Desde o começo de 2015 boa parte da energia aqui do PapodeHomem está direcionada pra um lindo projeto: a produção do documentário “Precisamos falar com os homens? Uma jornada pela igualdade de gênero”.

Estamos em parceria com a ONU Mulheres – numa jornada viabilizada pelo Grupo Boticário, em conjunto com a Questto Nó | Research, Monstro Filmes, Zooma e o especialista em gênero Gustavo Venturi – buscando respostas para uma pergunta central: como envolver mais homens nesse diálogo? Afinal, não queremos viver em pé de guerra, mas sim repensar todos juntos em como as nossas limitações de gênero podem nos causar sofrimento e o que todos temos a ganhar ao abrirmos outras possibilidades de ser.

A desigualdade e o sexismo são reais, bem como os caminhos alternativos. O trailer do documentário, que saiu em março, já deu algumas prévias.

Construindo pontes de lucidez entre visões distintas

O tema já faz parte de nossa visão como autores e editores do PapodeHomem. O Guilherme, que está também coordenando a produção do documentário, tem uma visão interessante:

“No entanto, a intensidade da desigualdade, do sexismo e do machismo, assim como seus danos, são questões a serem investigadas com cuidado. Cada pessoa tem a sua própria visão sobre como os papéis de gênero operam em sua vida e é importante entendermos e respeitarmos o ponto nos quais os outros estão.

Antes de pensar em soluções, é útil criarmos entendimentos minimamente compartilhados. À partir daí, podemos diagnosticar alguns problemas. E só então o debate em busca de soluções viáveis se torna mais produtivo. Caso contrário podemos nos isolar falando apenas com quem já pensa como nós, enxergando como inimigo quem tem outras opiniões.

O começo é reconhecer a experiência daquele que é diferente de nós. O destino são relações mais saudáveis com nós mesmos e também entre homens e mulheres, independente do gênero e orientação sexual.

Como dizemos aqui algumas vezes, não queremos impor, apenas oferecer mais escolhas e convidar mais pessoas para essa conversa.”

Enquanto a produção segue, estamos puxando conversas bastante específicas sobre o tema por meio dos drops vídeos super curtinhos que destacam falas poderosas, abrindo a roda de conversa. Essas cenas não estarão no documentário original, e funcionam bem pra cultivar o debate e a busca por soluções. Já saíram três drops.

A pressão para sermos a Super Mulher e o Super Homem

Se você parar pra observar o comportamento infantil, deve perceber que lá para os dois ou três anos de idade as crianças já conseguem diferenciar seus gêneros. Mesmo um pouco antes das brincadeiras de médico e da curiosidade pela genitália, os pequenos já sabem que existem, a priori, dois gêneros, e já sabem se identificar com um deles e diferenciar-se do outro – é assim que funciona para a maioria das pessoas que cresce nas sociedades binárias, isso é, que denominam pessoas como homem ou mulher.

Os motivos pelos quais estas crianças já conseguem fazer essa distinção é a clara associação de certos comportamentos e símbolos estéticos a determinados papeis de gênero. Homens tradicionalmente vestem-se e comportam-se de maneira x, e o papel da mulher costuma ser definido em função de x, ou como seu oposto, ou seu complemento.

Nossa linguagem pode nos prover com diversos exemplos: “homem não chora”, “macho tem que sustentar a casa”, “a função principal da mulher é cuidar dos filhos”, “se não consegue beber a garrafa toda é porque não é homem”, “onde já se viu uma mulher se comportando assim?”, entre outras.

Mas acontece de muitas vezes não nos acharmos encaixados no que se espera de nós, e aí nasce o sofrimento. Demanda tempo e abertura para que consigamos conversar com outras pessoas sobre o assunto, até descobrirmos que o sentimento não é isolado – tem muita gente sentindo a mesma coisa por aí.

