Como está a divisão de tarefas dentro da sua casa? A pandemia mudou sua percepção sobre as responsabilidades de cuidado com a casa ou com os filhos?

A pandemia do coronavírus trouxe mudanças bruscas para a vida de famílias do mundo todo. Com as famílias dentro de casa por mais tempo e as crianças sem frequentar a escola, a carga de trabalho doméstico aumentou e, como isso, muitas famílias puderam notar como as mulheres da casa eram especialmente sobrecarregadas.

Isso aconteceu na casa do diretor jurídico, Felipe Alves, 45. Ele e a esposa estão juntos há 14 anos e tem dois filhos: uma menina de 6 e um menino de 4. Felipe conta que antes da pandemia achava que dividia as tarefas com a sua esposa: 

“Sempre tentei ajudar o máximo possível no dia a dia. Mas como eu falei a gente não tem ideia de fato como que funciona esse dia a dia. Principalmente no começo eu pensava: ‘Ah eu to ajudando (lavando uma louça, fazendo uma comida) já está mais do que bom. E na verdade não é isso. Exemplo, se amanhã minha filha tem aula aula, tem que preparar isso, e você já tem que estar pensando nessa preparação. Antes isso não me ocorria. 

O estresse de ser responsável por algo dentro de casa era algo para mim que não estava tão visível e agora na quarentena isso vem muito a tona ” 

Felipe e a família antes da pandemia

Felipe se deu conta dessa diferença no começo do isolamento, e desde então vem trabalhando junto da esposa para estabelecer um equilíbrio maior. Infelizmente, pesquisas apontam que, em muitas família, os companheiros não reconhecem que a divisão de responsabilidades é desproporcional.

Como homens percebem sua participação nas tarefas de cuidado com os filhos e com a casa?

Segundo uma pesquisa apresentada pelo The New York Times, quase metade dos homens dizem que estão sendo responsáveis pela maior parte ou por toda a educação a distância dos filhos em casa. Só 3% das mães concordam. 

Apesar de tanto os homens quanto as mulheres estarem fazendo mais trabalho doméstico que o de costume durante o lockdown, a pesquisa mostra que a divisão do trabalho não está equilibrada igualmente.

A pesquisa mostra que a percepção de homens e mulheres sobre a proporção de divisão do trabalho é bem diferente. Cerca de 20% afirmam que suas esposas são responsáveis pela maioria ou todo o trabalho doméstico e cuidado com as crianças, enquanto 70% das mulheres dizem que são as principais responsáveis pelo trabalho doméstico e 66% delas afirmam o mesmo em relação ao cuidado com os filhos. Essa porcentagem, segundo a reportagem, é parecida com a divisão que se observava antes da pandemia. 

Outros 20% dos homens dizem que eles são os responsáveis por todo ou pela maioria do trabalho doméstico durante o isolamento. Só 2% das mulheres concordam.

Aqui vão alguns gráficos:

Entre pais com filhos menores de 12.

Quem é atualmente mais responsável pelo trabalho doméstico como cozinhar e limpar?

Tradução: Linha 1 – Todos os Casais
Linha 2 – Casais em que ambos estão trabalhando remotamente em período integral
Linha 3 – Casais com crianças menores de 12 anos

Quem é atualmente mais responsável pelo cuidado com as crianças?

Tradução: Linha 1 – Todos os Casais
Linha 2 – Casais em que ambos estão trabalhando remotamente em período integral
Linha 3 – Casais com crianças menores de 12 anos

Se homens e mulheres discordam,
quem estaria avaliando errado sua participação dentro de casa?

Ainda segundo o NYT pesquisas anteriores a pandemia – nas quais homens e mulheres mantiveram diários detalhados apontando que tarefas cada um fez ao longo do dia – apontam que a percepção das mães tende a ser comprovada. 

“Ela faz mais coisas”

A ideia de que os homens tendem acreditar que estão dividindo, quando não estão é bastante comum e está relacionada à “carga mental”. 

Em uma reportagem da NBC news, um empreendedor americano também conta que a pandemia o fez enxergar a diferença da carga: “Ela faz mais coisas. É sempre uma correria passando pela cabeça dela – as tarefas de casa, planejar, botar no calendário, dar manutenção. Era um ponto cego para mim” 

Conversamos também com o Josimar (Jones) Silveira, 40, criador de conteúdo do canal Família Quilombo. Ele conta que também passou por este processo de entender que a divisão de tarefas não estava equilibrada, mas que isso não aconteceu agora na pandemia, e sim há dois anos. 

