Não é pouco e não é de hoje. Um dos mitos mais importantes a serem combatidos é o da ansiedade infantil ser bobeira de criança. Medos e preocupações vistos como birra ou chilique, uma situação passageira que vai melhorar com o tempo. Tratamos, muitas vezes, questões das crianças como algo menor, porém não faltam evidências e estudos pedindo um olhar mais atencioso para a questão.

Na cartilha Ansiedade em crianças: um olhar sobre transtornos de ansiedade e violências na infância, da Fiocruz, um estudo feito com 500 crianças em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, aponta que 9,3% delas tinham sintomas de ansiedade e que mereciam mais atenção por parte de seus pais, professores e profissionais de saúde.

Em um outros estudo, feito em Taubaté, São Paulo, com 1251 crianças escolares de 7 a 14 anos, verificou-se 5,2% delas com transtornos de ansiedade, para depois fazer uma comparação rápida com países como a Grã-Bretanha, que possui taxas mais baixas em comparação a amostras brasileiras, de 3 a 4%.

Dados de pesquisas conduzidas na área de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, revelam que aproximadamente 10% de todas as crianças e adolescentes têm ou irão ter algum tipo de ansiedade, afirmação feita numa conversa do professor Fernando Asbahr, da Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, ao Jornal da USP em 2018.

No áudio, ele comenta ser “importante ressaltar que, ansiedade, todos nós temos, a nossa espécie. Nós sentimos medo e ansiedade diante de situações de perigo. A questão é quando essa ansiedade é desproporcional à situação em si”.

Eu conversei com a Dra. Ana Flávia, psicóloga especialista em ansiedade infantil, e ela me comentou que, na infância, os quadros mais comuns de ansiedade são relacionados a fobias específicas (animais, injeção, escuro, altura, ruídos intensos) e transtorno de ansiedade de separação, que é o desconforto de estar longe de casa ou dos pais.

Mas o que é uma ansiedade infantil, afinal?

Segundo a Dra. Ana Flávia, são sentimentos de apreensão que podem ser acompanhados de uma série de reações fisiológicas, como palpitações, tensão muscular, sudorese, boca seca e enjoo; comportamentais, como evitar situações cotidianas facilmente confrontadas anteriormente; e psicológicas que vão desde a sensação de um simples desconforto de que algo vai acontecer de ruim até um completo ataque de pânico com sensação de desmaio e medos.

Ela também diferencia a ansiedade inerente a nós, seres humanos, de quadros que pedem mais atenção:

“Se não fosse a ansiedade, provavelmente nós, seres humanos, não estaríamos vivos. Quando aparece em intensidade leve, tem o papel de prevenção e proteção diante de inúmeras situações de perigo real, emergências e que podem incluir risco de morte, por exemplo. Porém, quando se torna excessiva, extrema ou irracional, ela pode rapidamente transformar sua função adaptativa em disfuncional. A ansiedade se diferencia dos medos normais da infância quando a criança apresenta uma reação exagerada e pouco adaptada, que foge do controle, leva a reações de fuga, é persistente e causa comprometimento no funcionamento da criança”.

Tem tratamento?

Tem sim. A Dra. me passou que a Terapia Cognitivo Comportamental é considerada a primeira escolha terapêutica para crianças com sintomas ansiosos leves ou moderados. Quando os casos mais tendem a se agravar, a recomendação de tratamento é a junção da psicoterapia com a medicação.

Eu perguntei qual seria o melhor caminho, aquele entre a pressa e a morosidade.

 “Como qualquer outro problema de saúde, os Transtornos de Ansiedade tendem a piorar se não for feito um tratamento adequado. Além disso, podem desencadear uma série de outras complicações, evasão escolar, depressão, doenças não psiquiátricas na tireoide, hipoglicemia e doenças gastrointestinais. Então, a recomendação é que, nos primeiros sinais de ansiedade, a família busque avaliação com psicóloga ou psiquiatra infantil que vão poder orientar o melhor tratamento”.

