Em virtude da pandemia de covid-19, a ordem emitida por todos os órgãos governamentais é: #fiqueemcasa.

Mas em qual casa? Na casa da mãe? na casa do pai?

Esta é a pergunta que muitos pais separados com filhos estão se fazendo neste momento. Por isso, resolvi escrever este artigo como advogado de família, com objetivo de esclarecê-los. E, mais do que isso, orientá-los. 

1. Regra é regra, mesmo em tempos de crise:

Se já existe um termo judicial estabelecendo a guarda e o regime de convivência ("visitas") entre pais e filhos, este termo continua valendo (em vigor), até que outro termo judicial o substitua/revogue, ou até que as partes de livre e espontânea vontade resolvam promover novas regras (#ficaadica). 

Se as partes consensualmente e rotineiramente estabelecerem novo regime de convivência, este prevalecerá de fato (isso que importa), mesmo havendo termo judicial estabelecendo o contrário.

Se o divórcio é recente e ainda não existe um termo judicial estabelecendo a guarda e o regime de convivência, mas os pais já estão morando em locais distintos, é preciso comunicação e bom senso ao estabelecer a convivência, como você observará abaixo.

2. Direito e Bom Senso caminham lado a lado:

Na faculdade de Direito  ouvi essa frase e nunca mais esqueci. Leia em voz alta comigo:

"Direito e Bom Senso caminham lado a lado".

A ordem hoje, como disse anteriormente, é ficar em casa e não transitar pelas ruas (#fiqueemcasa). Por isso, muitos pais (leia-se pai e mãe) estão temerosos em permitir que seus filhos se desloquem para a casa do pai ou da mãe, para o exercício do direito de convivência.

Até por que, quando na relação não existe (ou se perdeu) a confiança, existe uma voz que coloca ainda mais "lenha na fogueira":

— Será que ele (a) vai cuidar direito do “meu” filho?

— Será que ele (a) vai conseguir manter “meu” filho em casa?

— e se “meu” filho ficar doente, eu não vou me perdoar.

— …

Todas as preocupações acima são válidas, mas não podem ser exageradas. A premissa é que tanto a mãe, quanto o pai, possuem o mesmo dever de cuidado, e farão o máximo para cuidar da saúde dos seus filhos.

"Mas Alexandre, você não conhece meu ex-marido/minha ex-mulher."

Pois é, realmente eu não conheço. Por isso que eu o oriento a pensar no que fazer. Para isso, leve em consideração:

  • O seu filho é do grupo de risco? Ele sofreu ou sofre alguma doença respiratória ou imunológica? 

  • O pai ou mãe do seu filho está permanecendo realmente em casa e/ou tomando os cuidados necessários? Ou ele(a) continua circulando como se nada estivesse acontecendo e não acredita na gravidade/perigo do vírus?

  • É possível transitar da sua casa para a casa do pai ou da mãe do seu filho sem maiores contatos? (por exemplo: não é preciso pegar ônibus, metrô,…)

Após responder as perguntas acima, responda outras perguntas que certamente estão martelando na sua cabeça, mas lembre-se que o momento é de trabalhar a empatia e a solidariedade familiar. 

O momento é de (re)aproximação. Pense: e se fosse com você? E se você tivesse que ficar longe do seu filho, como seria?

Vale lembrar que quando falamos de Guarda e Convivência entre pais e filhos, a prioridade está nos interesses das crianças e adolescentes, mas vivemos tempos de crise e de medidas emergenciais, em que o cuidado à saúde deve ser priorizada. Este, aliás, tem sido o entendimento de nossos Tribunais. 

Em recente decisão, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu que o momento é de priorizar o melhor interesse da criança, garantindo-lhe máxima proteção (Fonte: TJSP).

Os magistrados brasileiros têm entendido que a convivência familiar é de extrema importância e deve ser preservada, mas é imprescindível que o convívio ocorra de forma saudável, garantindo que a criança esteja protegida em todos os aspectos. 

