Ontem à noite, houve um estupro ao vivo no BBB. Ou talvez não. Ou talvez sim. Afinal, o que é um estupro?
Definir agressões de modo restrito é o melhor modo de esvaziá-las.
Se estupro for só entre estranhos em becos desertos com violência física, então quase nada é estupro. Nós, homens, podemos forçar a barra com nossa amiga bêbada e depois dormir de consciência limpa.
(O mesmo argumento vale pra racismo, pra homofobia, etc. Se racista é só quem lincha negro e chama de macaco, então quase ninguém é racista, problema resolvido. Por que esses negros ficam se fazendo de vítima, hein?)
Estamos há séculos ensinando as meninas como se vestir e como agir – para a segurança delas, claro! Mas talvez fosse a hora de ensinar os meninos como não-estuprar.
Quando ensinamos nossa filha a não usar saia tão curta, não é que estamos perpetuando uma prática milenar patriarcal de controlar o corpo das mulheres! Nãããão! É porque queremos o bem delas, pôxa!
Mas, dentre esses pais que controlam as saias das filhas com tanta ênfase e afico, quantos já usaram a MESMA ênfase e o mesmo afinco para controlar os hormônios e os impulsos dos filhos? Para ter uma conversa franca e aberta sobre estupro e escolha?
Como já sabiam os portugueses e espanhóis que passaram pela América salpicando nome de santo por todos os lados, definir é poder. Quem define o que é estupro, racismo, homofobia já está a meio caminho andado de ganhar a discussão.
Se homem engravidasse, aborto seria não só permitido e disseminado como ainda inventariam toda uma narrativa cultural para enobrecê-lo: que quanto mais abortos mais garanhão (“já comi trinta e abortei vinte e cinco, rárá!”); que o primeiro aborto seria um rito de passagem (“meu filho é um hominho, já fez o primeiro aborto!”), até mesmo que a dura decisão de abortar seria prova de macheza e caráter (“quando o Clint fica assim caladão e sério é porque está pensando em todos os abortos que já fez, que másculo!”).
Seria importante os pais conversarem com os filhos sobre estupro justamente porque não é fácil definir estupro. Se não é fácil em uma conversa civilizada na sala, então é mais difícil ainda de madrugada, no fim da festa, com álcool na cabeça e hormônios em fúria, entre duas pessoas que são tão falhas e fracas, tão covardes e indecisas quanto qualquer um de nós já foi tantas vezes.
Sim, é verdade: às vezes a gente não sabe o que quer, às vezes a gente muda de ideia, às vezes a gente diz que quer mas não quer. Mas também é verdade que às vezes a gente agride e é agredido, violenta e é violentado. E aí? Como saber com certeza? Como definir? Em que momento “ai, ai, não, não” vira “não, não, vou chamar a polícia”?
Nunca temos certeza de nada nessa vida, mas recomendo a seguinte regra: em caso de dúvida, não estupre.
Está em poder dos homens erradicar a prática do estupro.Só depende de nós – e não das saias das meninas.
Link YouTube | O comediante norte-americano Louis CK (bem diferente dos nossos, que fazem piada sobre estupro) fala sobre aquele delicado momento em que, na dúvida, melhor não transar pra não dar merda depois.
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