Machista parece uma palavra tão distante. Às vezes soa como um xingamento tão ingênuo e ofensivo quanto “cabeça de melão”. Outras vezes, parece meio fora de contexto, datado. Mas o que é machismo?
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ma.chis.mo2 – sm (macho+ismo) 1 Atitude ou comportamento de quem não admite a igualdade de direitos para o homem e a mulher, sendo, pois, contrário ao feminismo. 2 pop Qualidade, ação ou modos de macho; macheza, machidão.
(definição do dicionário da língua portuguesa Michaelis)
Ler a citação acima torna tudo um tanto agressivo demais. Porque define que um machista é alguém que crê que homens são melhores que mulheres e, obviamente, ninguém vai sair por aí falando isso seriamente.
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A questão aqui não é se rotular ou apontar para as pessoas acusando quem é ou não machista. O que importa é assumir a existência do machismo presente na sociedade que oprime mulheres e homens.
Antes de tudo, é bom deixar claro que vivemos numa democracia e é essa que permite a expressão da nossa opinião o momento que quisermos. Temos o poder, inclusive, de ofender uns aos outros. Porém, quem ganha com isso? A democracia é constituída por pessoas com suas ideias, preconceitos e diferenças.
Se falo o que bem entendo sem pensar no outro, quem ganha com isso? Claro que apoiamos o livre direito de expressão, mas também a luta por uma democracia mais equilibrada.
O título desse texto é direcionado para quem acha que o machismo não existe, mas aconselho às pessoas que acreditam na existência machismo a mesma atenção. O machismo não está na cabeça de uma ou duas pessoas e assumir a existência de um problema social é o primeiro passo. Conhecer suas consequências e entender porque isso é um problema são os seguintes.
Há mais do que sete fatos que poderiam ser citados, mas vamos ficar com este número cabalístico para começo de conversa.
1. Homem é tudo igual
Quantas vezes, em conversas e situações diversas, você já ouviu a frase: “Mas homem é tudo igual!”? Sem nem ter direito a defesa, você foi jogado no mesmo balaio que todos aqueles homens “galinhas e sem caráter que só querem enganar as mulheres”.
Pois saiba que muitas mulheres repetem isso por puro machismo, da mesma maneira que ouvimos tantas vezes no trânsito o clássico “só podia ser mulher mesmo!”. O sexismo padroniza as pessoas e nos coloca em caixas estereotipadas que afetam a maneira como vemos o mundo. Então, se você é macho de verdade, tem que agir como tal.
Não pode rebolar ao som de Lady Gaga (a não ser em festas de casamento e formatura, devidamente alcoolizado), tem que estacionar a baliza de primeira e tem que pegar qualquer mulher que der mole porque, se não, sua sexualidade estará em dúvida. Você não vai conseguir agir assim para sempre. Um dia vão descobrir aquela “Poker Face” no seu fone de ouvido. As diferenças existem e temos que acabar com essa história de rosa x azul.
O que surpreende não é o pensamento comum sobre essas constatações ou as piadas feitas a respeito, mas o espanto das pessoas ao encontrar situações e seres humanos que contrariem esse senso, como encontrar uma mecânica mulher na oficina ou um professor homem trabalhando creche.
Ninguém quer ser julgado por habilidades físicas e psicológicas que são atribuídas antes de nos conhecer. Portanto, comece a perceber hoje as suas diferenças para poder observar bem melhor a pluralidade das pessoas. Você não quer ser igual a todo mundo, não é mesmo?
2. Hoje em dia não existe mais diferença no tratamento de homens e mulheres na política
“Especialistas dão dicas de como lidar com mulheres na política”.
Mulheres são minoria na política. Atualmente temos uma presidenta, nove ministras (de um total de 37), 12 senadoras (de 54) e 45 deputadas federais ocupando uma pequena parte das 513 cadeiras. Por sermos novatas no local, é importante dar dicas de como as pessoas podem adivinhar nossos pensamentos por meio do formato de nossos cabelos. Claro.
Como se não bastassem as cotas para candidatas nos partidos, o questionamento sobre a capacidade de uma mulher fazer política e todos os obstáculos que uma vida pública pode trazer para qualquer pessoa – independente do gênero – ainda temos que aguentar a ladainha da avaliação física, como se isso influenciasse diretamente no modo de uma mulher governar.
