Imagine um homem, de baixa renda, que trabalha o dia todo e, às vezes, adiciona mais um turno na sua jornada de trabalho.

Um sujeito que se vê com o peso do mundo sobre as costas e  enxerga em seus esforços o único caminho para alcançar suas metas pessoais — nem que seja apenas sobreviver, um dia por vez. Lapidado a vida toda para não deixar que nada tire a sua atenção, esse homem centraliza toda a sua energia nisso.

Esse homem em questão pode até ser imaginário, mas existe aos montes por aí.

Julio Machado como Jorge, em A Sombra do Pai.

Desde os primeiros momentos de vida, a virilidade é imposta ao homem. É colocado para nós, ao longo do crescimento, que temos que ser fortes, independente das circunstâncias. Os sentimentos? São colocados em último plano, porque é preciso passar por cima deles o tempo todo. Para além disso, ainda há a regra intangível de honrar o papel que a natureza nos concedeu, não deixando ficar sob “suspeita” as nossas masculinidades.

Toda essa montanha de imposições clássicas do que é ser homem causam travas nas relações. Isso desgasta, adoece e enfraquece os laços de tal forma que fica insustentável seguir feliz de alguma maneira. Essa infelicidade se torna rotina, as coisas mais belas vão perdendo o brilho de suas existências. Até um filho é incapaz de resgatar esse homem das profundezas da sua masculinidade.

Todos estes símbolos sociais fazem parte da narrativa de um filme nacional que acabou de entrar em cartaz e será exibido no MIS (Museu da Imagem e do Som, em São Paulo) de forma gratuita nesta sexta-feira, 17 de maio, às 19h: “A Sombra do Pai”.

Eu já assisti, e, pra mim, foi um processo intenso e profundo.

Jorge (Julio Machado) é um homem que se entrega ao trabalho e não pode, ou não consegue, se entregar em casa para sua filha Dalva (Nina Medeiros). Existe um mundo de coisas sugando suas energias e um silêncio em que guarda todas elas. Eu me vi ali, naquele lugar. Passo pelo menos 12h por dia, 6 dias da semana, fora de casa. E ao chegar em casa, existe uma carga comigo que não me deixa fluir junto com a minha família.

Jorge e a filha, Dalva (Nina Medeiros)

Eu sei o que é chegar em casa pesado, apesar de entender que não é assim que deveria me sentir. Entendo que é preciso ser leve para nossos pequenos, até porque eles têm a incrível capacidade de perceber nosso estado emocional.

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Obviamente, não é tarefa fácil. Antes de qualquer coisa, a tomada de consciência ajuda no reconhecimento de que existe uma carga muito grande, a ponto de causar estragos nas pessoas ao redor. Um ponto de partida difícil, pois trata-se de uma mente lapidada por décadas. Em seguida vem a mudança de atitude. Fazer as coisas de maneira diferente do que vinha sendo feito, colocar para fora tudo aquilo que foi aprisionado ainda no início da formação do caráter.

Todo esse movimento é impossível de ser feito de maneira brusca. Apesar de um lugar dolorido, já está estabelecido, e é menos confortável do que enfrentar uma maré contrária. Seja para mim, para você ou para o Jorge, essa mudança leva tempo, esforço e persistência.

Mas um homem, imerso dentro de uma sociedade em que o silêncio sobre as emoções impera, não consegue chegar nem ao primeiro estágio da mudança. E pior: pode se atolar cada vez mais em um terreno desfavorável, sendo empurrado mais para baixo pelos baques que a vida traz ou pela simples incapacidade de se permitir receber um abraço.

Enfim. Se em algum momento desse texto você sentiu que esse lugar sobre o qual eu e o filme falamos também é seu, assista. A Sombra do Pai tem muita coisa a nos dizer, e é um filme que pode ajudar nessas reflexões, nem que seja como ponto de partida para um debate com os amigos.

Convite: vamos ver o filme e debater sobre paternidade?

Por falar em debate: após a exibição desta sexta-feira, 17 de maio, haverá uma conversa entre a diretora do longa, Gabriela Amaral, o produtor Rodrigo Sart e dois nomes conhecidos de quem frequenta o PapodeHomem: Ismael dos Anjos, autor da casa e coordenador do PdH Insights, e Leonardo Piamonte, psicólogo que já escreveu por aqui e é membro do Balaio de Pais. A discussão será em torno das abordagens do filme sobre as masculinidades e a paternidade.

Te vejo por lá!

Bruno Amorim

Assistente de compras e mercadólogo. Nascido em São Paulo, pai do Benício e do Noah, administra e escreve para as redes sociais do <a>Balaio de Pais</a>. Luta diariamente por um mundo melhor para as próximas gerações."