O filho do Pablo Escobar não gosta de Narcos. Mas por quê?

Apesar de a Colômbia dos anos 80 figurar bonita no plano de fundo, a história não parece ser exatamente como contada – ou pelo menos é o que dizem Sebastián Marroquin e Bernardo García

Não fui só eu que não gostei de Narcos. Sebastián Marroquin, o filho do traficante Pablo Escobar, tem uma boa cota de reclamações a fazer.

Sebastián é autor da biografia Pablo Escobar – meu pai, na qual conta uma história que, segundo ele, é diferente da que Padilha e os produtores estão contando no sucesso do Netflix.

Numa entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, ele acusa a produção de glamurizar os personagens do narcotráfico, entre eles seu pai – e bem sabemos que o retrato feito pela série do poder de Pablo é fascinante.

Além disso, fala da existência de interesses políticos por trás da produção – que não foram especificados – que justificariam a omissão de fatos importantes, entre eles a cobrança de propina, por parte da DEA (agência antidrogas dos EUA), para que a cocaína entrasse no país norteamericano através do aeroporto de Miami e a participação de Frank Sinatra na distribuição da droga pelo alto escalão estadunidense.

Importante entender quem é Sebastián: o arquiteto, escritor e conferencista vive, hoje, na Argentina e se denomina um pacifista. Disse a revista Vice, já há um tempo, que lhe foi dada a opção de se tornar o Pablo Escobar 2.0, mas que foi o primeiro a rechaçá-la.

Sebastián Marroquin, nascido Juan Pablo Escobar, mudou de nome para se desassociar do cartel Medellín

Não defende, portanto, as ações violentas de seu pai que, segundo ele, começaram depois que foi atacado, ao entrar no meio político – bombas, assassinatos e torturas. Curiosamente, mas não surpreendentemente, ele se mostra a favor da regulamentação das drogas:

"Você fala da legalização das drogas em suas andanças pelo mundo. Acredita ser a saída?
Alguma vez você ouviu dizerem que estava faltando cocaína nas ruas? E quantos traficantes sabemos que foram mortos? Pois no dia seguinte à morte de um traficante, falta droga? Então, matem todos em um dia e verão que também não vai faltar. Há hoje 244 milhões de consumidores no mundo dispostos a comprar alguma droga. A mesma violência dos anos de meu pai, que morreu há 22 anos, ainda não terminou. Quando ele me ensinou sobre as drogas, havia dez tipos. Hoje, já são mais de 460 substâncias.

A legalização não seria um risco, tornando a cocaína mais acessível onde ela ainda não é?
Ela é acessível em qualquer lugar. E os jovens creem que o que consomem é cocaína, o que já seria terrível, mas na verdade estão usando outra substância que traz apenas 20% ou 30% de coca com veneno. Se você pedir hoje uma pizza e uma droga por telefone, a droga chega primeiro. Isso significa que ela está tão legalizada quanto a pizza. A guerra está perdida.

E em que ponto teríamos uma sociedade melhor com drogas legalizadas?
Assim como o Estado defende sua soberania, as pessoas têm uma soberania interior com relação ao que querem fazer com seus corpos.

O problema é quando as pessoas não sabem o que vai ocorrer com seus corpos. E aí chegamos à catástrofe...
Já estamos vivendo a catástrofe, e ela só vai ser menor na medida em que se eduque melhor. Prefiro ver um jovem comprando cocaína Bayer ISO 9000 na farmácia ao ver este jovem comprando na esquina um produto branco com vidro moído que vai corroer seus pulmões."

De fato, é um tanto difícil desconstruir a argumentação de Sebastián quando sabemos que a política de guerra às drogas é prato cheio pro repasse de propinas e o próprio tráfico é importante para a movimentação financeira de nações.

A glamurização, no entanto, me parece estratégia marqueteira. Deu certo com Breaking Bad, mas esqueceram de levar em conta as devidas proporções de realidade – uma narrativa completamente ficcional pode fazer por onde construir seus personagens pra que nos identifiquemos com fragilidades do ego e da masculinidade, como no caso de Walter White.

A segunda temporada da série já foi confirmada e, segundo Padilha, depois de vê-la, “será que mesmo assim vai ter gente que acha que o crime compensa?”. Pelo menos até aqui, fica a impressão de que é realmente descabida a construção fascinante do traficante em Narcos, especialmente quando há gente por aí contando como era viver na Colômbia de Pablo.

Não é só Sebastián que tem verdades a dizer

O próprio Marroquin se ofereceu para ajudar a construir a narrativa da produção, mas o auxílio foi recusado por Padilha sob justificativa de que, além de diversas pessoas da família contarem versões diferentes, eles quereriam fazer dinheiro com isso.

Mas há algumas semanas a Vox publicou uma reportagem narrativa escrita pelo colombiano Bernardo Aparicio García, que comparava, de forma envolvente, a experiência dele vivendo no país dominado pelo tráfico de Pablo com o retrato costurado pela série.

Bernardo elogia a produção fidedigna do cenário de Bogotá nos anos 80 e 90, mas fala, o tempo todo, sobre como é estranho ver a própria realidade sendo consumida em forma de entretenimento pelos seus colegas de trabalho.

O plano de fundo não é realismo mágico. É a Colômbia dos anos 80

Mas o que mais chama atenção entre as verdades que conta é a real dimensão do grupo guerrilheiro M-19 que, ao contrário do que a série constroi, não era nada ingênuo e moleque, mas muito bem estruturado, perigoso e poderoso.

E a cena do quarto episódio na qual Pablo mata o líder da guerrilha pode até colaborar pra construção do personagem do traficante, mas é completamente falsa. Pablo Escobar nunca o matou.

Narcos parece ser fiel à Colômbia do período e não esquecer dos cidadãos comuns na narrativa, mas, já que está falando da realidade, de pessoas que estão ainda vivas e atentas à produção, que consomem o entretenimento que lhes é vendido e consomem, portanto, a história de suas próprias vidas, precisa ter mais cuidado.

Não dá pra omitir ligações políticas, propinas estadunidenses e a força do grupo guerrilheiro. Não dá pra vender o personagem Pablo e deixar de lado a responsabilidade de desmistificar sua pessoa.

“Enquanto Narcos teve sucesso em construir um Escobar multifacetado – às vezes violento estrategista, às vezes dedicado pai de família –, a série faz vistas grossas para sua crueldade gratuita. Raramente vemos o Escobar que enfiava brocas nas cabeças de seus inimigos, capaz de punir alguém de forma bárbara pelas mais insignificantes ofensas.”


publicado em 06 de Novembro de 2015, 15:07
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Marcela Campos

Tão encantada com as possibilidades da vida que tem um pézinho aqui e outro acolá – é professora de crianças e adolescentes, mas formada em Jornalismo pela USP. Nunca tem preguiça de bater um papo bom.


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