Na último semana, as atenções se voltaram para a “Pesquisa GQ: O que o homem brasileiro pensa sobre sexo, moda, machismo e dinheiro”, realizada pelo Instituto Ideia.

Um dos dados que mais chamou atenção foi que apenas 3% dos homens se consideram feios, enquanto praticamente 1 a cada 2 (47%) se consideram bonitos e 44% acredita estar na média. Na soma, 9 a cada 10 está relativamente satisfeito com a sua aparência.

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Esse dado chamou atenção de muita gente e vem sendo republicado em vários portais de notícias e trazendo um questionamento muito importante quando falamos de Masculinidades: a autoestima do homem.

No queríamos destacar alguns questionamentos sobre lacunas em relação a diversidade da população e a amostra da pesquisa. Quem são os homens brasileiros com a autoestima lá em cima?

  • A amostragem da pesquisa atende aos critérios de validade técnica, no entanto o número total pesquisado foi de 600 homens (relativamente pouco), considerando que mais de 40% era do Sudeste e apenas 8% eram do Norte e Centro-Oeste do Brasil.
  • Diante dos dados divulgados, também gostaríamos de ponderar  alguns fatores importantes para uma análise completa, os quais não constavam: como raça, orientação sexual e classe social. 

Autoestima é sobre achar-se bonito?

Para falar de autoestima, podemos trazer a perspectiva psicológica, tendo em vista que autoestima está muito longe de estar relacionada apenas à aparência física. 

O professor e sociólogo Morris Rosenberg, que é também o responsável também pela criação da Escala da Autoestima, explica que autoestima é o conjunto de sentimentos e pensamentos do indivíduo sobre seu próprio valor, competência e adequação (Rosenberg, 1965). 

Não é apenas sobre aparência física, é o sentimento que reflete em uma atitude positiva ou negativa em relação a si mesmo

Outro estudioso sobre o tema, Coopersmith (1989) ressalta que o ponto fundamental é o aspecto valorativo, ou seja de valor, que influencia na forma como o indivíduo elege suas metas, aceita a si mesmo, valoriza o outro e projeta suas expectativas para o futuro (Bednar & Peterson, 1995).

Como os homens avaliam sua autoestima como um todo?

Na pesquisa “O silêncio dos homens”, realizada em 2019 com uma amostragem de 40 mil pessoas (20 mil homens no total), obtivemos o dado de que 53% dos homens consideram sua autoestima excelente ou boa enquanto 19% dos homens considera sua autoestima ruim ou péssima. 

Neste sentido, ainda vemos mais da metade dos homens satisfeitos consigo, mas também pode-se ver uma porcentagem bem maior de homens que enxergam seus problemas de autoestima.

Separando por alguns recortes específicos vemos também que a proporção de homens brancos satisfeitos é maior que a de homens negros, que nas regiões do Brasil, a região norte é a que tem a maior quantidade de homens avaliando sua autoestima como péssima, e que, se a média de homens que considera sua autoestima péssima é de 6%, entre jovens de 18 a 24 essa porcentagem quase dobra, chegando a 11%.

A autoestima das mulheres é mais baixa que a dos homens?

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Ainda baseados nos dados de “O silêncio dos homens”, observamos que 66%  das mulheres consideram sua autoestima excelente ou boa, contra 15% que percebem sua autoestima como ruim ou péssima.

Crises entre homens

Volta a pesquisa da GQ, apesar das boas considerações sobre aparência, a pesquisa trouxe dados que apontam insatisfações dos homens com outros fatores da vida:

  •  70% estaria endividado
  •  60% avalia que posição profissional está abaixo do esperado
  • 83% estão estressados 
  • 74% se declaram ansiosos 
  • 34% dizem ter depressão 
  • 26% reportam sofrer com pânico 
  • 44% afirmam que não praticam exercícios 
  • Apenas 16% dizem já ter feito terapia

Fica a pergunta diante do paradoxo: qual seria essa autoestima masculina que está elevada?

Talvez possamos dizer que, como os homens são menos cobrados esteticamente pela sociedade e como consequência, a grade maioria se sentem razoavelmente satisfeitos com sua aparência.

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No entanto, existe uma diferença muito grande entre o que é autoestima (no sentido de apreço por si) e o que é ego, vaidade, ou indiferença em relação às aparências.

Para ponderarmos de maneira sincera o olhar sobre sua autoestima, sua auto-apreciação, é preciso se atentar para o autoconhecimento.

A sua história, formação, experiências e o resultado de tudo isto, que é a sua visão de mundo é única e estes são fatores que elegem como será esta avaliação de si.

Porque só conhecendo o que influenciou durante sua infância, adolescência e também tudo o que veio antes do seu nascimento, será possível que você observe seus pontos a melhorar, os pontos que você gosta e não gosta e também tudo aquilo que pode interferir na vivência dos outros na sociedade, incluindo as questões que impactam questões igualitárias às mulheres.

Valores, pressões e desigualdades e gênero

Muitas vezes, seu pai, seus avô e os outros, participam da educação nos construíram a base da sua formação trazendo mulheres de maneira sexualizada ou até mesmo se sua mãe comentava que lugar de mulher é na cozinha, esses são fatores que tiram a igualdade entre nós, enquanto seres humanos. 

Os familiares que construíram a base da sua formação reforçaram uma visão de que mulher tem que se cuidar, tem que ser “feminina “, delicada, arrumar os cabelos, fazer bem as unhas, entre outras coisas. Já os homens, estes não. 

O homem deveria manter uma barba bem feita, às vezes até caprichar no perfume, mas sem fazer muito esforço para isso, se não seria até um sinônimo de fraqueza, ou de desvio.

Assim, com base nestes valores distorcidos, vamos construindo uma sociedade em que, com pouco ou nada de esforço vemos homens satisfeitos com a sua aparência enquanto estes mesmos, cobram das parceiras uma performatividade estética e sexual que cansa e é injusta com as mulheres. 

Por isso, é necessário este conhecimento para tratarmos de questões como machismo tanto individualmente, quanto socialmente.

Da beleza às questões de gênero

Qual é o problema de apenas 3% dos homens se acham feios?

Primeiro que levantamos a questão de “será que este dado realmente representa a população brasileira?”. Mas supondo que sim, a princípio não é problema que 9 de 10 homens se sintam na média ou bonitos.

O problema é vivermos em uma realidade em que há uma cobrança estética absurda direcionada às mulheres, pressão esta que é reforçada e transmitida também pelos homens: “baranga”, “não se cuida”, “anda desarrumada” são frases muitas vezes proferidas por homens que certamente não despejam as mesmas cobranças sobre si mesmos. 

É importante que as pessoas no geral, se gostem, se sintam confortáveis em suas peles, em suas vidas, se apreciem e que façam isso sem deixar que o ego te coloque como melhor que alguém.

Ainda quando se aponta de maneira perjorativa sobre a elevada “autoestima do homem hétero”, precisamos ter em mente que o problema não é a autoestima, é o ego. É uma possível arrogância e uma cobrança estética que se faz desigual entre homens e mulheres. 

É possível ter um bom senso de apreciação sobre si mesmo, e ainda assim guardar espaço para uma postura de humildade, de reflexão sobre si, que permite ao longo dos dias e dos anos, que nós possamos nos gostar e, ao mesmo tempo, entender que somos falhos, que temos muito o que melhorar, que precisamos rever apontamentos.

Gregory Azevedo

Atleta, profissional de mídias sociais e branding, se apaixonou por cultura e comportamento e passou a estudar e escrever sobre homens e homens pretos.