Como os pais podem ajudar (ou não atrapalhar) no desenvolvimento de crianças menos ansiosas?

“Os pais não são culpados pela ansiedade dos seus filhos”, me afirmou a Doutora. Ela também disse  que a ansiedade é um problema de saúde mental com múltiplas causas, com aspectos genéticos, neurobiológicos e ambientais.

 “Em muitos casos, os genes podem desempenhar um papel crucial no desenvolvimento ou não de um Transtorno de Ansiedade. Porém, essa predisposição pode não se manifestar até ser despertada por uma situação estressante ou traumática. Assim, a manifestação de um Transtorno depende também de uma interação entre genes e ambiente”.

É aqui que os fatores parentais podem estar associados à ansiedade. Quando os pais agem de um lugar de superproteção, preocupação excessiva, educam por meio de ameaças e punições, podem causar nos filhos uma apreensão excessiva, que desencadeia o comportamento de evitação e a ansiedade infantil.

“Pais de crianças ansiosas são um modelo de comportamento ansioso, já que identificam mais ameaças em situações ambíguas e os filhos aprendem a lidar com suas preocupações, medos e ansiedade evitando aquilo que as preocupa. Isso pode fazer a criança se sentir melhor temporariamente, mas não ajuda a superar a ansiedade”.

Os pais têm o papel de oferecer segurança e ajudar na regulação emocional dos filhos, encorajando-os na confiança para enfrentar os desafios e não reforçar a evitação de situações temidas, porque isso intensifica a ansiedade.

Elogiar, motivar e valorizar os comportamentos corajosos dos filhos é uma ajuda grande. Assim como dar pouca atenção ao que pode ser considerado um comportamento inadequado, excessivamente preocupado, que tenderia a manter a ansiedade.

O professor Fernando Asbahr, naquela conversa na Rádio USP, reforça que nossa atenção é importante. “Um problema de ansiedade, no geral, é silencioso. É muito difícil, num primeiro momento, observar, quem está de fora, a vivência daquela criança. Outra questão importante […] é, os pais, quando lidam com a situação e acham ser uma fase, algo momentâneo, “eu também tive isso”, os que chamam de frescura.

Leia também  O que aprendemos com nossos pais?

E para que esse possa ser o início de uma conversa e de olhares mais atenciosos dos pais com possíveis questões de ansiedade de suas filhas, de seus filhos, eu também peguei dois relatos de pais que experienciam a ansiedade infantil com seus filhotes.

Como a pandemia desencadeou crise de ansiedade na filha do Marcus Veloso

Tudo começou com crises de falta de ar e arritmia. A pequena não queria mais dormir sozinha e tinha um sono extremamente agitado. Durante à noite, sempre ia para o nosso quarto pedir para dormir conosco, procurando segurar minha mão ou a mão da mãe para se sentir segura.

Eu me senti inútil e impotente, pois não tinha como ajudar. Mesmo dando amor, abraçando e conversando, vi o que ela sentia não passava. Levava no Pronto-socorro para ela se sentir melhor, ouvia da pediatra de plantão que era uma crise de ansiedade, e a indicação foi para procurarmos um profissional de psiquiatria infantil.

Logo na primeira consulta com a psicóloga, foi esclarecido que era ansiedade. O tratamento se deu com medicação bem suave para crises de ansiedade, e agora a nossa filha utiliza medicamento fitoterápico. Ela continua em tratamento com a psicóloga e está sem crises recentes.

Minha sogra faleceu em janeiro passado, de Covid-19, em nossa casa, e foi bem difícil. Nessa época, não tive apoio da primeira psicóloga, que não nos atendeu e, sem esse auxílio num momento tão importante, trocamos de profissional.

Ainda tenho muito medo, pois vi o estrago que a doença Covid-19 potencializa nas pessoas, na família. Minha filha foi bem afetada psicologicamente, tive até que levá-la ao psiquiatra, uma única vez.