Imagine o cenário oposto, se chegássemos às mesmas conclusões sobre os trajes dos colegas (homens) de gabinete: analisar a cor da gravata, o nível de brilho da careca, etc.
“Sinais básicos a serem atentamente observados, assim que a Presidente ou suas ministras (também superiores a vocês) adentrarem qualquer recinto:
a – terninho e cabelo bem penteado: humor estável, dia tranquilo.
b – terninho e cabelo murcho: humor de cão. “Tentem remarcar o compromisso para outro dia.”
(Trecho de um artigo da Gloria Kalil)
Para ler:
Mulheres na Política – Estadão
As mulheres e a reforma política – Bárbara Lopes
3.Mulheres preferem chocolate a sexo
Portais de notícias estão cheios de pesquisas que ninguém sabe como são feitas, mas que afirmam categoricamente: mulheres preferem muitas coisas ao invés de sexo. O mais interessante é que ninguém se pergunta por que isso acontece.
Vamos pensar na educação que é dada a homens e mulheres: a virilidade do macho é uma das características mais celebradas (não é à toa que, nos filmes pornôs, o momento do gozo masculino tem close e estouro de champanhe da vitória). Para mulher, o recato.
Até mesmo a ciência do início do século XX assegurava como características femininas, por razões biológicas: a fragilidade, o predomínio das faculdades afetivas sobre as intelectuais, a subordinação da sexualidade à vocação maternal. Em oposição, o homem conjugava à sua força física uma natureza autoritária, empreendedora, racional e uma sexualidade sem freios.
Temos então: mulheres que não desenvolvem plenamente sua sexualidade há muitos anos, dentro de uma sociedade que até hoje não dá a abertura devida. Não parece ser à toa que existam tantas pesquisas tentando explicar porque não gostamos tanto de sexo como homens afinal, não é o machismo, é que preferimos viver eternamente preocupadas com o peso.
Ainda de acordo com as pesquisas, os homens não gostam de lingerie vermelha.
4. Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher
Sempre que pensamos em brigas de casal, vemos pratos voando pela sala. Porém, há uma realidade interna de gritos, humilhações, maus tratos e ameaças. A maioria dos nossos relacionamentos é baseada em posse e desconfiança.
No caso das mulheres, há o agravante de serem vistas como parte das propriedades do marido. É muito comum o sujeito, de mal com a vida, descontar na mulher suas frustrações ao invés de procurar alguém do seu tamanho na rua (o que seria igualmente errado). De acordo com uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo em parceria com o SESC, realizada em 2010, a maioria dos homens diz considerar que “bater em mulher é errado em qualquer situação” (91%).
Embora apenas 8% digam já ter batido “em uma mulher ou namorada”, um em cada quatro (25%) diz saber de “parente próximo” que já bateu e metade (48%) afirma ter “amigo ou conhecido que bateu ou costuma bater na mulher”.
Brigas de casal implicam, geralmente, num cenário de dominação e humilhação. E nós sabemos qual parte do casal é mais comumente inferiorizada. E se inferiorizar mulheres é machismo, se omitir frente a este problema também é tomar uma posição sobre ele.
5. Serviço militar obrigatório é coisa de macho
Todos os homens brasileiros com mais de 18 anos sabem bem o que é o serviço militar. E isso nunca foi uma preocupação para as brasileiras. É mera opção. Tirando os casos de caras que tem as “costas quentes” ou algum problema físico, todos os homens tiveram o mínimo de preocupação com este fato imutável de suas vidas.
Os motivos pelos quais decidiram que apenas os homens comporiam o contingente de nossas Forças Armadas são subentendidos pela maioria das pessoas. Mas você conseguiria listá-los?
“Mulheres são mais fracas”. “Alguém tem que ficar em casa cuidando das crianças”. Em todos os pontos que pensarmos, vale se perguntar se realmente uma coisa restringe a outra porque existem mulheres nas forças armadas do Brasil desde 1980 e elas não são só enfermeiras, mas sim estão pilotando caças por aí. Mas por que só os homens são obrigados a se apresentar? Qual é o critério que ainda restringe as mulheres da obrigatoriedade do serviço?
