O fofo da puta. Ou porque é tão difícil ser bom


Esses dias li o texto de um jornalista falando do encontro fortuito com um escroto-fofo que, na noite da Virada Cultural, invadiu uma faixa de pedestres, ultrapassando um sinal fechado, quando várias pessoas atravessavam.
Porque escroto-fofo?
Depois de quase atropelar a patuleia, o rapazola simplesmente olhou pela janela de seu carro, com uma expressão angelical com direito a biquinho e pediu desculpas com vozinha mansa. Conhecem alguém assim?
"Poutz, chutei o carrinho de feria da velha e mandei ela tomar no cu. Mal aê. Foi sem pensar"
"Poutz, chutei o carrinho de feria da velha e mandei ela tomar no cu. Mal aê. Foi sem pensar"

Um amigo cunhou o termo “fofo da puta”, que é aquele rapaz bonitinho, aparentemente simpático, mas que em privado ou em seu grupo próprio, se revela um sacana de marca maior, com piadas escrotas, termos chulos e comportamento babacas. E esse, conhecem?
É preciso fazer justiça. O escroto-fofo e o fofo da puta não são os maiores escroques que vamos ter o desprazer de conhecer. Não, o escroto-fofo não é o cara que fornece armas para as crianças-soldados africanas. O fofo da puta não contrabandeia micos-leões dourados, não derrama óleo nas praias do Taiti, não quer conquistar o Castelo de Greyskull nem comer os Smurfs.
Ele só é... bem... escroto. E a carinha "cutí-cutí" tem um propósito.
Com a escrotisse do dia-a-dia, a natural, nós já estamos acostumados, pois passamos a vida inteira tendo que lidar com babacas no trabalho, bully no colégio e professores filhos da puta na faculdade. Ainda que não precise definir, posso explicar o escroto regular como aquele cara que não respeita os outros e se sente legitimado no seu comportamento, prenhe da razão.
O linguajar chulo diz que ele caga e anda, liga o foda-se, e você aí deixe de ser fresco que a parada aqui é assim, mermão!
Mas esse não é o caso. O que é de foder com os fofos da puta é que ele sabe que tá fazendo a coisa errada, mas acha que pode te apresentar um bom motivo para justificar aquele vacilo, que não vai se repetir. É como quando seu filho/sobrinho/neto enfia sempre o dedo no nariz e você briga com ele. Ele vai ficar um tempo sem limpar o salão, mas quando você vacilar, lá está ele futucando a narina e, quando você o pilha no ato, ele faz a carinha mais fofa do mundo para evitar a bronca.
O fofo da puta é assim. Ele avança o sinal vermelho, mas foi porque estava super atrasado para aquela reunião. Joga lixo no chão, mas só porque ninguém consegue encontrar uma lixeira nessa cidade. Não devolve o troco porque o Mcdonalds já está bem rico e não vai sentir falta.
E ele pode ser o seu amigo aí do lado, ou você mesmo possa ser um escroto-fofo. Talvez eu.
É que nós não somos condicionados a sermos virtuosos apenas pelo amor a virtude. No catecismo do colégio, aprendi que deveria respeitar os mais velhos porque se não o fizesse, eu ia para o inferno. Simples assim, sem nenhuma explicação de que eu devia respeitar aquele que contribuiu para o mundo antes de mim. E seguia nessa toada: se eu brigasse com meu coleguinha, não devolvesse o troco, usasse o nome de Deus em vão, maltratasse os animais, o Tinhoso me pegava ali na esquina.
"Cuspi no lanche da tia da limpeza, passei o pau no apagador dos professores, chutei a bunda do gordinho e chamei a menina lá da frente de feia. Mas nem foi por querer, tô num dia mais ou menos. Não vai m ais acontecer, cê sabe como é"
"Cuspi no lanche da tia da limpeza, passei o pau no apagador dos professores, chutei a bunda do gordinho e chamei a menina lá da frente de feia. Mas nem foi por querer, tô num dia mais ou menos. Não vai m ais acontecer, cê sabe como é"

Gostaria de dizer que de lá para cá as coisas realmente mudaram. Quantos amigos nós conhecemos que só são gentis com as mulheres que querem pegar? Que são bacanas, compreensíveis, atenciosos, mas depois juntam na mesa do bar o Batata, o Django e o Sujeira e contam em detalhes como fizeram a ladeira trepidante quando comeram aquela gostosa do 408 e como a otária está apaixonadinha por ele?
Um colega aqui do PdH defendeu que, em sua essência, o cavalheirismo é machismo e o pau cantou nos comentários. O texto é bem bacana e me surpreendeu muito o método “Toninho Bombadão”. O Alex Castro só faz gentilezas para a sua companheira que ele faria igualmente ao Toninho, evitando assim qualquer forma de machismo de sua parte.
Não sei porque diabos tendemos a sentir mais compaixão pelos animais do que por nossos semelhantes, mas, se servir para você, imagine o Pernas, um cãozinho com apenas três patas. Você pararia o trânsito para ajudar o Pernas a atravessar a rua. Se o Pernas chorasse por comida, você prontamente correria no supermercado e compraria um suculento bife para o Pernas. Se o Pernas passasse frio na rua, você o abrigaria em sua casa.
Somos condicionados à virtude apenas pela existência de uma coerção externa, seja a religião, a sociedade, os pais. É essa prática que tem que mudar.
Quando era adolescente desci do ônibus e, antes de atravessar a rua, joguei uma lata de refrigerante no chão. Minha mãe sempre me ensinou a jogar lixo no lixo, mas talvez eu estivesse pesando em mais uma campanha ridícula do Corinthians, que a Malu insistia em não me dar, e simplesmente, caguei e andei. Uma senhorinha parou o seu carro e pegou a lata, me dizendo que lugar de lixo é no lixo. Aquele foi um dos pontos mais baixos da minha vida e desde então eu exerço a contínua prática de tentar ser o menos escroto todos os dias, em todos os momentos.
Não sei o que rola, se é um resquício do nosso instinto desde o estado natural. Mas a nossa tendência é de sermos escrotos. O que eu sei que eu não preciso mais imaginar o Tinhoso ali na esquina. Basta lembrar do olhar de reprovação daquela Senhora para evitar a tentação do fofo da puta.

publicado em 08 de Junho de 2013, 07:00
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Luiz Ferreira

Um nerd corintiano que não sabe jogar bola, jazzista que não toca nada, político sem voto, gordinho que não sabe cozinhar e leitor que escreve muito pouco. Tem páginas\r\ne páginas de resoluções de ano novo. No twitter atende por @luizffm.


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