Mas quando isso acontece, começamos a procurar outros caminhos e a flexibilização dessas normas. É preciso tomar cuidado para não criar novos modelos ideais do ser. Afinal, a igualdade de gêneros existe para que possamos ser o que quisermos.

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No primeiro drops, Clara Averbuck e Mari Messias falam sobre esses papeis e a pressão para sermos homens e mulheres super.

Os danos decorrentes da criação violenta dos filhos

Nossas personalidades e o modo como nos comportamos são produto de influências bem diversas. É claro que entre pessoas que nascem com pênis e pessoas que nascem com vagina há diferenças anatômicas e fisiológicas significativas – a ciência ainda especula a que extensão as variações e dosagens hormonais modulam nossos comportamentos, por exemplo. Mas também é fato que estas mesmas variações têm potencial de diferenciar comportamentos não só pelo recorte do sexo biológico, mas também de pessoa pra pessoa. Nosso set de características é bem individual.

É sabido também que outros componentes modulam nosso comportamento como homens, mulheres ou não-binários. Há diversas teorias psicossociais sobre o tema. O modo como somos criados na e pela linguagem, na e pela cultura, também é muito do que somos.

A família, como uma primeira referência do existir, tende a orientar nossos feitos num primeiro momento. Logo nos percebemos inseridos em redes de pessoas, amigos, modelos, inspirações, exemplos negativos. Seguimos tentando achar nosso lugar ao sol, entender como nos posicionamos no todo.

Cada marca é poderosa, e o comportamento dos pais é para a maioria das crias o principal modelo de gênero. Isso significa que, se não tomarmos cuidado, seguiremos perpetuando esses modelos discutidos mais acima – aprisionadores e violentos.

Entender como essas influências operam em nós é entender as limitações das nossas relações com pais e filhos. Talita Rodrigues falou sobre isso aqui.

Como pensar questões de gênero pode ser transformador

Já se sentou pra conversar, numa boa, com alguém que se diz feminista ou ativista pela igualdade de gêneros? Perguntou como essa pessoa se sente e por que viu benefício em se envolver com as causas?

Já falamos sobre como a percepção de que, muitas vezes, não nos encaixamos ou correspondemos ao que esperam de nós por sermos mulheres ou homens pode causar sofrimento. Como uma mulher que deixa de trabalhar na profissão desejada por se sentir pressionada à passar 24h com os filhos pode se sentir frustrada, ou, ao contrário, como se sente um homem que gostaria que os chefes compreendessem sua vontade de se ausentar por uma tarde para acudir um filho doente. Mulheres e homens que gostariam de fazer diferente sem que fossem motivo de chacota, piadas de mau gosto ou repreensões.

Conhecer o feminismo e saber que é possível revolucionar os papeis de gênero nos dá essa liberdade. Conversar sobre como nos sentimos e o que gostaríamos de ser abre possibilidades pra ação, causa empatia e identificação. Passamos a enxergar caminhos alternativos pelos quais podemos ser mais livres e felizes.

O terceiro drops puxa essa conversa.

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O exercício de se colocar no lugar de quem pensa distante de nós nessa questão é um bom começo para entender quais podem ser o benefícios desse papo. Pra que a nossa fala encontre substrato, é preciso se dispor a ouvir a experiência do outro. Questionar-se também: o que pensam as pessoas que não se sentem representadas pelos movimentos? Quais são seus referenciais de gênero? Sentem-se confortáveis nele? É bastante importante ouvir os porquês de quem discordamos, por mais difícil que isso possa ser.

Serão 28 drops ao todo, que irão ao ar puxando discussões de aquecimento para o documentário final. Achamos que não faz sentido esperar pra conversar, vamos começar já.

O que pensam sobre cada um do três primeiros vídeos curtos?

Marcela Campos

Tão encantada com as possibilidades da vida que tem um pézinho aqui e outro acolá – é professora de crianças e adolescentes, mas formada em Jornalismo pela USP. Nunca tem preguiça de bater um papo bom.