“Então durante um tempo era isso. Eu fazia algumas coisas, mas a divisão não era feita. A Adriana organizava tudo e eu adiantava algumas coisas. A gente tem um vídeo até falando sobre a gestão mental aqui da casa.”

Jones comenta a importância de, mais do que executar partes de uma tarefa, ser responsável por todo o processo. 

“A tarefa é muito fácil: “Toma aqui uma listinha e faz isso, isso e isso”. E se o outro não der a listinha você está perdido, não faz nada. Um vai ficar responsável por isso, outro por aquilo. Se eu estou responsável pela comida eu tenho que saber o que tem no armário, o que tem que comprar. Eu que tenho que pensar em tudo isso. Ela pode colocar algo a mais ali na lista, mas a responsabilidade é minha.”

O processo de mudar as dinâmicas:

Jones, Dandara e Akins fazendo um suco na cozinha de casa.

Jones, que chegou na quarentena já em um dinâmica de divisão equilibrada, dá a dica para quem está passando por esta transformação agora:

“Acho que primeiro é: tenha consciência de que se você não fizer alguém vai ter que fazer e a outra pessoa vai ficar sobrecarregada. Acho que começar a fazer e a organizar é a parte mais complicada. Porque assim, no começo eu não sabia como fazer: ela organizava e eu só fazia. Então, é sentar e pedir ajudar, aprender: “me ajuda, vamos dividir”.

A princípio a gente colocou no papel mesmo o que cada um faria: o que seria responsabilidade minha e o que seria responsabilidade dela. A partir daí eu passei a ter uma outra visão da casa. Hoje para mim é muito tranquilo pensar no processo, para além de executar.”

Felipe conta que rearranjou as responsabilidades com a companheira a partir dos horários de disponibilidade de cada um:

Felipe e sua família no aniversário da esposa, no último dia 23.

Como ele acorda antes da esposa, fica responsável pelo café da manhã, lava a louça, e prepara a filha que está no primeiro ano para a aula online. Enquanto ela assiste, ele trabalha. A esposa assume o bastão das crianças às 9h. Às 12h ele assume o preparo do almoço. No período da tarde, as crianças e a casa fica ao encargo da mãe e eles invertem a dinâmica depois das 19h, quando começa o curso da companheira. 

“Minha filha tem aula de manhã, pra mim era acordar e botar ela para fazer aula. Mas na verdade você tem que olhar se tinha alguma coisa que ela tinha que preparar, se tinha algum material que tinha que ver. Essa coisas eu não olhava. É um trabalho muito maior do que colocar ela para fazer aula. No começo eu esquecia, ela entrava na aula e se minha esposa não tivesse feito com ela eu esquecia.” 

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A casa como um espaço que também é do homem:

Conversamos recentemente com o Flávio Urra, importante pesquisador do tema das masculinidades. Ele falou sobre como muitos homens não se sentem confortáveis ou parte da casa em que vivem, e também sobre como o isolamento pode ser uma oportunidade de se apropriar mais do espaço do lar e das suas tarefas. 

“Uma coisa da masculinidade que é bastante difícil é que na nossa socialização de homem, o homem é feito para a rua, ele não é feio para a casa. O lar não é uma coisa masculina, o homem não é preparado para o lar. Tem até a música que o “homem sem trabalho não tem honra…” então eu acho que um momento muito difícil para a masculinidade. 

Os homens tem que aprender a se apropriar do lar, fazer limpeza, fazer faxina, cuidar dos filhos. A medida que a gente faz aquelas coisas a gente se ocupa e não se torna aquele homem que atrapalha, que a mulher briga…”

"Equilibramos as responsabilidades e olha no que deu!"

Adriana, Jones, Akins e Dandara juntos em casa.

Assumir a responsabilidade plena por tarefas de cuidado sem dúvida vai exigir esforços e demandar tempo, mas o impacto dessa mudança é promissor: Sobre sua relação, Jones conta:

“Acho que ficou muito mais bacana. Primeiro porque ela sente que não está sozinha na gestão da coisa toda e pra mim também foi muito bom, tanto na relação com a Adriana, quanto com as crianças. Quando você pensa no processo, você conhece mais. É uma obrigação, mas é também um ato de carinho e de afeto e a gente se aproxima mais. Te deixa mais inteiro. Eu tenho mais autonomia dentro de casa, me sinto muito mais parte disso tudo e isso reflete na nossa relação.”

