bem ali na minha frente.

Sou uma pessoa meio metódica, confesso. Quase sempre ando até dois pontos antes do meu pra pegar o ônibus mais vazio. Quase sempre posso escolher o lugar que vou sentar e, bem, quase sempre escolho o mesmo lugar.

Gosto de um daqueles bancos elevados que fica bem na frente, sabe? Ali, consigo ver a rua inteira, as pessoas que entram e saem e minha cabeça encosta direitinho na canaleta da janela. Eu levo a sério essa história de dormir no transporte público.

Acontece que em tantas idas e vindas também tive tempo de perceber o quanto seria difícil ser motorista de ônibus. O trânsito por si só já é muitas vezes caótico, imagina quando você tem que dirigir aquele trambolhão pela cidade. Além das buzinas, dos semáforos, das ambulâncias, das paradas, o cara nem se quer pode mudar de lado quando o sol insiste em ficar batendo com toda força do lado esquerdo. É quase como ficar tomando um tapa na cara várias vezes por dia.​

Depois de refletir um pouco sobre essa rotina, decidi passar a fazer o mínimo para torná-la um pouco melhor e, desde então, toda vez que pego um ônibus, cumprimento o(a) motorista com um bom dia/boa tarde/boa noite. Afinal, o busão não é como a linha amarela do metrô. Tem uma pessoa ali trabalhando, dirigindo (e sofrendo).

Mas hoje, antes mesmo que eu tivesse a chance de dar boa tarde ao motorista, recebi um.

Subiu um rapaz alto depois de mim. "Boa tarde."

Subiu uma senhorinha depois dele. "Boa tarde."

Subiu uma moça negra depois dela. "Boa tarde."

Subiu um senhor. Uma criança. Uma menina.

"Boa tarde."

Every single fucking one que entrou depois de mim ganhou um boa tarde do motorista sorridente, feliz. Com uma caixinha de som ouvindo Leandro e Leonardo.

Dava pra notar nas pessoas que entravam no ônibus com a cara fechada, com a pressa da metrópole ou com o mesmo sono que eu que o dia mudava depois dali. As pessoas puxavam assunto. Escolhiam sentar juntas ao invés de separadas. Sorriam e, quase sempre, devolviam o boa tarde. Só não respondiam os que estavam de fones de ouvido – por favor, vamos tirar os fones de ouvido de vez em quando.

Mas não foi só o boa tarde.

Deu carona pra moça que estava esperando o ônibus no ponto errado.

Parou um pouco antes do ponto pra senhorinha descer mais perto do metrô.

Indicou pelo menos dois caminhos diferentes pro rapaz chegar até o lugar certo.

Cumprimentou a criança e falou que ela se parecia com o filho dele.

Não importa se esse cara fez tudo isso no piloto automático ou se ele age assim sempre. Se ele estava feliz porque era dia de pagamento ou porque era a última viagem do dia. Se ele tinha mesmo filho, se o nome dele era mesmo Reinaldo ou porque ele gostava tanto de Leandro e Leonardo.

O que importa é que esses simples gestos de gentileza fez o dia de muitas pessoas ficar melhor, inclusive o meu.

Até perdi o sono.

* * *

A ilustração é de Joseph Watson.


publicado em 27 de Novembro de 2015, 19:09
Breno franca jpg

Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a Jornalismo Júnior, organizou campeonatos da ECAtlética e presidiu o JUCA. Siga ele no Facebook e comente Brenão.


Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.

Sugestões de leitura