O meu amigo Biff Tannen

Caso esse nome seja apenas "não estranho" para você, vou refrescar sua memória. Biff Tannen é o personagem de Thomas F. Wilson na trilogia De Volta Para o Futuro. Ele é a verdadeira pedra no sapato dos McFly e responsável por atrocidades durante décadas de perseguição à família de Marty.

Além disso, Biff é o legitimo cara insuportável. Aquele tipo que 9 em 10 pré-adolescentes convivem na época do ensino fundamental. Um cidadão tão grotesco, idiota, estúpido e arrogante quanto… inesquecível. Afinal, todo mundo lembra do seu amigo Biff.

A ordem é: não deixe o seu amigo Biff envelhecer com você

O meu amigo Biff, por exemplo, chamava-se Agnaldo. Ou Thiago. Ninguém sabia seu nome exato. Ele vivia mentindo, inclusive, isso. Mas eu usava o nome Agnaldo. Era o tipo clássico do sujeito escroto. Andava descalço, chutava os cachorros e furava as bolas de futebol. Por ser mais velho que todo mundo do seu círculo de "amizade", Agnaldo tinha o insaciável prazer de praticar o mal.

Os níveis de raiva eram distintos. Podia ser uma coisa singela, como roubar o biquinho do pneu da bicicleta. Ou algo deveras deliquente, como traficar drogas leves e riscar carros. Não importa, tudo naquela época, naquele bairro, passava pelo toque perverso de Agnaldo.

O clássico de seu estigma nazista foi no Natal de 1998. Lembro-me bem.

Observávamos um garoto feliz, animado, divertindo-se com o presente recém recebido. Era um daqueles "carrinhos grandes", mas não os automáticos. Um modelo com dois pedais abaixo de um frágil volante, saca? Então. O jovem possivelmente estreava o brinquedo. Nem podia imaginar ele que seu sorridente destino seria interrompido poucos milésimos de segundos depois de virar a esquina.

Agnaldo surgiu do absoluto nada. Tirou o menino do brinquedo aos tapas e risadas maléficas. Sobrava ao garoto trêmulo, no chão e de olhos marejados, observar. Agnaldo descia a rua de pé sobre o frágil carrinho, como se fosse um skate improvisado. Não contente, ainda determinou o fim do brinquedo com um chute que desmontou o leve veículo.

A última imagem que tive do garoto foi marcante. Ele caminhou até o brinquedo, catou os pedaços amassados e quebrados e, em silencio e notória decepção, virou a esquina, provavelmente em direção a sua casa. Completamente envergonhado.

Naquele momento sugeri uma ação. Qualquer coisa que pudesse ser feita para impedirmos que tais atos de crueldade continuassem. Alguns queriam dar o troco na mesma moeda, agir com violência. Outros comentavam sobre ações da polícia, já que aquilo já havia passados dos limites da delinquência. Foi então que, do nada, uma sábia voz disse:

Nem todas as pessoas são boas.

Quem nunca sonhou em derrubar o vilão?

As testemunhas do fato ficaram no mais completo silêncio. Ninguém comentou, mas era implícito que todos, naquele momento, pensavam sobre a nossa curta experiência de vida. Agnaldo era a primeira pessoa absolutamente ruim que convivíamos. Depois da traumática fase de nunca mais chamar a professora de "tia", esse era o maior choque que havíamos tomado.

Encontraríamos outros Agnaldos na vida. Pessoas mas que sentem um estranho gosto doce no amargo do choro. Que pouco se importam com o que você pensa, gosta ou deseja. Que jamais dá ouvidos para sua opinião, pois a dele é sempre a melhor. Resumindo, pessoas que não tem a felicidade como uma de suas prioridades.

Todos aqueles anos de medo e respeito à Agnaldo teriam servido de alguma coisa: aprendizado. Até hoje eu lembro de Agnaldo. Deixei de confiar em todo mundo e no mundo. Comecei a procurar entender melhor uma pessoa antes de depositarmos confiança. E isso, meu caro, faz toda a diferença.

"Os melhores anos da minha vida foram os que sofri. Passei anos comuns e não aprendi nada. Já os ruins, os que apanhei, em todos esses eu levei algo para o ano seguinte. Tipo… uma lição." Frank (Steve Carell) em Little Miss Sunshine.

Portanto, a partir de hoje, recorde-se de forma distinta do seu amigo Biff. Não com carinho ou saudade, mas com indiferença. O Agnaldo, por exemplo, sempre será eternamente lembrado por nós como o primeiro contato com o mundo sujo. Coisa que, se não fosse ele, talvez teríamos aprendido de maneira ainda pior.

Sem mais, deixo somente minhas palavras de agradecimento. Desejo de que todos encontrem, um dia, seu amigo Biff. E pratiquem o desapego.

Obrigado, Agnaldo.

Obrigado, seu filho da puta.


publicado em 03 de Março de 2012, 08:15
File

Fred Fagundes

Fred Fagundes é gremista, gaúcho e bagual reprodutor. Já foi office boy, operador de CPD e diagramador de jornal. Considera futebol cultura. É maragato, jornalista e dono das melhores vagas em estacionamentos. Autor do "Top10Basf". Twitter: @fagundes.


Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.

Sugestões de leitura