“Obra de bom engenheiro não racha”, ouvi um tio dizer, após o anúncio de que meu padrasto seria pai de um menino. À época, 16 anos atrás e ainda uma adolescente, senti um incômodo difícil de verbalizar. A frase me soava desrespeitosa, claro, mas não era só isso.

Ano passado, em meio aos preparos do almoço de domingo, perguntei ao companheiro de uma amiga se tinha preferência no sexo do bebê que estavam planejando. Ele, de bate-pronto, respondeu que preferia que fosse menino porque, caso contrário, nasceria feminista de carteirinha — já que minha amiga, e sua parceira, acha mais que justo que alcancemos a igualdade de gênero.

A descoberta do sexo — biológico, vale ressaltar — de um bebê pode trazer à tona mais benefícios para a sociedade do que supõe nossa vã filosofia. Pesquisadores da London School of Economics and Political Science (LSE), no Reino Unido, apontam que a paternidade de meninas incentiva os homens contra o sexismo. O estudo defende que o convívio com crianças do gênero feminino faz com que os pais desconstruam rótulos normalizados. Vivenciando, no dia a dia, as desvantagens pelas quais mulheres são submetidas desde a infância, eles passam a alargar sua compreensão e se mostram mais dispostos, a partir daí, a mudar suas ações.

Um dos casos empíricos que a pesquisa elabora de forma positiva é um clássico das estruturas patriarcais: enquanto pais de filhas que estavam na escola primária eram 8% menos propensos a acreditar que os rapazes deveriam ser os chefes da casa, no momento em que elas alcançaram a escola secundária, esse número foi para 11%. Apesar de o crescimento ainda não ser tão significativo quanto gostaríamos, o gatilho de transformação pode ser poderoso.

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Claro que o "The Mighty Girl Effect", nome dado para essa faísca de lucidez acionada pela paternidade de meninas, não deve ser um caminho único. No Brasil, há uma centena de projetos que estão olhando para a construção de masculinidade benéficas a partir de inúmeros percursos e infindáveis jornadas possíveis. Listamos 129 iniciativas aqui — e o documento é colaborativo e constantemente atualizado. Por lá, você verá vários deles voltados ao paternar.

Também percorremos o Brasil, junto com a ONU Mulheres, em uma pesquisa profunda para entender os gatilhos de transformação que podem impulsionar homens para outros modos de existir além dos comumente impostos.

Uma das nossas descobertas foi, justamente, o da paternidade ativa como um possível divisor de águas. O resultado por completo está disponível gratuitamente no documentário Precisamos falar com o homens? e é um começo de conversa precioso para quem quer mergulhar na temática e na experiência.

No mundo ideal não precisaremos ser filhas, irmãs ou mães de ninguém para que a compassividade e a equidade balizem nossas relações e garantam nossos direitos.

Será de praxe, será normalidade.

Enquanto não chegamos lá, que estudos como esse joguem luz a questões necessárias e que, por que não?, inspirem ainda mais homens nessa toada.

Gabrielle Estevans

Gabrielle Estevans é jornalista, editora de conteúdo e coordenadora de projetos com propósito. Certa feita, enamorou-se pela palavra inefável. Desde então, também mantém uma lista de pequenas coisinhas indizíveis.