Quem convive de perto com crianças sabe que esses serzinhos são inventivos, criativos e ativos por natureza. Mesmo aquelas crianças mais introspectivas e quietas têm essa energia fresca, aberta, investigativa, imaginativa e curiosa dentro de si.

Sem contar que o mundo, aos olhos das crianças, é sempre algo fantástico, novo, cheio de coisas-que-funcionam-sem-saber-como e coisas-que-acontecem-sem-explicação.

A imaginação delas colore o mundo com cores que não existem e povoa os ambientes com seres fantásticos. A casa inteira e todos os móveis ali dentro são parquinhos de diversões interessantíssimos. O jardim ora é uma selva, uma floresta ou um deserto, ora é uma pista de corrida e tatame de acrobacias.

Parquinho?

Essa energia toda, aliada a esse olhar deslumbrante, é algo que é delas, parte do que faz elas serem crianças.

Nosso papel, enquanto cuidadores, é justamente incentivá-las nessa exploração do mundo e ensiná-las a guiarem e usarem essa energia, mantendo sempre presente e viva a sensação de que o mundo é mágico, e infinitamente mais complexo e belo do que a gente imagina. Sem dúvida, esse é um grande presente que podemos dar para os adultos do futuro.

Por outro lado, quando não incentivamos, ou pior, quando tentamos desincentivar ou mesmo impedir que elas manifestem essa energia radiante — por cansaço, preguiça, impaciência ou mal humor nosso — estamos indo contra o que seria natural, indo contra nossas crianças. E isso demanda um esforço enorme da nossa parte.

Chega a ser contraditório. Por preguiça, tentamos conter nossas crianças, mas ao tentarmos fazer isso, acabamos nos esforçando ainda mais.

Então, mais sensato do que tentar bloquear esses ímpetos dos pequenos — o que nem sempre dá resultados e só nos deixa ainda mais cansados — é usar essas oportunidades para ensiná-los a guiar esses impulsos.

E pelo que tenho testado por aqui, não existe nada melhor para guiar os impulsos deles do que usar a própria ferramenta da imaginação, que eles já tem e que já usam com tanta frequência.

Lousa?

A gente pode (e deveria!) aprender a ver o mundo através dos olhos delas, entrar no mundo das crianças, e trazer de lá a resposta de como conduzi-las com mais tranquilidade e leveza.

Por exemplo, na minha experiência, não adianta muito dizer para a criança que ela não pode pular do sofá porque pode se machucar. Mas se você disser que o chão é feito de lava, chances são de que a criança não só te ouça como também te peça ajuda pra saber onde ela pode pisar ou não.

E isso funciona, vez após vez, situação após situação, traquinagem após traquinagem, em 80% das vezes. 😉

Mas posso garantir que não é fácil aprender a mergulhar no mundo das crianças. Isso porque nós, os adultos — já calejados e enrijecidos pela vida — temos muita dificuldade em relaxar, prestar atenção e deixar de lado nossas suposições, teorias, premissas e certezas sobre tudo. “Uma cama é uma cama, oras! Como poderia ser outra coisa?”.

Para vermos o mundo pelos olhos dos nossos filhos, netos, sobrinhos, enteados e assim por diante, precisamos deixar de lado (ou abandonar) uma grande porção do que entendemos por certo e errado, pode e não-pode, é e não-é. Ou seja, temos que aprender a cultivar uma mente mais aberta e relaxada que não dá tanta bola para as nossas emoções, distinções, pré-conceitos e preconceitos.

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O falecido mestre budista Trungpa Rinpoche coloca isso de uma forma bem bonita:

“É possível descobrirmos nossa própria inocência e beleza infantil. Descobrir essa qualidade inocente em nós não significa ser reduzido a uma criança. Em vez disso, tornamo-nos frescos, curiosos, radiantes. Queremos saber mais sobre o mundo, mais sobre a vida. Quando nossos preconceitos são retirados, começamos a nos perceber — é como um segundo nascimento. Descobrimos nossa inocência, nossa qualidade primordial, nossa eterna juventude.”

Dinossauros de ferro?

Pois, por exemplo, como poderíamos ver a "caverna misteriosa e escura", formada por um colchão jogado em cima do sofá, se toda a nossa mente está travada pensando na sujeira e dano que o sofá ou o colchão podem sofrer?

Com essa mente travada, o mais provável é que a brincadeira acabe com as crianças tomando um esporro, e os pais tentando “salvar” um sofá/colchão que, inevitavelmente, vai se estragar de qualquer jeito.

Uma mente mais relaxada e imaginativa poderia entrar na brincadeira e sugerir, quem sabe, que a caverna está cheia de morcegos ou que o teto (colchão) desabou e acabou virando um barco. O resultado é o mesmo, mas com desfechos bem diferentes para todos, tanto fisicamente, quando mentalmente.

Aquário?

Lembrar de deixar de lado nossas suposições e distinções, a cada nova circunstância que as crianças nos apresentam, é bem difícil e fatigante no começo. Até porque estaremos indo contra reações e relutâncias que estão tão arraigadas que se tornaram hábitos — e qualquer pessoa sabe como é difícil ir contra um hábito bem sedimentado.

Logicamente, não dá pra abraçarmos o mundo de uma só vez, todas as vezes, mas a longo prazo a coisa começa a se tornar mais fácil e automática. Nossa imaginação fica mais e mais fértil, nossas ideias vão ficando mais e mais interessantes e elaboradas, nossos argumentos vão se tornando mais maleáveis e persuasivos, nossas emoções se tornam mais controláveis e nossos pré-conceitos vão desbotando e diminuindo gradativamente.

Mas o maior benefício, sem dúvida, é que você vai poder se conectar com sua criança de um jeito bem mais leve, paciente, feliz, empático e carinhoso, porque você começará a se relacionar com ela diretamente, no nível dela, e não mais de cima para baixo. Você se sentirá mais jovem e criativo, mais preparado pra enfrentar as situações desafiantes no trabalho, na rua, na família, na fila do banco e tal.

Afinal de contas, imaginação, criatividade, empatia e malemolência são qualidades que podem nos ajudar em qualquer lugar e a qualquer hora. Até mesmo quando sua churrasqueira virou esconderijo.

Caverna?

Nota: este artigo foi originalmente publicado no Medium do autor. Pra apoiá-lo, que tal entrar lá e seguir o perfil?

Marcos Bauch

Nascido na Bahia, criado pelo mundo e, atualmente, candango. Burocrata ambiental além de protótipo de atleta. Tem como meta conhecer o mundo inteiro e escreve de vez em quando no seu blog, o <a>De muletas pelo mundo</a>."