Ainda estou em processo, com a pandemia nada está certo. Minha esposa já era paciente da psiquiatria, pois há mais de três anos vem acompanhando depressão e síndrome do pânico, e a morte da minha sogra afeta tremendamente a recuperação da saúde mental de minha esposa. Eu tento demonstrar fortaleza para os meus dois amores em casa, mas sei que em algum momento a muralha irá ceder. Eu tento não estar sozinho, converso com meus tios e tias que moram na cidade do Rio de Janeiro e, às vezes, com um amigo que tenho amizade há mais de quarenta anos, que me apresentou o coletivo Pais Pretos Presentes.

Um conselho que Marcus deixa aos pais:

Paciência e entendimento. Eu sei que vai passar, porém demora um pouco, pois trata-se de uma criança que está se descobrindo e não sabe o que está passando.

Gostaria de ter conversado com pais que passaram ou passam pela mesma situação. Quem está de fora não tem entendimento, e acha que é birra da criança, mas é algo muito sério e pode afetar o desenvolvimento emocional e social da criança.

Como o papo com outras famílias ajudou Erick Bernardes a lidar com a ansiedade do filho

É um processo complexo, porque também me sinto ansioso. Em março de 2020, recebemos a notícia de que a escola iria ter que parar de forma presencial e o processo de ansiedade veio com o fechamento da escola na pandemia. Optamos por mudar de escola, e ele começaria sua adaptação na nova instituição. Tivemos dificuldade em achar uma rotina.

E a impaciência do meu filho ficou mais evidente, uma dificuldade por parte de expressar os sentimentos no período de distanciamento. A alimentação também foi um dos motivos, ele passou a comer rápido demais, pedindo doces de sobremesa (antes, em alguns momentos, dávamos frutas) e os pedidos para se alimentar foram encurtados, como se não houvesse saciedade. O sono também teve alteração, com ele mais alerta para mínimas movimentações.

Nesse processo, procurei outras famílias para trocar, saber como estavam lidando. Conversava no coletivo Pais Pretos Presentes e com outras pessoas próximas. Eu sentia falta da socialização e ficava elaborando uma estratégia para isso voltar acontecer.

A tomada de decisão aconteceu na nova escola, já em 2021, com suporte pedagógico. A escola se disponibilizou para ajudar nesse processo e não fizemos uso de medicação, procuramos adequar uma rotina de tarefas, alimentação e sono.

Sinto que, de forma gradativa, estamos melhorando, mas é um exercício diário. Vejo que às vezes conseguimos ir num parque e aproveitar mais. Claro, a pandemia interferiu muito também. Hoje me sinto melhor, mais adaptado aos protocolos, continuo me protegendo e protegendo a família, mesmo depois de ter tomado as duas doses da vacina.

Busquei sempre apoio na família, meus pais são vivos e auxiliam, minha sogra da mesma forma e no coletivo, converso muito, abro meu coração!

Um conselho que Erik deixa aos pais:

A pessoa deve buscar alternativas, seja terapia, seja familiar, ou os amigos. Ter uma rede de apoio faz a diferença e uma ocupação também. Conseguir trabalhar durante a pandemia também fez parte da melhora.

Mecenas: Nestlé por crianças mais saudáveis

O Programa Nestlé por Crianças Mais Saudáveis é uma iniciativa global da Nestlé, que assumiu o compromisso de ajudar 50 milhões de crianças a serem mais saudáveis até 2030 no mundo todo. Desde 1999 foram beneficiadas mais de 3 milhões de crianças no Brasil. 

Com o lema “muda que elas mudam”, a partir de uma plataforma de conteúdo, o programa estimula famílias a adotarem hábitos mais saudáveis e ainda promove um prêmio nacional que ajuda a transformar a realidade de 10 escolas públicas por ano com reformas e mentorias pedagógicas. 

Conheça mais no site do programa.

Mecenas desktop
Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados