O flerte que nunca virou amor | Do Amor #22

A paquera começa, brincadeiras gostosas, mas a coisa não se encaminha pro amor propriamente dito

Setenta e duas eram as janelas que Michel contou enquanto olhava pela janela. Vidros e gotas de água se misturavam em outra manhã numa semana de chuvas. Tirou uns dias no trabalho e estava ainda de pijamas. Os olhos eram duas massas cinzas e estáticas, sua boca tremia em raiva. 

A memória distraiu mais uma vez sua operação básica de álgebra e tornou a remontar seus últimos meses na cabeça. Lá no começo, ela tinha uma função executiva próxima ao chefe, uma espécie de assistente, uma medianeira qualquer. Já ele, em contrapartida, era pela terceira vez diretor de uma das três filiais, uma bem prestigiada, importante. Conheceram-se em um almoço, o primeiro de muitos, em que ele decidia movimentos importantes com o grande chefe de todo o conglomerado. Michel sentiu logo de cara a admiração dela nas posições firmes que ele tinha, mais tarde ela confessou que não tirou os olhos dele a reunião toda, achou o máximo a maneira serena com que ele defendia seus números e objetivos, ficou espantada com a quantidade de pessoas que ele conhecia, o tanto de prestígio que acumulara nesses anos de vida profissional. 

Começaram a flertar, um namorisco meio à distância, coisa gostosa que fazia bem aos dois, troca de mensagens, sorrisinhos e a promessa de saírem juntos um dia. Nunca foi pretensioso, ainda não era um arroubo de viverem juntos, mas ambos se deliciavam com os gracejos, sabiam que acabariam tendo algo juntos. Madrugadas de conversas começaram a se tornar mais comuns, trocas de desejos, de experiências, de fotos. Tinham de manter discrição, mas tinha dias que ele se sentia enrolado em toalha quente, tamanho o querer, o corpo quente e mole perto dela, traído e denunciado pelos movimentos fora de tempo, ora apressados demais, ora demorados em demasia. 

Começou a se apaixonar.

Na semana seguinte, disposto a se declarar, Michel foi surpreendido por um convite vindo dela, não para namoro, mas um relacionamento mais estreito profissionalmente. Ela finalmente subiu de cargo com a aposentadoria do chefe do conglomerado, algo que espantou a todos, mas se mostrou a vontade do grupo. Ele seria seu braço-direito, o segundo na hierarquia das três filiais e não só a ponta de uma delas. Após o atordoamento inicial, ponderando o fato óbvio de ascender profissionalmente e ainda estar mais próximo dela, aceitou de bom grado. Iria na mesma semana buscar suas coisas para se instalar na sala ao lado da dela, com metros mínimos separando os dois. Imaginações altivas lhe tomavam a cabeça, acumulava ânsias no estômago como quem junta os tesouros de um santuário perdido. 

E a nova realidade não poderia ser mais distante da que ele imaginava. Com as novas funções e acúmulos de problemas com a nova administração, ela perdeu todo tempo de seguir com aquela rotina de olhadelas e atenções. Viagens, reuniões que não envolviam Michel, decisões que não passavam por sua avaliação. Seu celular parou de apitar despedidas de boa noite por parte dela, as fotos não chegavam mais. Em uma trombada inevitável no corredor, olhando para os cantos com todo o o instinto de preservação profissional, perguntou a ela o que estava acontecendo, se ele havia feito algo de errado. "Não, Michel, eu só tô sem tempo". 

Passou o resto da tarde costurando ódio, frustração e medo. A aproximação deturpou todo o seu projeto e aumentou sua febre. "Maldito dia em que eu vim pra perto dela", ele repetia em casa, de frente pra janela, vendo a chuva cair ainda vestindo pijamas. O silêncio na casa aumentava sua sensação de estar sendo rejeitado. Indesejado. Não podia deixar isso passar incólume.

Decidiu escrever uma carta enumerando todas as vezes que ela o deixou para trás.

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publicado em 11 de Dezembro de 2015, 00:05
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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