O objetivo não é responder exatamente a essas perguntas, como se elas tivessem resposta prontas, mas entender que o machismo prejudica todos nós. As mulheres estão nas forças armadas, todos sabemos que são aptas a cumprir as funções, mas por que só os homens devem se apresentar obrigatoriamente? A questão é biológica ou apenas cultural?
Para ler:
30 anos de Mulheres na Marinha
História das mulheres no Exército
6.Quem estupra mulher feia merece um abraço
O humor é uma linguagem e como toda linguagem deve ser livre. O humor também possui um discurso ideológico e é destinado a um público específico, portanto, deve ser passível de crítica.
Há uma categoria no humor que podemos chamar de chavão ou clichê. São aquelas piadas do tempo de nossos avós. São as piadas sobre mulheres feias ou burras, “bichinhas”, pretos pobres e qualquer outra minoria que possa ser estereotipada. Você já ouviu piadas do tipo “o que são 4 homens brancos heterossexuais num fusca verde?”. Pois é.
Piadas estão aí desde que o mundo é mundo, mas o humor funciona mesmo quando subverte nossa lógica e nos tira do senso-comum. Fazer piada com quem está por baixo socialmente é moleza. Reproduzir preconceitos que são passados há gerações nas famílias é fácil.
Mulher feia tá aí sendo chamada de canhão na rua todo dia. Quero ver é fazer rir sem apelar para ofensa, como a Wanda Sykes faz. Até violência doméstica pode ser piada, quando é um humor que propõe reflexão sobre os estereótipos reproduzidos que estão sendo representados.
Link YouTube | Documentário indispensável para quem quer entender mais do "Corpo das Mulheres"
Num país onde somos ensinados a não deixarmos ser estupradas ao invés de ensinar que estupro é crime, esse tipo de humor tem um valor simbólico imensurável para identificarmos que o machismo está aí, em homens e mulheres, e é tão naturalizado que pode vir em forma de risos.
“Todo dia 8 de março, volto para casa e vejo um monte de mulheres com rosas vermelhas na mão, no metrô. É um sinal de cavalheirismo, dizem. Mas, no mesmo metrô, muitas mulheres são encoxadas todos os dias. Tanto que o Rio criou um vagão exclusivo para as mulheres, para que elas fujam de quem as assedia. Pois é, eles não punem os responsáveis. Acham difícil. Preferem isolar as vítimas.”
(Trecho de “Dispenso essa rosa”, de Marjorie Rodrigues)
7. Mulheres são heroínas que trabalham, cuidam da casa e estão sempre bonitas
"Como você concilia carreira e filhos?”
Pense nas revistas semanais ou em entrevistas com homens que sejam campeões esportistas, políticos ou cantores famosos, pessoas que possuem uma rotina cheia e com muitas viagens. Alguma vez você viu alguém perguntar como eles conciliam carreira e filhos? Ou o que mais gostam de cozinhar?
Conciliar filhos e carreira parece ser um desafio apenas da mulher. Mas esperem! Todas as mulheres estão tendo seus bebês por meio de fertilização in vitro com doadores anônimos? Como será que os pais dessas crianças conciliam carreira e família?
Há escolhas que afetam muito nossas vidas, como a mudança de cidade ou um novo emprego. Há escolhas que a sociedade parece fazer por nós. É obrigação da mulher conciliar carreira e filhos, enquanto o papel do homem é apenas ser o provedor.
Perdem todos nessa relação. A mulher sobrecarregada que não se desenvolve na carreira e o homem que perde a experiência prazerosa de criar os filhos de forma presente. De acordo com dados recentes do IBGE, mulheres ganham 20% a menos que os homens. Por mais escolaridade que tenham, o elevador profissional não chega até a cobertura para as mulheres. Há um teto de vidro que as impede de ascenderem no mercado de trabalho. Uma das respostas para este problema está no fato de que apenas elas têm que conciliar suas ambições profissionais com a família.
Repito: todos perdem com o machismo.
Um texto de autoria coletiva das Blogueiras Feministas
Organização e edição de Nessa Guedese Bia Cardoso.
Nota do editor: Esse é o primeiro de uma série de artigos semanais que publicaremos no Papo de Homem. Pareceria óbvio, mas me sinto na posição de convocá-los para uma bela discussão nos comentários abaixo. Gostaríamos que tudo transcorresse sem agressões gratuitas e com a excelente troca de ideias que temos na maioria dos assuntos que tratamos aqui.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.