O relato de Felipe é semelhante:

“A mudança, sinceramente está impactando positivamente a família. Eu fico pensando como vai ser o depois porque a gente já criou uma rotina de convivência 100% do tempo e com as tarefas logicamente mais divididas – apesar que ainda há uma sobrecarga maior para ela – mas a minha pergunta é como vai ser depois para mudar isso de novo, se é que vai mudar. Acho que do ponto de vista do relacionamento a gente tem conversado mais, tem visto mais filmes juntos, obviamente tem mais pontos de estresse [por conta do confinamento], mas a gente vem dosando bem.” 

Como começar, do zero, a dividir melhor as tarefas de casa:

A pesquisadora Haley Swenson e a escritora Brigid Schulte, ambas dirigentes da “Better life Lab Expecience’ (Laboratório de Experimentos para uma vida melhor), fizeram uma proposta com 5 passos para que a divisão do trabalho possa ser mais equitativa na quarentena. Vamos apresentar aqui as dicas das pesquisadoras e somar com algumas outras:

1- Faça uma lista

A recomendação é fazer uma lista bem completa de todas as tarefas que fazem parte do funcionamento da casa. Em dupla, separem um tempo para realmente pensar nisso e elencar as tarefas no detalhe. Por exemplo: cuidar da roupa pode ser dividido em lavar, estender, tirar do varal, passar ou dobrar e guardar a roupa. 

Antes de dividir as tarefas, anote ao lado quem tem sido responsável por cada uma delas até agora. Vocês podem usar essa lista para conversar sobre o padrão de comportamento que tiveram até então. Como que vocês chegaram a esse modo de funcionamento? O que vocês podem fazer para deixar mais justo e mais eficiente para todo mundo? Quais vão ser os benefícios para a família com esta nova divisão?

2. Pare para observar

Combinem de fazer um exercício de observação por uns dias. Preste atenção em como e quem executa as tarefas ao longo do dia. A observação pode te ajudar a entender como está a dinâmica da família, compreender as interpretações que um costuma fazer do outro e porque, além de ver como deixar mais justo para cada um. Aqui também é uma oportunidade de já aprender como fazer uma tarefa que não fazia parte do seu cotidiano. 

3. Hora de conversar

É comum que a gente caia no erro de supor o que os outros da família enxergam e pensam. Essa é a hora de abrir espaço para uma conversa honesta (você pode entender um pouco mais sobre comunicação não violenta aqui) para repensar como cada um tem percebido ou sentido diante do trabalho doméstico: O que tem funcionado? O que poderia funcionar melhor? O que cada um gosta mais de fazer?

Troque visões e esteja realmente aberto a ouvir sobre é a visão ideal do outro sobre o funcionamento da casa, e como vocês poderiam conciliar todas as visões (considerando não só o casal mas os filhos também)

Você querem sentir que são um time trabalhando juntos? Voltem para a lista e pensem em qual seria uma divisão justa. Quais seriam as possibilidades que se abre para a família quando o trabalho está bem distribuído?

4. Agradeça pela colaboração 

Mostre sua gratidão diante da cooperação e de todo o trabalho em time que a família fizer. Reconheça a importância da colaboração de cada um e agradeça. 

5. Domínio completo de cada tarefa

É importante que cada um, ao ficar responsável por uma tarefa da casa, abrace toda a responsabilidade pelo processo completo dessa tarefa, sem depender de que outra pessoa peça, supervisione ou cobre a execução dela. 

O momento da observação pode ser usado para aprender o essencial sobre a execução de uma tarefa que não era sua. Claro, precisamos de um momento de adaptação, sempre tendo em mente que, para uma divisão igualitária, é preciso dominar a tarefa de cabo a rabo: planejamento, execução, resolução de problemas e arremate.

Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro <a href="https://www.amazon.com.br/Amulherar-se-repert%C3%B3rio-constru%C3%A7%C3%A3o-sexualidade-feminina-ebook/dp/B07GBSNST1">Amulherar-se" </a>. Atualmente também sou mestranda da ECA USP