O dia que Vilson Taddei treinou o Mixto

Essa não é apenas uma lenda que envolve o futebol brasileiro. É um fato testemunhado pelo relator da história. Não é o gol do Pelé na rua Javari, mas eu juro que estava lá.

A incapacidade de uma direção de futebol é medida de acordo com seus atos. O desempenho em campo é somente o reflexo de uma estupidez que muitas vezes ultrapassa os limites do ridículo. No Mixto, um dos clubes mais tradicionais de Mato Grosso, foi assim durante os últimos anos. Em especial na década passada, quando rolou um fato que entrou para a história do universo troll.

A direção do Mixto procurava um técnico para o time no Estadual e série C do Campeonato Brasileiro. Tal como um milagre divino, surgiu em terras pantaneiras o ex-jogador do São Paulo, Grêmio, Internacional e Vasco Vilson Taddei. O jovem treinador apresentou seu louvável histórico de jogador e ofereceu trabalho. Taddei, lembre-se, recebeu o seguinte elogio de Telê Santana na década de 80:

Vilson Tadei foi o melhor jogador com que trabalhei.

O contrato foi fechado e Taddei apresentado à torcida. Ganhou status de estrela. A imprensa fechou o cerco e fez uma série de entrevista — a maioria cara a cara, só pra constar. Homem de voz baixa, sereno, atendia telefonemas de jornalistas e não fazia muito alarde.

O primeiro treino foi marcante. O ex-jogador reuniu o elenco no centro de campo e ficou cerca de 15 minutos conversando. Fez trabalho físico e depois um coletivo. Um treino comum, não fosse a estranha prática de somente observar a movimentação, sem interromper ou fazer instruções aos jogadores.

“Estilo europeu, moderno”, comentou um repórter da época.

Um treinador como Vilson Taddei: era tudo o que o Mixto precisava

Prestes a completar um mês no comando e uma péssima média de pontos conquistados, o treinador teve a visita de toda a cúpula da direção Mixtense. Os dirigentes fizeram uma roda enquanto Taddei, de longe, analisava um trabalho de conclusão a gol dos atletas. Quando os jogadores finalizaram e foram para os últimos exercícios físicos, Taddei foi cercado pelos cartolas. E recebeu um desafio: bater um pênalti.

— “Ensina para esses meninos como se bate um pênalti, Taddei”, sugeriu o então diretor de futebol do Mixto.

— “Hum. Tá legal”, concordou o treinador campeão brasileiro de 1981 pelo Grêmio. Sereno, como sempre.

Taddei tomou distancia. Observou a bola na marca do cal, colocou as mãos nas cinturas e arranjou tempo para colocar a camiseta dentro do short. O gol sem goleiro. Os jogadores, a imprensa e os ambulantes observavam o profissional. Cinco passos da marca. Partida, pé esquerdo atrás da bola para o chute e equilíbrio perfeito.

Nem tanto.

Taddei caiu como um pêssego maduro. Ridículo. Olhando para o céu, observou o forte sol de uma tarde cuiabana tapado pela silhueta de cinco irritados dirigentes. Eles haviam descoberto a farsa. Vilson Taddei não era, na verdade, Vilson Taddei. Era um zé ninguém.

Esse senhor já havia treinado times do interior do Paraná e Mato Grosso do Sul, sempre aproveitando a leve semelhança com Vilson Taddei para se passar pelo ex-jogador. Assim como naquela situação, sempre foi desmascarado. Mas lá ele atingiu um recorde: um mês de falso treinador. Enganou um bando de amadores, tanto dirigentes quanto jornalistas.

Foi traído pelo pênalti. Saiu quase excomungado de Cuiabá (MT). Sem dinheiro e sem vitorias. Mas com uma puta historia. E rindo.

Em pleno 2003. Ou 2004, por aí.

Eu estava lá.


publicado em 23 de Novembro de 2011, 11:46
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Fred Fagundes

Fred Fagundes é gremista, gaúcho e bagual reprodutor. Já foi office boy, operador de CPD e diagramador de jornal. Considera futebol cultura. É maragato, jornalista e dono das melhores vagas em estacionamentos. Autor do "Top10Basf". Twitter: @fagundes.


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