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Por outras palavras, se a convivência puder se mantida, mantenha. Agora, se puder ser evitada, evite. 

"Mas se o interesse é da criança, ela não deveria ser ouvida?"

Ora, é evidente que se você perguntar a uma criança se ela quer ficar em casa ou ir para a casa do pai ou da mãe, certamente ela vai querer ir para casa do pai ou da mãe (ou pelo menos deveria ser assim).

Por isso, seja pai, seja mãe, e cuide da saúde do seu filho, da sua filha (#ficaemcasa).

Por outro lado, diga-se novamente, se for possível e realizada com segurança, lógico, mantenha, promova a convivência entre pais e filhos.

3. Se a convivência não for possível, encontre novas formas de manter contato e matar a saudade:

Eu sei, nada substitui o contato físico, o beijo, o abraço. Mas é preciso ter paciência e se adaptar em momentos de crise, priorizando a nossa saúde e a saúde dos nossos filhos.

Esses dias, por exemplo, eu assisti um vídeo (até publiquei no meu Instagram) de um enfermeiro que ao chegar em casa, por precaução e cuidado, teve que recusar o abraço do filho que veio correndo para abraçá-lo. São sacrifícios que fazemos e que devemos fazer, não para agradar a mãe ou o pai do nosso filho, mas para cuidar da segurança daqueles que mais amamos.

A tecnologia pode e deve ser nossa aliada. Hoje, basta ter acesso à internet e a um celular simples para se realizar uma videoconferência.

Se não for possível fazer uma videoconferência ou telefonar, faça um vídeo e publique nas redes sociais, escreva uma carta para entregar posteriormente ao seu filho, mas não deixe de demonstrar, de registrar, de declarar para o seu filho o quanto você esteve com ele (esteve presente mesmo estando longe) durante a quarentena.

4. A convivência é possível e segura, mas ela(e) não está permitindo conviver com meu filho para me ferir 

Como eu afirmei inicialmente, as regras estabelecidas judicialmente continuam valendo, e a pandemia de COVID-19 serve de justificativa aparente para "mudar as regras do jogo" (provisoriamente), desde que não existam outras opções seguras para promover a convivência entre os pais e filhos.

Porém, uma vez comprovado que era possível se estabelecer/manter a convivência entre o pai e filho, ou mãe e filho, e esta foi propositadamente obstada com o objetivo de ferir, de magoar, de prejudicar a relação paternal ou maternal, demonstrada e configurada estará a Alienação Parental, que pode ocasionar advertência, reversão da guarda, multas e outras sanções ao alienador, segundo prevê a lei nº 12. 318/2010.

5. Explique ao seu filho o que está acontecendo

Além de não impedir, sem qualquer justificativa, a convivência entre pai e filho, o guardião (responsável pelos cuidados do filho durante a pandemia) deve explicar a situação, informando que o outro genitor (pai ou mãe) está se ausentando por motivo de saúde e segurança, para protegê-lo de uma possível contaminação, sob o risco também de estar praticando alienação parental, nos termos da lei acima citada. 

6. O que fazer diante do extremo, do exagero?

Apesar de permanecer com as portas fechadas para o público em geral, os Tribunais de Justiça continuam atendendo em sistema de Plantão (somente casos urgentes),  analisando os conflitos familiares envolvendo a convivência entre pais e filhos de pais separados.

Além disso, Advogados conciliadores e mediadores têm se mostrado indispensável neste momento, onde a palavra é: negociar

Por isso, tanto aquele que detém a guarda como aquele que não detém deve: (i) investir em comunicação; (ii) procurar expor suas necessidades, sem julgamento, sem acusação e (iii) NEGOCIAR/DIALOGAR para estar junto ao seu filho dando apoio, dando afeto, neste momento tão delicado para tanto nós.

Cuide da sua saúde e da saúde dos seus filhos.

Alexandre Pontual

Alexandre Pontual é Pai da Laur e do Joaquim, criador da comunidade <a>Pai Guardião</a>